Efeito colateral de vacinas contra Covid faz mulheres questionarem por que a pílula não é mais segura

Aparecimento de coágulos sanguíneos possivelmente ligados aos imunizantes de Janssen e AstraZeneca alarma cientistas

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The New York Times

No mês passado, quando a FDA (agência que regula medicamentos nos EUA) suspendeu a aplicação da vacina da Johnson & Johnson para avaliar os riscos de coágulos sanguíneos em mulheres com menos de 50 anos, muitos cientistas comentaram que os coágulos associados à pílula anticoncepcional eram muito mais comuns.

Na Europa, um número muito pequeno de coágulos associados ao imunizante da AstraZeneca foi registrado, mas as autoridades de saúde do continente recomendaram o uso da vacina e afirmaram que os casos são raríssimos e que os benefícios que ela traz são muito superiores aos riscos.

As comparações se destinam a tranquilizar as mulheres sobre a segurança das vacinas. Em vez disso, provocaram raiva em alguns setores –não tanto pela suspensão da vacina, mas pelo fato de a maioria dos contraceptivos disponíveis para mulheres serem centenas de vezes mais arriscados e não haver alternativas mais seguras à vista.

Os coágulos ligados à vacina eram de um tipo perigoso para o cérebro, enquanto as pílulas anticoncepcionais aumentam as chances de coágulos sanguíneos na perna ou nos pulmões –um ponto rapidamente levantado por muitos especialistas. Mas a distinção fez pouca diferença para algumas mulheres.

"Onde estava a preocupação de todos com coágulos sanguíneos quando começamos a dar pílulas para meninas de 14 anos?", escreveu uma mulher no Twitter.

Pílula
Cartela de anticoncepcionais - TanyaJoy - stock.adobe.com

Outra disse: "Se o anticoncepcional fosse feito para homens, teria sabor de bacon e seria gratuito".

Algumas mulheres ouviram, nas redes sociais e em outros lugares, que não deviam se queixar, porque tinham decidido tomar a pílula anticoncepcional sabendo dos riscos envolvidos.

"Isso simplesmente me fez reforçar a crítica", disse Mia Brett, especialista em história do direito que estuda raça e sexualidade. "Essa é uma reação muito comum aos cuidados de saúde das mulheres –quando apontamos alguma coisa, ela é desprezada."

A enxurrada de revolta online foi familiar para especialistas em saúde feminina.

"Elas têm razão de sentir raiva –a saúde das mulheres simplesmente não recebe a mesma atenção", disse Eve Feinberg, endocrinologista reprodutiva e especialista em infertilidade na Universidade Northwestern. "Há um enorme viés sexual em toda a medicina."

Feinberg e muitas mulheres nas redes sociais admitem que os anticoncepcionais deram a elas o controle da fertilidade e que os benefícios superam em muito as desvantagens. A autora Rebecca Fishbein, 31, começou a tuitar sobre a inadequação das pílulas anticoncepcionais quase imediatamente após o anúncio da suspensão da vacina.

Ainda assim, "o controle natal é uma invenção incrível, graças a Deus que ele existe", disse ela no mês passado. "Eu lutarei com qualquer pessoa que tente proibi-lo."

Os contraceptivos também melhoraram ao longo dos anos, com dispositivos intrauterinos e opções orais que oferecem uma dose ultrabaixa de estrogênio. "De modo geral, é incrivelmente seguro", disse Feinberg. "Tudo o que fazemos tem riscos."

Mas ela afirmou que é crucial que os provedores de saúde pública discutam os riscos com suas pacientes e as informem sobre sintomas mais preocupantes –uma conversa que muitas mulheres nunca tiveram, segundo depoimentos.

Kelly Tyrrell, profissional de comunicações em Madison, em Wisconsin, tinha 37 anos quando médicos descobriram coágulos de sangue potencialmente fatais em seus pulmões.

Tyrrell é uma atleta de resistência –rija, forte e sem tendência à ansiedade. No início de 2019, ela começou a sentir dor na panturrilha esquerda quando acordava. Depois de uma manhã especialmente ruim, uma consulta de emergência revelou que ela tinha no sangue altos níveis de dímero D, um fragmento de proteína que indica a presença de coágulos.

Ela tomava pílula anticoncepcional havia 25 anos, mas nenhum dos médicos fez conexão com os coágulos. Em vez disso, disseram que, por sua idade, preparo físico e falta de outros fatores de risco, era improvável que seus sintomas fossem de um coágulo sanguíneo. Eles a aconselharam a fazer alongamentos do músculo da perna.

Quando Tyrrell sentiu uma pressão no peito durante uma corrida no Havaí, depois do enterro de sua avó, os médicos disseram que a causa era provavelmente estresse e ansiedade. Em julho de 2019, ela terminou uma corrida de 100K em Colorado e supôs que a dor que sentia nos pulmões e os lábios roxos fossem consequência de correr durante 19 horas em grande altitude.

Mas ela percebeu que havia algo muito errado na manhã de 24 de outubro de 2019, quando sentiu falta de ar depois de subir uma pequena escada.

Dessa vez, após descartarem problemas cardíacos, os médicos fizeram tomografia de seus pulmões e descobriram diversos coágulos. Um deles tinha interrompido o fluxo sanguíneo para uma parte de seu pulmão direito.

"Eu imediatamente comecei a chorar", lembrou Tyrrell. Os médicos lhe receitaram um tratamento de afinadores do sangue e disseram para nunca mais tomar estrogênio. Tyrrell trocou as pílulas por um DIU de cobre. Com o tempo, acrescentou ela, o incidente se transformou em uma raiva aguda que foi renovada pela notícia da Johnson & Johnson.

"Parte da minha revolta foi porque o remédio que eu tomava para controlar minha fertilidade acabou ameaçando minha vida", disse ela. "Estou furiosa porque não fui melhor aconselhada sobre esse risco, ou mesmo sobre que cuidados devia tomar."

Emily Farris, 36, recebeu prescrição para anticoncepcionais orais aos 18 anos para ajudar contra a enxaqueca. Em todas as conversas que ela teve com seus muitos médicos ao longo dos anos, "nenhuma vez foram citados coágulos sanguíneos", disse ela.

No Twitter, algumas críticas indicaram que os implantes anticoncepcionais descrevem claramente os riscos de coágulo sanguíneo. "Minha resposta é um pouco incrédula sobre isso", disse Farris, cientista política na Universidade Cristã do Texas, em Fort Worth.

Os implantes da maioria dos medicamentos têm uma longa lista de possíveis efeitos colaterais, causando "grande dificuldade para as pessoas tentarem entender a pesquisa médica, o significado das probabilidades e estatísticas", disse ela.

Mesmo com educação em nível de doutorado, "não posso avaliar esses riscos", acrescentou. "Acho que a maioria das mulheres precisa de alguém para traduzir a linguagem jurídica das bulas em termos reais."

Para Tyrrell, essa elucidação veio tarde demais. Seus pulmões não foram mais os mesmos desde seu diagnóstico, mas ela não tem certeza se é por causa dos danos causados por um coágulo sanguíneo anterior, de novos coágulos com os quais ela deve se preocupar ou simplesmente de sua idade, disse ela, acrescentando: "Nunca mais parei de pensar nisso".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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