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China estuda formas de aumentar a eficácia de suas vacinas contra a Covid

País admite questão com imunizantes como a Coronavac, e pode mudar dosagem ou misturá-los a outros fármacos

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São Paulo

A China admitiu pela primeira vez que considera alternativas para elevar a eficácia de suas vacinas contra a Covid-19, inclusive a Coronavac, imunizante mais usado Brasil.

Segundo Gao Fu, chefe do Centro Chinês para Controle de Doenças, "está agora sob consideração formal se devemos usar diferentes vacinas de diferentes linhas técnicas para o processo de imunização". Ou seja, misturar a aplicação de seus fármacos com outros.

Professora Rosane de Souza recebe primeira dose da Coronavac no sábado (10), em Suzano (SP)
Professora Rosane de Souza recebe primeira dose da Coronavac no sábado (10), em Suzano (SP) - Mathilde Missioneiro - 10.abr.2021/Folhapress

Outra alternativa é a de ajustar o intervalo entre as doses ou aumentar o número dela —todas as vacinas chinesas são aplicadas duas vezes. Segundo Gao, é preciso "resolver o problema de que a eficácia das vacinas existentes não é alta".

O cientista falava durante uma conferência em Chengdu, no sábado. Segundo o jornal britânico Financial Times, diversos comentários em redes sociais chinesas acerca da fala foram censurados —a ditadura comunista controla de forma rígida a internet.

Após a repercussão no exterior, Gao falou ao jornal Global Times, do Partido Comunista Chinês, tentando minimizar a fala. "As taxas de proteção às vezes são altas, às vezes são baixas. Como melhor sua eficácia é uma questão que tem de ser considerada", disse.

Ele afirmou que a ideia de que havia "admitido baixa eficácia é um completo engano", mas depois sugeriu exatamente os ajustes relatados antes: mudança de dosagem ou mistura de fármacos.

Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, sócio do laboratório chinês Sinovac no desenvolvimento da Coronavac, não comentou o caso.

A fala de Gao deverá causar polêmica, mas não implica uma condenação das vacinas chinesas. Ao contrário: todas tiveram até aqui eficácia superior a 50%, o necessário para utilização em campanhas de imunização, e alta proteção contra casos sintomáticos da Covid-19.

As duas principais vacinas do país, a Coronavac e a Sinopharm, utilizam vírus inativados para estimular a resposta imune nos inoculados.

É uma tecnologia mais antiga e confiável, usada há décadas. Nos estudos em curso no mundo, ainda preliminares, ela mostrou a criação de uma taxa de anticorpos protetivos menor do que o atingido por novas técnicas.

As propaladas vacinas que usam RNA mensageiro para levar a proteína de ligação do novo coronavírus ao corpo do inoculado para gerar resposta imune, com as da Pfizer/BioNTech e da Moderna, têm eficácias relatadas de mais de 95%.

No estudo de fase 3 conduzido pelo Instituto Butantan, que ajudou a desenvolver a Coronavac e irá produzi-la localmente até o fim do ano, o fármaco atingiu 50,38% de eficácia global.

Mas preveniu 78% de casos leves e 100% de moderados e graves —embora no momento da divulgação, em janeiro, esse último dado fosse considerado estatisticamente insuficiente.

Nos Emirados Árabes Unidos, dados iniciais falavam em eficácia de 86% da Sinopharm, mas o país está testando a aplicação de uma terceira dose dela para aumentar sua ação.

As comparações diretas servem a debates políticos, em especial no ambiente de Guerra Fria 2.0 vigente entre Estados Unidos e China, mas são complicadas do ponto de vista científico. Cada ensaio com vacinas tem características próprias, com grupos populacionais diferentes e metodologias específicas.

Estudo preliminar feito pelo grupo de pesquisadores Vebra Covid-19 com 67 mil trabalhadores de saúde de Manaus mostrou que a Coronavac teve eficiência de 50% contra a virulenta variante P.1, e isso após 14 dias só da primeira dose.

No Chile, foi apontada uma diminuição da internação e dos óbitos de pessoas com mais de 70 anos. Por outro lado, o país enfrenta um repique de casos e pesquisadores especulam que isso possa ter a ver com menor eficiência ante novas variantes do vírus.

Tudo isso é natural. A pandemia tem pouco mais de um ano, e já há campanhas de vacinação na maioria dos países do mundo. Tal velocidade traz ajustes obrigatórios ao longo do caminho.

Um caso exemplar é o da vacina da AstraZeneca/Universidade de Oxford, a outra em uso no Brasil. Com milhões de vacinados, surgiram relatos de casos raros de problemas de coagulação, alguns fatais.

Isso levou países europeus a suspenderem a distribuição do imunizante até que as autoridades de saúde chegaram à conclusão de que os riscos são muito pequenos ante as vantagens —basta ler qualquer bula de remédio para notar que isso é norma.

O próprio Butantan tratou de desenvolver uma nova vacina, a ButanVac, feita em parceria com um consórcio internacional.

O instituto prevê que ela, que aguarda autorização para testes clínicos em seres humanos, será mais eficiente contra a Covid-19 do que a Coronavac por ser de uma segunda geração de imunizantes.

A discussão sobre intervalos de dosagem ocorre em todo o mundo, e o Reino Unido testa a mistura da vacina de Oxford em uma dose com o imunizante russo Sputnik V em outra. O fármaco europeu usa um adenovírus que causa gripe em macacos como vetor e o da Rússia, um adenovírus humano.

De toda maneira, a fala de Gao Fu é bastante inusual, ainda mais vinda de uma autoridade chinesa. O país tem apostado fortemente na diplomacia da vacina, firmando acordos diversos de fornecimento de seus imunizantes —a Coronavac é a principal vacina em uso no Brasil, Turquia, Indonésia e Chile, por exemplo.

Apesar dessa ofensiva, com 40 milhões de vacinas exportadas ou doadas a 20 países, Pequim passou a priorizar mais recentemente seu público interno, o que levou a preocupações sobre a exportação de suas vacinas.

O caso brasileiro é diferente porque para cá os chineses vendem o insumo para a produção local no Butantan, não as doses prontas, e uma fábrica local está em construção para dar independência ao país.

O instituto paulista entregou 38,5 milhões das 46 milhões de doses encomendadas pelo Ministério da Saúde até abril. Sete em cada dez vacinados no Brasil receberam a Coronavac.

A China já vacinou, segundo dados do site Nosso Mundo em Dados, ligado à Universidade de Oxford, 161,1 milhões de pessoas.

O país não informa quantos receberam duas inoculações, mas como é o mais populoso do mundo, isso dá apenas 12 doses por 100 habitantes —percentual semelhante ao do Brasil. Israel lidera o ranking mundial, com 115 doses por 100 habitantes.

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