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Pressões da pandemia de Covid-19 levam a maior busca por religiões e técnicas de meditação

Com ansiedade e depressão em alta, brasileiros procuram orientação espiritual

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Carol Apple, instrutora de meditação e criadora do site Namastreta, que viu crescer a demanda por seu trabalho durante os mais de 13 meses de pandemia; na foto, ela está em posição de meditação, em pé,  em cima de um prédio com outros prédios ao fundo 

Carol Apple, instrutora de meditação e criadora do site Namastreta, que viu crescer a demanda por seu trabalho durante os mais de 13 meses de pandemia  Karime Xavier/Folhapress

São Paulo

Se as coisas andam difíceis aqui embaixo, o jeito é olhar para cima —ou para dentro. Procuram-se respostas, alguma perspectiva e, sobretudo, conforto e força para atravessar tempos de provação. Mesmo fechados pela pandemia de Covid-19, igrejas, templos, terreiros, centros e instrutores de meditação veem o número de adeptos crescer.

Quantos restarão passada a pior crise sanitária da história do país não se sabe, tampouco importa. A hora é de acolhimento. “Há pessoas que querem saber porque Deus permitiu que essa pandemia ocorresse. Ateus, pessoas de outras religiões, nos procuram para saber qual o nosso posicionamento”, diz o pastor Edson Nunes.

Uma pesquisa global liderada pela Universidade Estadual de Ohio (EUA) apontou que o Brasil ocupa a liderança no ranking dos índices de ansiedade e depressão durante a pandemia quando é comparado a outras dez nações. No total, 13 mil pessoas foram entrevistadas, 1.500 no país. Aqui, 63% estavam ansiosos e 59%, depressivos.

Segundo Nunes, há uma ideia que os sacerdotes seriam uma espécie de “confidentes de Deus” e em um momento de medo, incertezas e privações as pessoas tendem a recorrer à ajuda dos religiosos. “Deus não ‘permitiu’ isso [a pandemia]. Deus é amor”, afirma.

Sua comunidade, a Nova Semente, no Paraíso, é parte da Igreja Adventista do Sétimo Dia, congregação protestante criada em 1863 nos Estados Unidos.

Ali, na zona sul de São Paulo, são cerca de 800 os frequentadores. Eram, na verdade, porque desde o começo da pandemia a unidade não recebe fiéis para os cultos.

Nesse período, assim como para outras tantas igrejas, a internet foi assumindo um papel cada vez mais central na difusão da mensagem da Nova Semente e como canal para a chegada de novos fiéis.

O perfil da igreja no Instagram e a o canal no YouTube tiveram crescimentos sensíveis durante a pandemia, 17 mil e 15 mil seguidores a mais, respectivamente. Para uma comunidade de 800 pessoas, resultado acima do esperado, diz Nunes.

Nos comentários do canal de vídeos, novos seguidores publicam suas mensagens. “Na companhia de vocês descobri o sábado, com isso me redescobri e redescobri Deus. Sou grata além do que as palavras podem dizer!”, diz um dos testemunhos. Os adventistas guardam os sábados, quando celebram o descanso e a finalização da obra de Deus.

No espaço físico da Nova Semente, o único movimento há mais de um ano é o de técnicos de filmagens, além do próprio pastor. Vazia, a igreja parece um lugar completamente diferente do habitual, mas deve ser assim pelo tempo em que a pandemia durar.

Mesmo assim, Nunes não pensa em reabrir a igreja —ainda que o plano do governo do estado permita. “Entendo o clamor [dos fiéis] pela volta, mas a reabertura das igrejas é um erro político e estratégico”, diz. “As pessoas vão querer cantar, se abraçar, como vamos coibir isso?”

É também o que pensa Carlos Roberto Salun, 74, o pai Salun, presidente da Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo. Sacerdote umbandista, ele é o responsável pelo Templo de Umbanda Cacique Flecha Dourada, em Guarulhos, na Grande São Paulo.

Atualmente fechado, assim como os mais de 1.500 templos e terreiros associados no estado, o local passou a receber um fluxo maior de seguidores nos dois primeiros meses do ano, período em que a pandemia avançou no país.

A capacidade no local é de cerca de 120 pessoas, mas como a procura não parava de crescer, pai Salun teve que fechar os portões durante as sessões e formar filas com distanciamento do lado de fora. “Há uma procura muito grande, principalmente de jovens, querendo conversar com seu lado espiritual”, afirma.

“Elas manifestam isso também porque têm medo. E tem que ter mesmo. Eu, com 74 anos e diabetes, tenho medo.”

Os reflexos da preocupação com a pandemia também aparecem durante as sessões. “Pedimos sempre a ajuda de médicos que já foram [morreram] para nos guiar.”

Apesar de fechado para o público, o templo manteve o trabalho de formação de sacerdotes umbandistas. Neste fim de semana, novos líderes religiosos sairão formados do templo. Assim como na Nova Semente, o Cacique Flecha Dourada só cresceu durante a pandemia.

Há, no entanto, uma diferença em relação à igreja comandada por pastor Nunes. Em seu templo umbandista, Salun não pensa em usar a internet. “A umbanda é fundamentalmente presencial, não há como fazer pela internet”, diz. “Tem muito lugar em que se faz atendimento por telefone. Isso não existe.”

Realidade oposta tem a instrutora de meditação e criadora do site Namastreta (namastreta.com.br), Carol Apple. Desde o início da pandemia, o número de pessoas que a procuram para aprender a meditar só cresceu. Nesse período, os efeitos da pandemia e do afastamento social se tornaram evidentes. “As pessoas me procuram porque estão aceleradas demais”, diz.

Parte do trabalho de Carol é saber identificar o que as pessoas procuram e encaminhar a melhor opção. “Quando alguém assim me procura eu vou escolher a melhor técnica para que ela possa desacelerar. Não vou indicar uma em que a pessoa sente e fique olhando para a parede”, diz.

Para ela, os sintomas que as pessoas manifestam durante esse período, medo, angústia e ansiedade, já estavam presentes mesmo antes. “As pessoas já estavam afundadas emocionalmente, mas não percebiam isso por causa dos ‘amortecedores’. Bebiam demais, fumavam demais, faziam tudo demais. A pandemia foi a gota que faltava”, diz.

A falta de uma melhora na situação da pandemia no Brasil piora ainda mais esses quadros. “Agora, as pessoas voltam pra casa sem perspectiva de quando enfim vai ter alguma segurança. Não dá mais para tapar o sol com a peneira”, afirma Carol.

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