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Defender culto presencial em plena pandemia é infantilismo espiritual, diz teólogo

Para Antonio Carlos Costa, verdadeiro culto a Deus está na forma de viver e não dentro da igreja

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São Paulo

A polêmica envolvendo os cultos presenciais em igrejas tem mobilizado líderes cristãos contrários às reuniões nos templos. Para o teólogo Antonio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz, a insistência de alguns em defender o seu direito à liberdade religiosa em plena pandemia da Covid-19 é um “infantilismo espiritual” ou até mesmo a “falta de conversão”, pois não entenderam que o momento pede pausa em favor da vida.

Com 35 anos de pastorado, atualmente na Igreja Presbiteriana da Barra, no Rio de Janeiro, e autor de livros como “Convulsão Protestante - Quando a teologia foge do templo e abraça a rua”, Costa acredita que há outras maneiras de a igreja cumprir o seu chamado de pregar o evangelho de Jesus e de amar ao próximo sem a necessidade de se reunir presencialmente.

“Para nós, cristãos, o verdadeiro culto a Deus ele não se dá dentro da chamada quatro paredes da igreja. O verdadeiro culto a Deus tem relação estreita com o modo de viver”, disse Costa à Folha.

Na entrevista, o teólogo também afirma que, conhecendo parte da liderança evangélica brasileira, "não resta dúvida" de que a preocupação de alguns com os cultos presenciais está relacionada com a arrecadação da igreja.

Imagens de culto da Igreja Mundial do Poder de Deus transmitido pelo YouTube oficial da igreja no domingo de Páscoa com presença de fiéis - Reprodução - 4.abr.2021

O sr. acredita que cristãos precisam se reunir presencialmente para prestar culto a Deus?

Em uma igreja que ama com o amor sacrificial, aquele que tem Cristo como referência e faz com que a gente se doe pelo próximo, o tema do culto presencial deve manter uma relação de subserviência ao chamado para dar a vida pelos que ainda não conhecem a Cristo e que carecem da solidariedade dos cristãos. Então, uma igreja incapaz de abrir mão do que ama a fim de não causar escândalo e assim cumprir sem impedimento sua missão redentora não está reproduzindo a vida de Cristo.

Resumindo: dizer que os membros da igreja precisam dos cultos e que teremos os cultos ainda que isso leve milhões a tropeçar e se escandalizarem é inadmissível. Um comportamento como esse, sem a mínima dúvida, é sintoma de infantilismo espiritual ou até mesmo de falta de conversão. Há 35 anos eu sou pastor e eu posso dizer sem medo de estar errado que os membros das mais diferentes igrejas que carecem de ajuda podem ser de inúmeras maneiras socorridos ainda que por breve momento sejam privados dos seus cultos.

Cristãos deveriam se antecipar e evitar cultos?

Há uma dimensão sanitária nesta história: uma preocupação com a disseminação do vírus. Mas, para os cristãos, há uma outra questão igualmente séria que é a que se relaciona pelo respeito que devemos ter pela consciência alheia. Milhões de seres humanos estão abrindo mão do que amam a fim de evitarem a disseminação do vírus. Então como fica a cabeça dessa gente quando olha para os cristãos e vê que eles não estão pagando o mesmo preço? E que não abrem mão dos seus cultos mesmo sabedores do fato que isso estimula o uso do transporte público, o contato entre os seres humanos e aumenta, portanto, o risco de contaminação?

Eu não participo de culto presencial há mais de um ano e não participarei enquanto a pandemia não chegar ao fim.

O sr. acredita que a proibição dos cultos presenciais priva os cristãos do direito constitucional à liberdade de culto?

A liberdade de culto é um valor inegociável para a democracia. Contudo, esse não é o único valor da vida, da democracia, do cristianismo. Há outros valores, entre os quais, a vida. Agora outro valor é o respeito à consciência alheia, à vida e à preservação da espécie.

