Descrição de chapéu Coronavírus

Remédio para dormir, dor muscular e alegria por alta unem profissionais de saúde em 17 capitais

Reportagem ouviu relatos de médicos e enfermeiros em cidades com mais de 90% de UTIs lotadas

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Recife, Ribeirão Preto, Curitiba , Rio de Janeiro, Manaus , Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador

Diego usa a imaginação para pensar na barriga da esposa grávida, a quem só vê nas chamadas de vídeo. Dilza toma remédio para poder dormir. Patrícia tem dias que nem água consegue beber. Isabella tem crises de choro nos plantões.

A Folha ouviu médicos, enfermeiros e fisioterapeutas que atuam em UTIs para pacientes mais críticos da Covid-19 em 17 capitais brasileiras. São cidades onde a lotação dos leitos de UTI atingiu ou ultrapassou 90%.

Em comum, relatos de exaustão, uso de remédios para controlar a ansiedade, dificuldade de dormir, dor muscular, peso da ausência da família e explosão de alegria com cada paciente recuperado.

Médico está com máscara e roupa de UTI
Diego Montarroyos Simões, médico de UTI da rede pública e privada em Pernambuco - Arquivo pessoal

Recife

“Como se não bastasse o esforço tremendo para, após mais de um ano de pandemia, manter a qualidade nas UTIs, como se não bastasse a carga de cuidar de vários pais e mães que têm a probabilidade de não voltar para casa, quando acaba o dia não posso me recolher com minha esposa, grávida de seis meses, e nem abraçar minha filha de dois anos. Tenho que me contentar com as chamadas de vídeo, com a imaginação do crescimento da barriga. O medo de elas adoecerem é tão grande quanto a saudade"

Diego Montarroyos Simões, 32, intensivista em três hospitais da rede privada do Recife e um da rede pública de João Pessoa.

Gabriel Medeiros, médico de UTI do Hospital Municipal Santa Isabel, em João Pessoa
Gabriel Medeiros, médico de UTI do Hospital Municipal Santa Isabel, em João Pessoa
Arquivo pessoal
médico de máscara e jaleco faz selfie

João Pessoa

Cada vida que luto é o grande amor de alguém. Não é mais um número. Digo isso para minha filha quase todos os dias. Cada paciente que sai da UTI, um respirar fundo debaixo da N95 e palmas, muitas palmas. Para mim, segundos de alegria. Depois, orar e recomeçar, pois há dezenas esperando para ocupar seu lugar no leito.”

Gabriel Medeiros, 43, médico intensivista no hospital municipal Santa Isabel

Fisioterapeuta de máscara, touca e avental hospitalar faz selfie
Patrícia Duarte, fisioterapeuta e coordenadora Eixo Covid-19 do Hospital Geral Dr. César Cals, em Fortaleza - Arquivo pessoal

Fortaleza

Passamos horas seguidas sem descanso, sem nos alimentarmos direito e, muitas vezes, sem bebermos até água. Com isso, o nosso cansaço físico e mental só cresce, o que nos torna mais vulneráveis a uma possível contaminação, o que tem sido um dos nossos grandes medos atualmente, pois vemos diariamente acontecendo com nossos colegas de trabalho.”

Patrícia Duarte, 38, fisioterapeuta e coordenadora do Eixo Covid-19 UTI do hospital Dr. César Cals

Médico em UTI com máscara e roupa cirúrgica
O médico Elmar Dourado, 28, de Salvador - Arquivo pessoal

Salvador

"O trabalho tem sido de domingo a domingo, uma média de 120 horas/semana, tendo que coordenar equipes e, muitas vezes, dar o plantão em substituição a algum profissional que faltou. Tem havido muita dobra, muitos furos na escala. Falta recurso humano. Por mais que organizemos estratégias para liberar mais, não conseguimos acompanhar a proporção que a coisa tomou."

Elmar Dourado, 28, coordenador médico do Gripário do Pau Miúdo (Covid) e da Unidade de Suporte Ventilatório de Valéria (Covid), também atua no Samu e Central Estadual de Regulação

Mulher de máscara, touca e avental hospitalar faz selfie
A fisioterapeuta Dilza Miranda Pires Tosi, 53, que atua em UTI de pronto-socorro em Cuiabá - Arquivo pessoal

Cuiabá

Assusta demais por continuar vendo as pessoas nas ruas e em festas, o povo não respeita. A gente sofre uma derrota todo dia. Faço plantão de 24 horas e é triste chegar de volta ao trabalho e ver vazio um leito em que o paciente estava, por não ter resistido. É uma derrota ver um jovem morrer, a gente tenta, mas não há o que fazer. Estou a base de remédios para dormir, para ansiedade, e para tentar tocar a vida e continuar.”

