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Secretaria de Saúde de SP vai rever financiamento a municípios para combate à Covid-19

Pasta diz que medida é necessária para evitar duplicidade de financiamento e inconformidade na prestação de contas

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São Paulo

Em plena pandemia de Covid-19 e perto de um colapso do sistema de saúde, a SES (Secretaria Estadual de Saúde) de São Paulo decidiu rever o financiamento a municípios para o combate à doença.

O órgão alega duplicidade de financiamento, ou seja, recursos monetários oriundos do estado e da União para a mesma finalidade. A medida atinge cerca de 130 cidades paulistas.

A SES chegou a publicar em Diário Oficial a Resolução SS-42, de 16/03/2021, pela qual exigiu de municípios paulistas a devolução da verba para o custeio de leitos clínicos e de UTI. O valor ultrapassa R$ 600 milhões.

Hoje, o estado de São Paulo possui 5.937 leitos de UTI em operação. Destes, 3.493 estão habilitados pelo Ministério da Saúde. Os outros 2.444 são financiados pelos estados e municípios.

Pela Resolução SS-42, em caso de omissão quanto a reposição dos valores devidos, o município seria considerado ilícito e estaria sujeito à adoção das medidas administrativas e judiciais cabíveis.

Nesta quarta-feira (31), outra resolução publicada no Diário Oficial do Estado, a SS-49, suspendeu os efeitos da anterior (SS-42). Nos próximos dias, a secretaria soltará um novo documento com regras mais claras sobre esta prestação de contas com os municípios.

Em entrevista à Folha, o secretário-executivo de estado da Saúde, Eduardo Ribeiro Adriano, disse que o governo não quer tirar dinheiro dos municípios, mas evitar duplicidade no financiamento e inconformidade na prestação de contas.

“É uma obrigação nossa destacar a importância de identificar qualquer situação que possa se enquadrar em duplicidade de financiamento e adotar uma medida administrativa para equacionar a situação”, afirma o secretário.

“Quando eu financio dez leitos em um município porque o ministério não o faz, como a habilitação é dinâmica, a qualquer momento que estes dez leitos passem a ser financiados pelo recurso federal o meu aporte para os mesmos dez leitos fica em duplicidade. Neste momento, eu preciso fazer um encontro de contas”, completa.

Para o secretário, é primordial que não haja problemas na prestação de contas. A Secretaria da Saúde não pretende pedir o dinheiro de volta, mas repactuar a sua utilização para mais leitos, outros insumos e outras ações. Por outro lado, o secretário afirmou que a providência a ser tomada depende de cada caso e a pasta avaliará a situação dos municípios individualmente.

O secretário Municipal de Saúde de Jundiaí e diretor do Cosems (Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo), Tiago Texera, afirmou à Folha que discorda da restituição de recursos ao estado, assim como os demais municípios.

“O financiamento sempre foi tripartite, então não há qualquer ilegalidade ou duplicidade de financiamento de ações para o enfrentamento da Covid-19”, afirma Texera.

“Nós estamos passando pelo pior mês desde o início da pandemia, com o maior número de contaminados, internações e óbitos. Hoje, temos no município 48% a mais de leitos Covid-19 do que eu tinha no pico da primeira onda. Então, os grandes encargos estão com os municípios.”

Em Jundiaí, as taxas de ocupação de leitos de UTI estão acima de 95%. Por mês, o município investe cerca de R$ 8 milhões para o financiamento de 272 leitos exclusivos para Covid-19, sendo 103 de UTI, segundo o secretário. Em 2021, o estado repassou R$ 4,8 milhões para 90 dias. Em março, a União repassou aproximadamente R$ 1,4 milhão.

“Quando vem dinheiro de cofinanciamento, como veio dinheiro federal e estadual, é muito bem-vindo para cofinanciar. Esse recurso não é para financiar o custeio dos leitos ou das ações, mas para fazer parte de um todo”, diz Texera.

Texera espera que a nova resolução venha no sentido de que o recurso seja empregado no cofinanciamento das atividades de combate à doença. “O financiamento do SUS sempre foi tripartite e a gente espera que o financiamento para o encerramento da pandemia continue sendo tripartite”, afirma Texera.

Ribeirão Preto (a 313 km de SP) é um dos municípios que também receberam verba do estado e da União. O secretário municipal de Saúde, Sandro Scarpelini, disse à reportagem que aguarda a decisão sobre a necessidade ou não de devolver o recurso recebido do estado, que é de cerca de R$ 5 milhões.

“O governo federal reassumiu o pagamento das UTIs e o estado solicitou o retorno. O recurso está guardado esperando definição”, afirma Scarpelini.

Assim como as demais cidades, Ribeirão Preto tenta vencer a crise sanitária. De acordo com o secretário, há falta de profissionais, equipamentos e medicamentos. “Ribeirão Preto está numa fase aquecida, com muitos casos e internações. A ocupação dos leitos está em torno de 94%, 95% nos últimos dez, 15 dias”, afirma.

Para a advogada sanitarista, doutora em Saúde Pública, professora da Unicamp e presidente do Idisa (Instituto de Direito Sanitário Aplicado), Lenir Santos, a devolução não faz sentido, pois é dever do estado cofinanciar as ações e serviços de saúde dos municípios ao lado do dever da União.

“O estado e a União são obrigados a repassar recursos para a sustentabilidade do SUS municipal. Pode ser concomitante, pode cada um dar um tanto para fazer tal coisa. Não existe o que eles estão alegando”, diz Santos.

“Não há duplicidade [no recebimento de recursos] até porque o leito de UTI tem um valor que nem o dinheiro do ministério [da Saúde] e nem o deles cobre. Eles estão equiparando o município a um prestador de serviços privado”, afirma.

“Nesse momento de pandemia, com grandes encargos para os municípios, não se pode falar em faturamento, produção, mas sim em cofinanciamento das atividades de combate ao novo coronavírus, não cabendo o conceito de duplicidade de pagamento”, explica Santos.

O SUS é financiado pelas três esferas de governo e tem gestão compartilhada, cabendo à União transferir recursos para os estados e municípios e os estados para o conjunto de seus municípios. As transferências devem ocorrer de forma direta e automática, nos termos do art. 18 da Lei Complementar n° 142, de 2012.

Para diretor do Centro de Pesquisa de Direito Sanitário da USP o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, Fernando Mussa Abujamra Aith, solicitar o recurso de volta pode ser legal, desde que se comprove a duplicidade de financiamento para a mesma ação.

“Mas em tese, só seria possível no âmbito de transferências voluntárias, para financiar ações específicas de interesse do município ou do estado, e não nas transferências automáticas, que são baseadas em população e outras lógicas de repasse, principalmente relacionadas à atenção básica”, diz Aith.

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