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Pandemia prejudica pré-natal, e mães de Manaus relatam medo durante colapso

Amazonas teve em 2020 alta de até 33% no número de gestantes que não tiveram acompanhamento recomendado no pré-natal

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Monica Prestes Lola Ferreira
Manaus e Rio de Janeiro | Gênero e Número

Desde o início da pandemia, especialistas alertavam que o colapso no sistema de saúde em decorrência da Covid-19 não seria um problema só para quem estivesse contaminado com a doença. Acidentados, hipertensos, baleados e todos que precisassem de atendimento médico poderiam não ter, e os impactos seriam difíceis de serem medidos. Aconteceu. Especialmente no caso das gestantes que pariram em 2020, as poucas informações sobre o risco da doença para elas e para os bebês junto com a superlotação de algumas maternidades as afastaram do processo correto de pré-natal e até dos partos idealizados.

Manaus (AM), a cidade que já colapsou seriamente duas vezes, coleciona casos de mulheres que tiveram de mudar sua rotina médica e de parto por conta da Covid-19. Camila Azevedo, de 17 anos, é uma delas. Grávida do primeiro filho, a indígena moradora do bairro Parque das Tribos, na zona oeste da capital, estava com 38 semanas de gestação no início de março. Ansiosa pelo parto, que poderia ser a qualquer momento, descreveu que todo o período foi de extrema preocupação e pouco acompanhamento.

A enfermeira obstétrica Maria Carolina Machado durante parto domiciliar
A enfermeira obstétrica Maria Carolina Machado durante parto domiciliar - Larissa Lampert

“A falta de médico é o que mais preocupa no meio da pandemia. Só consegui fazer quatro consultas durante a gestação: a primeira foi dia 28 de agosto e a segunda só em 10 de dezembro. Entre agosto e dezembro, quando a pandemia deu uma trégua aqui em Manaus, tentei marcar diversas vezes, mas não consegui porque ou não tinha médico ou não tinha vaga. Conheço outras mulheres que não conseguiram fazer o pré-natal direitinho e algumas delas tiveram problemas na gravidez, até perderam o bebê. Tenho medo de acontecer comigo”, desabafou.

Também moradora do Parque das tribos, a indígena Izolaide Tenório Pimentel, 37, é um desses casos citados por Camila. Aos oito meses de gestação, sofreu um aborto que, para ela, foi um resultado da falta de assistência médica durante a gravidez. Em oito meses, Iza, como é conhecida na comunidade onde mora com o marido e os quatro filhos, só fez três consultas de pré-natal. A gravidez, descoberta no início da pandemia, chegou ao fim com um óbito fetal na 38ª semana de gestação.

“Só consegui fazer três consultas de pré-natal. Nas outras consultas a gente ia e o médico não estava, ou não conseguia vaga. Foi assim até o nono mês. Lembro que me senti mal e achei que ia nascer, mas quando cheguei na maternidade o doutor falou que ela não estava se mexendo mais, não batia o coração”, lembra.

A recomendação do Ministério da Saúde é de ao menos seis consultas de pré-natal ao longo dos nove meses de gestação: uma no primeiro trimestre, duas no segundo trimestre e três no último trimestre. O ideal, no entanto, é que haja uma consulta mensal até completar a 34ª semana e, a partir daí, consultas quinzenais até o parto. Nada disso foi possível para Camila e para outras centenas de mulheres.

O Amazonas seguiu o que aconteceu em todo o Brasil. Lá como em todo o país, a pandemia interrompeu uma tendência de pelo menos cinco anos no aumento das consultas de pré-natal. De 2016 até março de 2020, de acordo com o Painel de Monitoramento do Ministério da Saúde, o número de nascidos vivos de gestantes que fizeram no máximo três consultas de pré-natal só diminuía, enquanto o número de nascidos vivos de gestantes que faziam sete ou mais consultas só aumentava. A partir de março, a situação se inverteu.

No comparativo entre os meses de maio, junho e julho de 2019 com o mesmo período de 2020, por exemplo, aumentou em 33% o número de nascidos vivos de gestantes que fizeram de uma a três consultas de pré-natal. O número para aquelas gestações que passaram por sete ou mais consultas caiu 17%.