Dilza Miranda Pires Tosi, 53, fisioterapeuta, trabalha na UTI de pronto-socorro referência para Covid-19

médico de máscara, touca e avental hospitalar posa pra foto
O médico Luciano Vitorino, 42, nefrologista e supervisor médico do Hospital de Campanha para Enfrentamento ao Coronavírus (HCamp) de Goiânia - Arquivo pessoal

Goiânia

Eu passo a notícia do óbito para esposas, para filhos pequenos. Mas a gente chega em casa. Chegar em casa é um misto de felicidade e apreensão. Feliz por mais um dia, por mais uma vitória, o empenho dado e dedicado com essa doença, e apreensão de passar essa doença e contaminar outras pessoas que estão ao nosso redor.”
Luciano Vitorino, 42, nefrologista e supervisor médico do HCamp (Hospital de Campanha para Enfrentamento ao Coronavírus)

Mulher de máscara e avental hospitalar em frente a leito.
Isabella Naiara de Moura, de 35 anos, fisioterapeuta da UTI da Assistência Médica Intensiva, em Porto Velho. - Arquivo pessoal

Porto Velho

"Já tive crises de choros em meus plantões. Tenho sofrido de ansiedade. Algumas vezes, passa pela minha cabeça a pergunta: ‘Até quando eu vou aguentar?’. Mas, 30 segundos depois de pensar nisso, eu penso que se eu não for trabalhar vai ser pior. Não é hora de pensar só em você, mas no coletivo. Não há onde internar. Ou você se cuida ou vai morrer em casa".
Isabella Naiara de Moura, de 35 anos, fisioterapeuta da UTI da Assistência Médica Intensiva

Mulher de touca, máscara e avental hospitalar em UTI
A fisioterapeuta Amanda Loretta Silva Rosa - Arquivo pessoal

Aracaju

"A rotina de trabalho estressante, rituais obsessivos de higiene em casa e no trabalho me deixaram com dificuldades de conciliar o sono até hoje. A ansiedade tem sido controlada com acompanhamento médico rigoroso. Mas hoje me sinto grata por entender que tudo isso era necessário para manter eu e minha família saudável. Nunca tive Covid, nem meus pais e nem minha irmã".
Amanda Loretta Silva Rosa, 37, trabalha no Hospital de Urgências Governador João Alves Filho

Médico de máscara, touca e com avental escrito "Não Vamos desistir" em UTI
Adenilton Rampinelli, 36, médico intensivista e coordenador das UTIs do Hospital Medsenior, em Vitória - Arquivo Pessoal

Vitória

"Uma peculiaridade dessa terceira onda é o colapso pelas vagas na UTI. É a escolha de Sofia. Temos que escolher, de acordo com critérios definidos pelas sociedades médicas, quem tem mais chances em detrimento de quem não tem. De vez em quando, vem na minha cabeça a pergunta: ‘Até quando vou aguentar’. Penso em me dedicar à vida acadêmica, mas aí quando celebro a alta de um paciente, ganho animo para mais 15 dias e assim vou seguindo adiante".

Adenilton Rampinelli, 36, médico intensivista e coordenador das UTIs do Hospital Medsenior

Mulher de máscara, óculos e capa acrílica no rosto faz selfie
Fernanda Vargas de Souza, fisioterapeuta do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre - Arquivo pessoal

Porto Alegre

"Entrando no plantão, nem água e nem banheiro são de fácil acesso, em função de paramentação e do ambiente. A garganta fica seca, a temperatura corporal aumenta pelo excesso de roupa, as marcas no rosto, em função da máscara, e a dor na cabeça, em função do protetor facial, são as certezas para quem está de plantão. Em meio à situação que vivemos dia a dia dentro e fora do hospital, o que mais me impulsiona a seguir em frente é ver as equipes unidas, se reinventando, se ajudando, aprendendo e ensinando, com humildade e empatia"

Fernanda Vargas de Souza, 31, fisioterapeuta do Hospital Moinhos de Vento

Mulher de máscara e touca faz selfie
Alessandra Erdmann, nutricionista da UTI COVID do Hospital Universitário da UFSC, de Florianópolis - Arquivo pessoal

Florianópolis

"Diariamente sabemos a que horas vamos iniciar o atendimento aos pacientes, mas não temos horário para o término dos plantões. São muitas pessoas doentes e familiares desesperados. Encontro alento e conforto no trabalho em equipe e também no sorriso daqueles que sobrevivem à internação.

