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Mães recorrem à Justiça para suspender visitas de pais que desrespeitam isolamento

Com o agravamento da pandemia, tribunais tiveram aumento de pedidos de suspensão de regime de convivência

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São Paulo

Desde o início da pandemia, Maria segue rigorosamente o isolamento com a filha de 4 anos. Mas, em janeiro, descobriu que o pai da menina a levou para a praia e teve contato com uma tia que frequenta bares e festas clandestinas.

Luiza também mantém o isolamento com o filho de 8 anos, que é asmático. Mas, quando o menino vai para a casa do pai, é levado para churrascos e festas e precisa pedir para usar máscara ao sair na rua.

Por medo de que os filhos sejam contaminados quando estão com os pais, que se negam a seguir as regras de distanciamento social e de higiene, mães têm recorrido à Justiça para pedir a suspensão temporária do regime de convivência, ou seja, das visitas estabelecidas na guarda compartilhada das crianças.

Magistrados e advogados da área de direito da família relatam que, desde o início do ano, com o agravamento da pandemia em todo o país, os tribunais passaram a receber muitos pedidos de suspensão temporária das visitas. Como os processos tramitam em segredo de Justiça, não há ainda levantamento do número de ações desse tipo.

Mães recorrem à Justiça por temer que filhos sejam infectados por pais que se negam a seguir medidas de prevenção contra a Covid-19
Mães recorrem à Justiça por temer que filhos sejam infectados por pais que se negam a seguir medidas de prevenção contra a Covid-19 - Eduardo Knapp/Folhapress

Os nomes usados para contar essas histórias de conflito familiar são fictícios, já que os processos ainda estão em tramitação.

Maria só soube que a filha tinha viajado quando voltou para casa. Elas moram com os avós e a bisavó da menina. “Tentei conversar e explicar que essas atitudes colocam nossa filha e a minha família em risco. Ele respondeu que, quando está com ela, quem toma as decisões é ele.”

Por orientação de uma advogada, Maria reuniu fotos publicadas em redes sociais e as conversas que teve com o pai da menina. Elas foram usadas como prova de que ele coloca a saúde da família em risco.

O juiz aceitou o pedido e suspendeu temporariamente as visitas. Apesar de a decisão determinar que pai e filha conversem por telefone ou chamada de vídeo em dias alternados, o homem alega que a medida configura alienação parental. Por isso, uma audiência de conciliação foi marcada para o fim de abril.

Daniela Morsello, juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo, diz que os pedidos têm sido aceitos em situações “excepcionalíssimas e muito bem comprovadas", já que há o risco de violar o direito da criança de convivência com o pai.

“O direito à saúde e o direito à convivência familiar são dois princípios de igual importância à criança. Nesses casos, o juiz precisa valorar qual deles corresponde ao melhor interesse da criança. É um grande dilema para o poder judiciário nesse momento.”

Luiza não conseguiu suspender judicialmente as visitas do filho ao pai, mas o convenceu no último mês a apenas ver o menino sob sua supervisão na área externa do prédio onde moram. “É a única forma de eu garantir que ele vai usar máscara quando está com o meu filho. Ele diz que só usa a máscara se for obrigado.”

Segundo ela, o menino contou que o pai o levou a festas e se recusa a usar máscara. Luiza registrou boletim de ocorrência de maus-tratos e ameaça, anexando as conversas como prova de que o homem não segue as medidas de segurança contra a Covid-19.

“Registrei todas as nossas conversas, porque elas são provas de que ele não se preocupa com a saúde do filho. Nas conversas, ele diz que não irá se vacinar, que eu sou burra por acreditar na doença, que foi e vai continuar indo a festas.”

O pai do menino também ameaçou parar de pagar a pensão alimentícia se ela continuasse “insistindo em dificultar as visitas”.

Claudia Stein, advogada especialista em direito da família, diz ter percebido que, com o agravamento da pandemia, os juízes têm sido mais favoráveis a aceitar os pedidos de suspensão das visitas presenciais. “Há um receio do próprio magistrado, ainda mais em um momento como esse, com 4.000 mortes por dia, de não suspender e a criança ou a mãe adoecer. Há ainda o risco de não conseguirem nem leito.”

Stein está com 9 processos do tipo em andamento atualmente. Segundo ela, os pedidos também têm sido concedidos porque os próprios pais acabam criando provas contra eles mesmos.

“As redes sociais são hoje a maior fonte de prova no direito de família. As pessoas postam fotos em churrasco com mais de 10 pessoas, todas sem máscara, ou publica foto da criança em praia lotada.”

Ela diz que os juízes também têm decidido aplicar multas em casos de descumprimento das medidas de segurança, como não usar máscara ao estar com a criança ou frequentar locais com aglomeração.

Morsello afirma que os pedidos de suspensão também têm sido mais frequentemente aceitos nos casos em que a criança ou a mãe são do grupo de risco para a Covid-19. “É assustador, mas muitas pessoas ainda não entenderam que, na pandemia, suas atitudes trazem risco para os outros, até mesmo para os seus filhos.”

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