Tendência geral

Débora Leite, obstetra no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, coordena uma pesquisa que pretende mapear o que afastou as mulheres das consultas de pré-natal durante a pandemia. Até agora, na sua rotina como profissional de uma maternidade de alto risco, o que observou foi um aumento de gestantes atendidas ali por terem desenvolvido problemas de saúde que poderiam ser evitados com acompanhamento correto.

“A cada período da gravidez, vão acontecendo modificações que são próprias da adaptação do corpo para a fase de crescimento do bebê. À medida que a gravidez vai avançando, vamos conseguindo ver os fatores de risco. E eles são identificados numa consulta de pré-natal, possibilitando, eventualmente, um tratamento mais precoce”, exemplifica Leite.

Partos

Camila, a jovem indígena de 17 anos que só teve quatro consultas de pré-natal, agora tem outro medo: o parto em uma maternidade, já que o coronavírus continua circulando —apesar de a situação em Manaus estar estabilizada após o caos vivido em janeiro.

“Tem esse negócio de melhora, piora, a gente nunca sabe quando que o hospital vai colapsar, se pode acontecer de novo de faltar oxigênio e tudo que a gente viu acontecer se repetir com a gente lá dentro. Se eu pudesse, preferia ter o parto como meus antepassados, na comunidade: em casa, com parteira. Mas não posso, porque na [rede] pública não tem essa opção e a minha casa também é muito pequena.”

Assim como Camila, Stephany também teve receio de dar à luz em uma maternidade, e decidiu pelo parto domiciliar por medo de contágio nas unidades de saúde.

“Tinha relatos de conhecidos dizendo que muitas mães estavam pegando Covid na maternidade e que também estava tendo casos de bebês contaminados. E os casos crescendo na cidade, com hospitais particulares fechando as portas por causa da superlotação. Foi quando decidimos começar uma assistência particular para fazer o parto em casa. E foi a melhor decisão que fizemos, pois tudo correu maravilhosamente bem”, conta a mãe da pequena Alice, de 3 meses.

Na cama, Stephany Mendonça segura o seu bebê após parto domiciliar
Stephany Mendonça, após parto domiciliar, com Alice - Arquivo pessoal

O Painel de Monitoramento de Nascidos Vivos só tem dados até julho de 2020, por isso ainda não é possível analisar o impacto do segundo colapso da saúde em Manaus, que aconteceu em janeiro de 2021. Mas quem trabalha na ponta afirma que os partos domiciliares aumentaram até três vezes no período.

Essa demanda tão grande fez com que a enfermeira obstétrica Maria Carolina Machado deixasse de trabalhar na rede pública para poder se dedicar à empresa de atendimento domiciliar de parto que mantém com duas amigas.

Além do medo de pegar Covid-19 durante uma consulta de pré-natal ou o próprio momento do parto, as gestantes e puérperas que dependem do SUS no Amazonas tinham medo até de ficarem sozinhas na maternidade, uma vez que a pandemia impedia a entrada de acompanhantes. Por tudo isso, “pessoas que nunca imaginaram ter um parto em casa, mas por conta da pandemia fizeram essa escolha, não se arrependeram”, diz Machado.

Próximos passos

Sua empresa, que ela mantém com as amigas, fez adaptações. Uma delas foi incluir o serviço de telemedicina, para reduzir ao máximo o contato durante a gestação. As consultas que podem ser feitas à distância acontecem pela internet, por meio de chamadas de vídeo. Com isso, ela diz ter atendido pessoas até de outros estados, como Alagoas e Pernambuco.

No último dia 15 de março, o Ministério da Saúde publicou a nota técnica 1/2021-DAPES/SAPS/MS. O texto aponta que não há contra-indicações para a imunização de gestantes, mas que elas devem ser alertadas de eventuais riscos. A nota também recomenda que as gestantes com comorbidades sejam vacinadas, de acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19.

Débora Leite, obstetra e pesquisadora, acredita que a melhor forma de resolver a questão do medo e da falta de acesso aos equipamentos de saúde é planejamento e o acesso às vacinas. Ela espera que, a partir de agora, tenha que dar menos notícias ruins às suas pacientes.

A Gênero e Número perguntou à prefeitura de Manaus, onde moram todas as mulheres entrevistadas, detalhes do procedimento adotado para garantir o pré-natal na rede pública, mas não houve respostas até a conclusão desta reportagem.

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