O Exército reservou recursos da vacinação contra a Covid-19 para compra de material a hospitais militares usados por integrantes da Força, para aquisição de azitromicina, ivermectina e cloroquina —remédios sem eficácia no combate ao novo coronavírus— e para gastos sigilosos.
O dinheiro garantido para essas despesas faz parte da verba destravada por MP (medida provisória) editada em dezembro, em caráter emergencial, para a compra de vacinas.
Segundo a justificativa da MP enviada ao Congresso, os recursos também podem ser usados em despesas com insumos, logística, comunicação e publicidade, desde que associadas à vacinação.
A MP assinada pelo presidente Jair Bolsonaro liberou R$ 20 bilhões ao Ministério da Saúde. A pasta gastou R$ 3,56 bilhões com a compra direta de vacinas do Instituto Butantan, Pfizer e Janssen.
Em janeiro, os Ministérios da Saúde e da Defesa firmaram uma parceria —chamada TED (termo de execução descentralizada)— para que as Forças Armadas recebam recursos da saúde e auxiliem no programa nacional de imunização contra a Covid-19. Os repasses contemplados somam R$ 95 milhões.
Segundo o Ministério da Saúde, esse dinheiro é proveniente da MP voltada à vacinação. Até agora, conforme a pasta, já foram liberados R$ 6,5 milhões para "despesa do pessoal envolvido diretamente no apoio à campanha de vacinação da população brasileira".
Dados disponíveis no Portal da Transparência, alimentados pelo governo federal até o último dia 22, mostram que os militares reservaram um valor maior, com a emissão de notas de empenho: R$ 16,9 milhões. O empenho é uma autorização de gastos, uma reserva no Orçamento, que antecede os pagamentos.
Em 22 de fevereiro, o Centro de Inteligência do Exército garantiu R$ 150 mil para gastos sigilosos, sem uma explicação na nota de empenho sobre o emprego a ser dado ao dinheiro.
Em nota, o Exército afirmou ter feito atividades de inteligência de reconhecimento de itinerários e levantamento de áreas de risco ao material e ao pessoal empregado na vacinação. Também houve levantamento de áreas para postos de vacinação e hospitais de campanha, segundo a Força.
Outras reservas de recursos se destinam a insumos para dois hospitais militares do Exército, cujos leitos são voltados a militares da ativa e da reserva e a seus dependentes.
Um deles é o Hospital de Guarnição de Florianópolis. Segundo uma nota de empenho emitida em 1º de abril, foram assegurados R$ 9.999,50 para a compra de avental hospitalar e para a aquisição de clorexidina, um antisséptico e bactericida.
Planilhas que passaram a ser publicadas pelo Exército após determinação do TCU (Tribunal de Contas da União) mostram que o hospital tem 15 leitos de enfermaria, sendo 10 para pacientes com Covid-19 e 5 para outros pacientes.
A ocupação dos leitos, na quinta-feira (29), era de 13%, segundo a planilha. É o mesmo índice de três semanas atrás.
O TCU investiga a reserva dessas unidades aos militares no momento mais crítico da pandemia, sem possibilidade de abertura de leitos a civis. Pelo menos R$ 2 bilhões do Orçamento da União se destinaram aos hospitais militares em 2020, conforme o tribunal.
Recursos destravados para a vacinação também foram reservados para a compra de material ao Hospital Geral de Belém, uma unidade militar de saúde ligada ao Comando Militar do Norte.
A base de administração e apoio do comando aparece como gestora de gastos para a compra de azitromicina, cloroquina, vitamina B, colagenase, loratadina, escopolamina, betametasona, bromoprida, algodão, gaze e cateter.
Os empenhos somam R$ 5.200 e, segundo as notas emitidas, parte desse material se destina ao Hospital de Belém.
Azitromicina e cloroquina integram a lista de drogas sem eficácia para Covid-19 com recomendação de uso, pelo Ministério da Saúde, no combate à doença. O comando planejou comprar, com o dinheiro destravado pela MP da vacina, pequenas quantidades de cloroquina (30 comprimidos) e de azitromicina (100 comprimidos).
A ocupação da UTI do Hospital Geral de Belém, na quinta, era de 33%. E dos leitos de enfermaria, de 43%.
No 17º Batalhão de Fronteira, que fica em Corumbá (MS), cidade vizinha à Bolívia, a compra planejada de azitromicina foi maior: 1.002 comprimidos. A mesma nota de empenho prevê a aquisição de 300 comprimidos de ivermectina, outro medicamento sem eficácia para Covid-19.
O batalhão também reservou dinheiro para a compra de dipirona e paracetamol. Ao todo, o gasto previsto é de R$ 4.200.
Questionado sobre os empenhos voltados a insumos para hospitais militares e a drogas sem eficácia para Covid-19, o Exército não respondeu.
Já a Comissão do Exército em Washington reservou, nos últimos dias 12 e 13, R$ 3,6 milhões para pagamento a duas empresas internacionais contratadas para manutenção e fornecimento de suprimentos a helicópteros.
O Comando Logístico também fez um empenho nesse sentido, destinado a uma empresa brasileira, no valor de R$ 2 milhões.
Pelo menos 15 batalhões, brigadas, regimentos e comandos do Exército reservaram recursos para a manutenção de veículos e aquisição de peças automotivas.
"É de conhecimento público que o Exército brasileiro tem apoiado a vacinação contra a Covid-19 em todos os rincões do país. Além de atuar diretamente na linha de frente da imunização, a Força tem realizado outras atividades de apoio à prevenção e ao combate à Covid-19", disse o Exército.
Os militares transportam equipes de vacinação e vacinas a locais de difícil acesso e fazem desinfecção de áreas públicas, segundo a Força. Nas diferentes atividades, foram percorridos 3,6 milhões de quilômetros e usadas 1,1 mil horas de voo, afirmou.
O dinheiro repassado serviu para aquisição de equipamento de proteção individual, insumos para desinfecção, gêneros alimentícios, combustível e lubrificantes para aviões e carros, conforme a nota enviada.
Os grupos indígenas em localidades de difícil acesso são os principais atendidos com o suporte à vacinação, segundo o Ministério da Defesa.
Além disso, secretarias municipais recebem apoio logístico militar, como ocorre em Manaus, São Luís, Teresina, Curitiba, Florianópolis e Rio, conforme nota da Defesa.
Na Aeronáutica, os gastos previstos com manutenção de aeronaves e compra de querosene, a partir da MP da vacina, somam R$ 3,5 milhões.
"Os recursos foram investidos em despesas como aquisição de querosene e manutenção de aeronaves justamente para o esforço de enfrentamento da pandemia", disse a Aeronáutica, em nota.
"A Força participa ainda de ações integradas, disponibilizando profissionais e unidades para campanhas de vacinação."
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