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Vacina própria da Fiocruz contra Covid não tem cronograma, contrato nem plano B para atraso

Informações foram prestadas pela Fundação ao TCU em processo sobre Ministério da Saúde

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Brasília

A produção da vacina totalmente nacional pela Fiocruz está sem cronograma de entrega nem contrato de transferência de tecnologia com o laboratório AstraZeneca assinado e carece de aprovação da planta industrial pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Tampouco há plano de ação para o caso de atrasos, segundo informou a instituição ao TCU (Tribunal de Contas da União), em documento obtido pela Folha, em 24 de março, no processo em que acompanha a condução da pandemia pelo Ministério da Saúde.

Ao tribunal a Fiocruz respondeu que as medidas “ainda estão sendo desenhadas”. “O plano de gerenciamento de riscos está em fase de elaboração e sua primeira versão será emitida após a assinatura do contrato prevendo a transferência de tecnologia do IFA [ingrediente farmacêutico ativo]."

O contrato de transferência de tecnologia com o laboratório AstraZeneca deveria ter sido assinado no ano passado, mas foi adiado para fevereiro, depois abril e maio. Agora, está sem previsão, disse a Fiocruz à Folha na terça-feira (20).

Diante da parede de pedra com três varandas acima, vê se uma fila de idosos, com máscaras, em um dia de sol
Sexagenários agurdam diante do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, para receber a vacina da AstraZeneca produzida pela Fiocruz com insumos vindos da China - Pilar Olivares/Reuters

Todos esses fatores são necessários para que a instituição comece a fabricação do IFA nacional no Instituto de tecnologia em imunobiológicos (BioManguinhos).

A instituição disse ao TCU que a expectativa é que a planta industrial seja liberada ainda neste mês, possibilitando a produção dos primeiros lotes experimentais a partir de maio.

Nesse cenário, a previsão de produção e entrega das primeiras doses da vacina com o IFA produzido totalmente em BioManguinhos é que ocorra no segundo semestre de 2021.

“Essa projeção impossibilita a definição de um cronograma mais detalhado de entrega da vacina. Vale ressaltar que as doses produzidas somente poderão ser distribuídas após o deferimento de todo o processo de registro junto à Anvisa”, disse a Fiocruz.

“Uma previsão mais precisa só será possível após o início das operações.”

Inicialmente, a ideia era entregar as vacinas 100% nacionais a partir de agosto, somando 110 milhões de doses até dezembro.

Na quinta-feira (22), o diretor de BioManguinhos, Maurício Zuma, disse que a produção nacional da matéria-prima a partir do IFA importado terá um hiato de dois meses. Hoje, a Fiocruz depende da importação do insumo da China, que responde a uma grande demanda mundial.

“Não temos garantia de entrega nos meses de agosto e setembro. A produção do IFA nacional está apenas no começo, estamos ainda aprendendo como fazer essa produção e isso depende também da certificação da Anvisa”, afirmou.

A fundação diz que o contrato com a AstraZeneca encontra-se em negociação porque acordos deste tipo “envolvem questões de natureza comercial, técnica, de propriedade intelectual e de direito público e internacional, que normalmente são bastante complexas”.

“Estamos trabalhando para assinatura no menor prazo possível, mas ainda não temos uma previsão final.”

A Fiocruz não diz os valores específicos do contrato e afirma que estão em negociação. O valor fechado para a encomenda tecnológica, que permitiu o recebimento do IFA e a transferência de tecnologia custou R$ 1,3 bilhão.

Outro fator que interfere no cronograma é a liberação da planta industrial de BioManguinhos. Segundo a fundação, a Anvisa irá ao local nesta semana para a obtenção do certificado de Condições Técnico-Operacionais. Só a partir disso, ela estará autorizada a iniciar as operações com agentes biológicos na área.

A Anvisa respondeu que a data de inspeção na fábrica está programada para o período de 26 a 30 de abril para verificação das Condições Técnico Operacionais (CTO), mas que "não é possível antecipar resultados ou pendências de uma inspeção que ainda vai acontecer”.

Segundo a Fiocruz, também será preciso todo um processo de preparação para a produção inicial dos lotes de pré-validação da vacina. Após isso, serão produzidos lotes de validação e então lotes comerciais. Finalmente, será necessário dar entrada, na Anvisa, em documentação para alterar o local de fabricação do IFA.

Apesar disso, a Fiocruz afirmou que por ora a situação não provocou atraso na previsão de entrega das vacinas, “uma vez que mesmo durante as negociações as informações técnicas estão sendo repassadas em paralelo”.

A Folha revelou neste mês que a Fiocruz chegou a pedir ajuda à área internacional do governo Jair Bolsonaro (sem partido) para destravar a importação dos insumos necessários à produção dos primeiros lotes de imunizantes.

O IFA só chegou ao Brasil a partir de 6 de fevereiro, mais de dois meses após o governo chinês receber a documentação da Anvisa. As primeiras vacinas ficaram prontas um mês depois disso.

A AstraZeneca afirmou que a transferência da tecnologia necessária para que a Fiocruz e o instituto BioManguinhos façam o processamento final da vacina acabada foi objeto do termo de encomenda tecnológica firmado entre as empresas em 8 de setembro de 2020.

Já a negociação para assinatura do contrato para a transferência de tecnologia necessária para a produção do IFA, segundo o laboratório, “está em andamento e deve ser concluída em breve”.

“A AstraZeneca está trabalhando diariamente para viabilizar a transferência de tecnologia para produção do IFA o mais rápido possível. A AstraZeneca atua há mais de 20 anos no Brasil e segue com o compromisso contínuo de investir no país”, afirmou.

O Ministério da Saúde, que tem a parceria com a Fiocruz e a AstraZeneca para a transferência de tecnologia do imunizante no país, foi alvo de críticas no mês passado por ter revisto seis vezes o cronograma de entregas para os meses de março e abril.

Inicialmente, a conta passou de 47,3 milhões para 25,5 milhões. O ministro da saúde, Marcelo Queiroga, defende que a pasta tem asseguradas 30,5 milhões de doses para este mês, mas as duas produtoras, a Fiocruz e o Instituto Butantan, afirmam ter previsão para 29,2 milhões de doses, sendo 19,4 milhões são da Fiocruz.

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