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Indicação de cloroquina para Covid segue vigente, apesar do que Queiroga disse à CPI

Ministro da Saúde afirmou ao Senado que não há protocolo, mas documento de maio de 2020 continua em páginas da pasta

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Diego Junqueira
Repórter Brasil

Apesar de o ministro da Saúde Marcelo Queiroga ter dito na CPI da Covid que não existe protocolo de cloroquina no SUS, a orientação do Ministério da Saúde para uso da medicação como “tratamento precoce” para Covid-19 continua válida.

O documento ainda está disponível no site do ministério e também na página de capacitação do SUS direcionada a médicos, enfermeiros e demais profissionais que atuam na rede pública.

A recomendação de uso de cloroquina no SUS foi publicada pela primeira vez em 20 de maio de 2020, cinco dias após o general Eduardo Pazuello assumir interinamente o comando da pasta.

A nota informativa, que prescreve cloroquina ou hidroxicloroquina, associada ao antibiótico azitromicina, para pacientes leves, moderados e graves de Covid-19, foi atualizada em junho para incluir a prescrição do medicamento para crianças e grávidas e novamente em julho, para inclusão de duas referências técnicas.

Nunca houve, contudo, comprovação científica de que esses remédios sejam eficazes contra a doença. Pelo contrário, há casos em que essas medicações causam efeitos colaterais graves. No Amazonas, a Polícia Civil e o Ministério Público investigam a morte de uma paciente após ter recebido cloroquina nebulizada.

Com o título “Orientações para Manuseio Medicamentoso Precoce de Pacientes com Diagnóstico da Covid-19”, a nota informativa, ainda disponível no site do ministério, afirma erroneamente que um artigo da Escola de Saúde Pública de Yale teria demonstrado a eficácia da hidroxicloroquina.

Porém, conforme apurarou a agência Lupa, o artigo não atestou a eficácia do tratamento, e a plataforma em que foi publicado alertava para o fato de ser uma análise preliminar.

O documento do Ministério da Saúde menciona ainda a recomendação do medicamento feita pelo Conselho Federal de Medicina como fundamento para defender as orientações.

Apesar de a nota ter sido atualizada diversas vezes, não foi modificada para refletir o fato de que, em outubro, a OMS descartou a eficácia desses medicamentos para tratamento da Covid.

O ex-ministro da Saúde Nelson Teich disse à CPI na quarta (5) que saiu do ministério por divergir da visão do governo federal de ampliar o uso da cloroquina no SUS. Até então, vigia orientação emitida em março, ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta, recomendando o medicamento apenas em casos graves e como terapia auxiliar, “a depender de novas evidências científicas”.

'Malabarismo verbal'

Em depoimento à CPI na quinta-feira (6), ao ser questionado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) sobre por que ainda não havia revogado "o protocolo que inclui a cloroquina no arsenal terapêutico contra a Covid", Queiroga respondeu: "Porque não há protocolo. O que há é uma orientação que foi feita em 2020, e nós vamos substituir pelo protocolo clínico, que é o que determina a lei".

O ministro Marcelo Queiroga (Saúde) em depoimento à CPI da Covid no Senado
O ministro Marcelo Queiroga (Saúde) em depoimento à CPI da Covid no Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado/AFP

Na avaliação do professor Fernando Aith, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário, ligado à Faculdade de Saúde Pública da USP, a afirmação não se sustenta. “Ele tem cara de protocolo, focinho de protocolo e cor de protocolo. O Queiroga passou a sessão fazendo malabarismo verbal."

Os protocolos do ministério, afirma Aith, são divulgados como manuais, notas informativas ou recomendações, que são documentos técnicos emitidos pelo órgão máximo do SUS. "Esses documentos valem como um protocolo, já que induzem a ação de médicos no âmbito do sistema público de saúde."

Queiroga disse ainda que uma das primeiras medidas de sua gestão, iniciada em março, foi determinar à Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) a elaboração de um protocolo de tratamento a ser implementado.

No entanto, para Aith, essa justificativa tampouco se sustenta, pois protocolos do ministério não costumam ser publicados por atos normativos ou aprovados pela Conitec.

A Repórter Brasil perguntou a Queiroga, por meio da assessoria de imprensa do Ministério da Saúde, se ele mentiu sobre o protocolo na CPI, mas não houve resposta. A pasta informou apenas que a nota saiu do ar para atualização e disse que “o documento está em fase final de elaboração e, em seguida, será enviado à Conitec para deliberação".

O ministério não comentou o fato de a nota ainda estar válida nem disse se irá revogá-la.

Na última quinta-feira, a revista piauí divulgou que o Ministério da Saúde apagou da página principal de seu site a nota. Segundo a reportagem, o documento foi apagado em 22 de abril, às vésperas da instalação da CPI da Pandemia.

Para Aith, não basta retirar o documento do ar, é necessário publicar uma nova orientação ou revogar a recomendação anterior, até que a Conitec decida sobre o protocolo. Sem isso, as orientações de uso de cloroquina continuam válidas.

O Conselho Nacional de Saúde, órgão que exerce o controle social do Ministério da Saúde, pede desde janeiro que a pasta revogue qualquer instrumento oficial que incentive o uso de medicamentos sem eficácia para Covid.

Fernando Pigatto, presidente do conselho, diz que o fato de o documento ainda estar disponível e continuar válido “é uma demonstração de que o ministério não está valorizando como deveria" as recomendações do órgão.

Além de constar no site antigo do Ministério da Saúde, o documento está disponível também na página do UNA-SUS (Sistema Universidade Aberta do SUS), que capacita profissionais para atuarem na rede pública de saúde.

O UNA-SUS é vinculado à Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, comandada pela médica Mayra Pinheiro, também conhecida como “capitã cloroquina”, por ser uma das mais ferrenhas defensoras do “tratamento precoce” dentro do ministério.

A médica Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, sentada à esquerda do então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello; ao lado dela há ainda um homem não identificado, os três sentados numa mesa com microfones e identificação de seus nomes, como numa entrevista coletiva ou conferência; os dois estão de máscara, mas ela está sem o acessório e sorri para a câmera
A médica Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, sentada à esquerda do então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello - Reprodução/Facebook
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