Alessandra Erdmann, 40, nutricionista da UTI Covid do Hospital Universitário da UFSC

médicos com máscara e touca em UTI
Eliza Souza (de touca vermelha), 56, pediatra intensivista e coordenadora da UTI do Pronto Socorro do Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco - Arquivo pessoal

Rio Branco

“Um dos momentos mais difíceis que eu passei na UTI foi quando eu me vi na situação de internar e quase intubar uma colega. Ao longo da pandemia internei e intubei vários colegas, mas nunca alguém com quem eu tinha tanta proximidade. Ela foi minha residente e, depois de formada, virou minha colega de trabalho no hospital. Eu acompanhei todo esse crescimento dela, era como se fosse uma filha que eu estava vendo ali. Acho que foi o pior momento que passei, quando mais me senti fragilizada. Ela ficou uma semana na UTI e se recuperou"

Eliza Souza, 56, pediatra intensivista e coordenadora da UTI do Pronto Socorro do Hospital de Urgência e Emergência

Médica paramentada com uniforme, touca e máscara de proteção
Karla Moretto, 42, médica intensivista do Hospital de Clínicas, de Curitiba - Arquivo pessoal

Curitiba

Ao chegarmos à UTI nos paramentamos, o que inclui a colocação de avental, touca, óculos e máscara de proteção. Frio? Calor? Tanto faz. A rotina é sempre a mesma. Iniciamos todos os dias assistindo pacientes de Covid-19, a maioria em coma induzido e em ventilação mecânica, na linha tênue entre a vida e a morte. Sempre tenho medo dos familiares e amigos acharem que somos frios, que nos acostumamos com as mortes. Saibam que sofremos com cada perda. Alguns externam com o choro, outros não, mas todos são acometidos pela tristeza.

Karla Moretto, 42, médica intensivista do Hospital de Clínicas

Mulher de touca e roupa hospitalar na entrada de ala da covid
Andreia Ludovico, de 44 anos, enfermeira e coordenadora das terapias intensiva e semi intensiva do Hospital Municipal Souza Aguiar, no Rio de Janeiro - Arquivo pessoal

Rio de Janeiro

"O pior momento é ver os pacientes jovens e graves serem intubados. Eles pedem para não morrerem. Dizem que têm filhos pequenos para criar. Nesta situação, já vi dois que vieram a óbitos. Já teve um mês que tiveram 21 óbitos em um CTI de 11 leitos. Nem sei quantas mortes presenciei. Foram muitas. Eu penso que para melhorar a situação aqui dentro (no hospital) precisa melhorar lá fora."

Andreia Ludovico, 44, enfermeira e coordenadora das terapias intensiva e semi-intensiva do Hospital Municipal Souza Aguiar

mulher de máscara, touca e avental cirúrgico faz selfie.
Camila Isoni, 36, intensivista que atende em hospitais de Betim e Belo Horizonte, na rede pública e privada - Arquivo pessoal

Belo Horizonte

Pesa muito para a gente. Trabalho mais ou menos 12 horas por dia. Meus pais moram em Belo Horizonte, mas não encontro minha mãe há um ano, para não colocá-la em risco. Meu pai eu encontrei porque ele precisou ser internado depois de um infarto. A rotina hospitalar está muito mais pesada. O paciente que vem a óbito rapidamente é substituído por outro, o que não acontecia antigamente com tanta agilidade, porque tem outro na fila de espera, e tem outro e outro e outro.

Camila Isoni, 36, intensivista que atende em hospitais de Betim e Belo Horizonte, na rede pública e privada

Homem de roupa hospitalar, máscara e gorro faz selfie
André Prudente, 43, infectologista, diretor do Hospital Giselda Trigueiro, referência no atendimento Covid em Natal - Arquivo pessoal

Natal

Hoje, recebo mais de 50 pedidos de atendimento por dia no WhatsApp, a pessoa pedindo para atender um familiar ou ela mesma. A gente queria poder ajudar todo mundo, mas não consegue. Muitos leitos de UTI foram criados, não imaginava que a gente ainda teria filas, um ano depois. Estamos com 100% de ocupação há um mês.Tenho uma carga de trabalho cinco vezes maior que o habitual da pandemia".

André Prudente, 43, infectologista, diretor do Hospital Giselda Trigueiro, referência no atendimento de Covid-19

mulher de máscara em corredor de hospital
Priscilla Alexandrino, médica infectologista da Santa Casa de Campo Grande - Arquivo pessoal

Campo Grande

"Chegamos ao nosso limite de atendimento para a capacidade instalada em toda a rede hospitalar. Há dificuldades variadas na organização das equipes e em adquirir insumos, problemas vivenciados em todos os hospitais. É angustiante para as equipes, mas continuamos trabalhando e seguindo em frente. Precisamos da conscientização das pessoas.

Priscilla Alexandrino, 43, médica infectologista da Santa Casa

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