Descrição de chapéu Coronavírus

Com lotes vencidos, Saúde reduz ritmo de entregas de testes contra Covid no SUS

Queda ocorre no momento em que testes em estoque perdem a validade; ao menos 1,7 milhão não poderão ser usados

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Brasília

O Ministério da Saúde reduziu a entrega de testes RT-PCR, tidos como padrão ouro para detectar o coronavírus, em abril e maio deste ano, momento em que praticamente todo o estoque de exames da pasta começa a perder a validade e ainda não há previsão de data para reposição.

Para comparação, em março, por exemplo, foram 2,5 milhões de testes de RT-PCR distribuídos. Já em abril, esse número passou a 1,6 milhão, queda que tem se mantido neste mês.

Até o dia 21 de maio, foram distribuídos 674,8 mil exames, menos do que foi entregue em intervalo semelhante nos meses mais recentes.

A redução na entrega de testes coincide com o fim da validade dos lotes comprados por meio da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) e fabricados pela coreana Seegene.

Sem esses exames, o governo federal depende do modelo fabricado pela Fiocruz, que até então correspondia a uma parcela menor das entregas, e já busca novos fornecedores.

Atualmente, o ministério reconhece que 1,7 milhão de testes RT-PCR da Seegene não serão usados.

A pasta cita que os lotes estavam sob avaliação do INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde), que faz análises de qualidade, mas não explica se o todo o produto foi retido por alguma falha ou pelo fim da validade. Dados do instituto mostram que ao menos oito lotes analisados foram reprovados.

Este volume já venceria até o começo de junho —do total, cerca de 1 milhão expirou na última semana. O ministério, agora, diz aguardar que a fabricante Seegene envie novos testes, sem custo adicional, para repor o estoque perdido.

Em depoimento na CPI da Covid-19 no Senado, o ex-ministro Eduardo Pazuello disse que nenhum teste da Covid-19 foi perdido. O atual ministro Marcelo Queiroga também negou, nesta sexta-feira (21), que haja perda de exames.

As posições contrastam com os dados do próprio ministério e também de alguns estados. De 15 secretarias de saúde que responderam à Folha, ao menos 4 dizem ter testes vencidos que não podem mais ser usados. Outros 5 têm kits próximos a vencer.

Em Tocantins, 28 mil exames perderam a validade em maio, volume que ficou guardado até que haja orientações da pasta federal.

A Secretaria de Saúde de Mato Grosso também espera orientações para definir o destino de 15 mil testes que expiraram no dia 13 de maio.

Já o governo de Santa Catarina afirmou guardar 4.500 kits de diagnóstico vencidos. O produto será usado em pesquisas e para treinar funcionários e estudantes. Outro estado que afirmou ter testes já vencidos foi o Maranhão.

Bahia, Rio de Janeiro, Acre, Rondônia e Goiás disseram ter testes próximos de vencer, mas afirmaram que tentarão usá-los até o prazo de validade.

Na tentativa de evitar a perda de testes, gestores de algumas regiões também disseram que têm evitado pedir mais exames ao ministério por causa do estoque concentrado em kits da Seegene.

Questionado sobre a previsão de uma orientação aos estados, o Ministério da Saúde não respondeu. Técnicos da pasta, porém, afirmaram que a definição inicial de medidas e reposição estava prevista apenas para estoques próprios.

Segundo o presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e secretário de saúde do Maranhão, Carlos Lula, a expectativa é que o tema seja tratado em reunião na próxima semana. Uma das alternativas previstas é incinerar os produtos. Lula afirmou que a redução na entrega de testes "tem impacto imediato na ponta".

Segundo dados preliminares do ministério, foram feitos 1,24 milhão de exames RT-PCR até 21 de maio ante 2 milhões em abril. O recorde de testes feitos no SUS foi registrado em março —2,42 milhões.

Para especialistas, a perda nos testes que estavam em estoque evidencia as falhas contínuas na estratégia de testagem no país.

"A utilização desses testes no enfrentamento de uma epidemia é fundamental para saber onde o risco está aumentando e o que seria necessário para contê-lo", disse Gulnar Azevedo, presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). "Mas perdemos essa oportunidade", afirmou ela sobre os testes vencidos.

Ela diz que, mesmo em momentos de redução de novos casos, não haveria motivos para queda na distribuição. "Isso expressa a falta de coordenação [na pandemia]", disse. "Não temos a real magnitude de quanto o vírus está circulando e por onde. Não adianta testar quando o fogo já está lá em cima."

A reportagem questionou oficialmente o Ministério da Saúde sobre a queda na distribuição de testes, mas não teve resposta. Em nota, a pasta afirmou apenas já ter distribuído 31 milhões de exames contra a Covid.

Desses, no entanto, apenas 19,9 milhões foram testes de RT-PCR, segundo plataformas da pasta. O restante é do modelo sorológico, conhecido como teste rápido, considerado inadequado para o diagnóstico da doença.

Dados do ministério mostram que o número de exames de RT-PCR entregues e feitos está abaixo do estabelecido nas metas do programa Diagnosticar para Cuidar, que previa 24,7 milhões de análises ainda em 2020. Novas metas para 2021 não foram estabelecidas.

Em meio a esse cenário, o ministério anunciou na sexta-feira (21) o terceiro programa de testagem durante a pandemia.

A novidade é o uso de exames de antígeno, considerados mais rápidos do que os testes de RT-PCR e muito mais precisos do que os sorológicos.

A previsão do ministério é ofertar entre 10,7 milhões a 26,6 milhões de exames de antígeno por mês, número que deve variar conforme o cenário da epidemia.

Na semana passada, o governo federal recebeu 3 milhões de testes de antígeno, comprados via Opas, mas ainda não definiu como será feita a distribuição aos estados —o que tem feito os produtos ficarem parados em estoque.

Além disso, representantes dos secretários municipais de saúde disseram que o número é baixo se considerada a estratégia prevista de testagem em massa. A Saúde afirmou que fará compra célere de 14 milhões de testes.

Gestores, porém, afirmaram ter feito pedidos desde outubro de 2020 ao ministério para distribuição desses testes, sem sucesso. O objetivo era garantir a distribuição para municípios usarem na atenção básica e vigilância.

Em nota, a pasta afirmou que conduz tratativas para novas compras de testes "que serão divulgadas assim que concluídas".​

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