Então, o que está sendo pedido dos cristãos não é que eles abram mão da sua liberdade de culto. O que está pedindo dos cristãos é que provisoriamente eles paguem o preço que infectologistas e epidemiologistas estão pedindo que seja pago por todos os seres humanos a fim de evitarem a morte.

É possível prestar culto a Deus mesmo sem ir à igreja?

Para nós, cristãos, o verdadeiro culto a Deus não se dá dentro da chamada quatro paredes da igreja. O verdadeiro culto a Deus tem relação estreita com o modo de viver. Então a forma de nós adorarmos a Deus nesta pandemia é subindo morro para levar comida para os desempregados, telefonando para amigos endividados a fim de socorrê-los, trazendo palavras de esperança para pessoas que caíram em depressão em razão do risco de morte ou por ter perdido um ente querido.

Veja só, não está em jogo aqui a liberdade de culto, de consciência, de se adorar a seu Deus. O que está sendo cobrado é que os cristãos abram mão provisoriamente de um direito que nenhuma autoridade pública está relativizando. Ninguém está dizendo que a partir de agora os cristãos não devem se reunir. O que está sendo pedido é que no momento dramático como este os cristãos evitem aglomeração. É só isso. E eu acredito que, como cristão, é incompreensível que a igreja mantenha os cultos presenciais ainda que isso venha ferir a consciência de milhões de pessoas que deixarão de ouvir o que a igreja tem a dizer em razão do fato de não observarem nos cristãos essa disposição de abrirem mão do que amam a fim de preservarem a vida.

Existem outras formas de se cultuar a Deus além da presença física na igreja?

Sim. Um exemplo é uma parábola contada por Cristo que fala sobre o culto que é prestado no templo e o culto superior, que é prestado nas ruas. Uma das parábolas mais famosas é a do Bom Samaritano, que não é apresentado saindo do templo, ele é apresentado passando pelo caminho e ele vê o homem em agonia e o socorre. A lição é básica: o verdadeiro culto foi prestado ali, mediante o exercício da misericórdia. E aqueles que adoraram no templo se esqueceram do fato de que nada glorifica mais o Criador do que ele ser adorado mediante o serviço prestado ao que sofre.

Agora, nem por isso nós vamos relativizar os cultos presenciais tão presente no Novo Testamento e nos 2.000 anos de história do cristianismo. Nesses cultos é indiscutível que pessoas são socorridas, encontram esperança, direção para a vida. Ali elas também estabelecem vínculos de amor e tem essa demanda relacional atendida pela igreja. As consequências espirituais desses cultos, saudáveis, são incalculáveis. Só que, devido às circunstâncias adversas, eu diria que o amor cristão pede que os cristãos abram mão desses encontros a fim de não causar escândalo e não disseminarem o vírus.

A insistência de algumas denominações pelo culto presencial tem mais relação com a questão econômica do que espiritual?

Olha, você tem de tudo. Tem a pressão das pessoas que amam esses momentos. Outras não conseguem viver longe daquilo porque desenvolveram uma dependência emocional. Isso pode ser atendido pela igreja sem que ela estimule pessoas a estarem presentes ao mesmo tempo no templo. É possível essa demanda ser atendida através do gabinete pastoral. Da mesma forma que vão ao médico, elas podem procurar o pastor ou a liderança da igreja em busca de ajuda. Também tem os recursos das redes sociais.

Agora não resta dúvida, conhecendo parte do caráter de parte da liderança religiosa evangélica no país, nós somos levados a crer que há muita preocupação com a arrecadação da igreja. Eles sabem que não têm à sua disposição os recursos psicológicos para manipular pessoas e delas arrancar dinheiro. Olhando para o movimento evangélico brasileiro, com os escândalos presentes dentro dessas igrejas, com algumas figuras públicas absolutamente execráveis, você desconsiderar esse ponto e dizer que não há um espírito mercantilista por trás desse desejo.... Agora, dizer que isso acontece em todos os casos seria uma iniquidade.

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