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Coronavírus Trincheira Covid

Não me importa se você acredita na Covid ou não

Fiz uma escolha e um juramento de cuidar dos meus pacientes, explica médica em diário

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Fernanda Wendel

Médica com residência de Medicina de Família e Comunidade, atua como socorrista do Samu e em pronto-socorro de São Paulo

São Paulo

Desde o começo da pandemia, quando era para estarmos todos unidos no objetivo único de frear o desastre que estava se desenhando, fomos vítimas de uma polarização que deixa o Fla-Flu no chinelo. Era a turma do fecha tudo contra o time do tem de deixar tudo aberto. Os a favor da máscara e os desmascarados. Os que não conseguem parar de chorar diante de tantas mortes e aqueles que ainda acham que é tudo manipulação de dados.

Quantas vezes escutei a sugestão de deixar sem atendimento aqueles que não acreditam na real dimensão da pandemia, que seguem se expondo como se fosse tudo uma ilusão conspiratória? “É só não dar vacina para eles então... Na hora que faltar respirador, deixa eles sem...” e por aí vai.

Sinto muito em possivelmente decepcionar aqueles que vêm me apoiando tanto nesta rotina de luta. Mas vou tratar todo mundo exatamente da mesma maneira, conforme a gravidade do quadro exigir. Não me importa nada se a pessoa seguiu as orientações sanitárias, se protegeu sua família, se foi para a balada ou se está há um ano trancada em casa. Se estiver grave, vai receber tudo o que estiver ao meu alcance. Vou além: desejo vacina para absolutamente todos, e rápido!

Isso não significa que não me frustro quando vejo o desrespeito com a ciência, a falta de colaboração coletiva para interromper a transmissão do vírus, a quantidade absurda de fake news ofensivas a quem está nesta batalha. Só que a indignação e o desalento não podem me paralisar e comprometer a qualidade do meu serviço. Ou, pior, não podem ser convertidos em revanchismo e direcionados para um indivíduo que naquele momento precisa muito de mim.

A revolta é com a estrutura que não conseguiu estabelecer um pacto coletivo de cuidado, em que fôssemos direcionados a caminhar na mesma direção, cuidando uns dos outros. E não com sujeitos individualmente, ainda mais no momento de fragilidade.

Tenho para mim o conceito de que as pessoas podem muito bem se arrepender de suas atitudes, rever seus valores, reavaliar suas crenças. Acho muito nobre quem reconhece seus próprios erros e tenta repará-los. Portanto, seria muito contraditório da minha parte excluir alguém de um tratamento de excelência e não dar a chance de essa pessoa revisitar o que a levou até aquela situação. E, com muito otimismo, esperar que, superada a doença, essa experiência traga o paciente para a luta conjunta contra a Covid. Lado a lado, e não em lados opostos.

Antes de tudo, eu fiz uma escolha e um juramento de cuidar dos meus pacientes. Aplicar meu conhecimento e técnica para o bem dos meus iguais, jamais para alimentar a dor. O julgamento das atitudes alheias eu deixo para os juízes, sejam eles mundanos ou divinos.

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