Litoral de SP, que chegou à beira do colapso, sofre com promessas de hospitais inacabados

Peruíbe e Bertioga esperam verba prometida pelo estado, que alega que pandemia impôs alterações no uso dos recursos

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Santos e Ribeirão Preto

A estrutura de três pavimentos ainda em concreto puro, cercada por madeiras escanteadas e coberta por mato alto é o atual retrato do hospital municipal de Peruíbe (a 135 km de São Paulo).

O canteiro de obras a céu aberto, contudo, não representa o único hospital inacabado no litoral paulista que, até o início de abril, viveu um lockdown pelo risco de colapso no sistema de saúde devido ao agravamento da Covid-19 na região. Bertioga, mais ao norte do litoral, tem cenário similar.

Em comum, o fato de que ambas cidades não receberam o aporte prometido pelo governo estadual para a conclusão das estruturas. A primeira parte do convênio assinado para as construções aconteceu ainda em 2014, com o valor de R$ 4 milhões cada. Desde então, não houve avanços e as obras sofreram com abandono.

“O maior sonho da população de Peruíbe é contar com um hospital na cidade. É considerado um projeto prioritário, mas o município não consegue fazer isso sozinho, precisa desse recurso”, disse à Folha o prefeito Luiz Maurício (PSDB).

Imagem mostra prédio inacabado, sem portas, janelas ou pinturas, com mato à frente
Hospital municipal de Peruíbe, no centro da cidade do litoral paulista, está abandonado - Klaus Richmond

Ele disse entender que a pandemia adiou projetos, mas que acredita e confia "tanto no estado, quanto no governador, que esse recurso será liberado em breve".

Durante a campanha eleitoral, em 2018, o governador João Doria (PSDB) gravou um vídeo afirmando que cumpriria “um compromisso com Bertioga”.

“Eleito governador, junto com o prefeito Caio Matheus [PSDB], vou concluir as obras e ações que a cidade e região tanto precisam. Vamos finalizar as obras de ampliação do hospital de Bertioga”, disse, à época, o político. O mesmo aconteceu com Peruíbe: “Vamos, sim, terminar as obras do hospital municipal”.

Desde então, as prefeituras encaminharam uma série de ofícios solicitando a liberação da verba para a conclusão da ampliação, mas jamais foram atendidas.

Após seguidos apelos pelo esquecimento das obras, em 19 de julho de 2019, depois de cinco anos de paralisação, o então secretário estadual de Saúde, José Henrique Germann Ferreira, em visita à Praia Grande, afirmou que o governo liberaria R$ 36,6 milhões em investimentos para retomar as obras, além de reformar o Hospital Guilherme Álvaro, em Santos.

Da verba, R$ 18,1 milhões seriam destinados a Peruíbe, enquanto Bertioga teria R$ 11,1 milhões, com previsão de conclusão em 15 meses. Os outros R$ 7,4 milhões seriam destinados à reforma e ampliação do hospital em Santos.

Caso cumprido, o tempo seria suficiente para que ambos os projetos já tivessem sido concluídos e pudessem oferecer, juntos, 120 leitos —58 em Peruíbe e 72 em Bertioga—, importantes num momento crítico de pandemia como o enfrentado no país.

​Atualmente, dos 14 leitos de enfermaria destinados à Covid-19, Peruíbe possuía neste domingo (2) duas pessoas internadas, além de 25 moradores em hospitais de outras cidades. Desde o início da pandemia, já são 152 óbitos na cidade.

Assim como a vizinha Mongaguá, a cidade de 69 mil habitantes não conta com leitos de UTI e encaminha pacientes em estado grave para outras localidades.

Recentemente, em Mongaguá, o pai do prefeito Márcio Melo Gomes (Republicanos) precisou ser internado no Hospital Regional Jorge Rossmann, em Itanhaém, enquanto o irmão foi para a Santa Casa de Misericórdia de Santos, em leito particular. Ambos morreram de Covid-19.

O hospital em Peruíbe conta com quase 4,5 mil m² de área construída. Em Bertioga, já há um hospital em funcionamento, construído em 2000, mas que necessita de ampliação devido ao fato de receber moradores de Guarujá e São Sebastião.

“Sucessivamente temos pedido junto ao governo estadual, em audiências públicas e seguidos ofícios. Dá uma angústia imensa porque também atendemos acidentados da Rio-Santos, da Mogi-Bertioga. Precisamos de ajuda”, afirma Luiz Carlos Rachid, secretário da Saúde de Bertioga.

Atualmente, o município soma 22 leitos de enfermaria e dez de UTI para Covid-19, com 40% de ocupação dos leitos de UTI. Até a última semana, foram 118 mortes na pandemia.

Questionada sobre o assunto, a Secretaria da Saúde de São Paulo informou que “a pandemia impôs a necessidade de utilizar recursos de forma racional, direcionando esforços e estruturas para assistência e reprogramando investimentos de maior porte”.

Por meio de nota, citou investir no fortalecimento do sistema de saúde do litoral, com verbas estaduais e, também, federais. “Dos recursos totais, provenientes de fontes estadual e federal, foram destinados R$ 120,6 milhões para São Vicente, R$ 21,6 milhões para Peruíbe e R$ 20,4 milhões para Bertioga.”

Sobre as obras no Hospital Guilherme Álvaro, explicou que estão em curso para melhorias no complexo hospitalar.

Imagem mostra profissional de saúde atendendo em hospital
Tratamento de paciente com Covid-19 no Hospital Estadual de Bauru - Divulgação

Os problemas enfrentados em hospitais não estão resumidos ao litoral e também não se limitam à estrutura física. Em Bauru, no interior paulista, o problema é outro: um hospital está pronto, mas não totalmente ocupado, o que tem causado atritos entre Doria e a prefeita Suéllen Rosim (Patriota).

Em abril, quando a prefeitura assinou convênio para abrir dez leitos de UTI no hospital de campanha no HC, políticos presentes afirmaram que há a necessidade de o local funcionar em definitivo na cidade.

“Depois que a pandemia melhorar, vamos seguir lutando para que o HC seja aberto em definitivo pelo governo estadual, para atender a mais especialidades, onde a fila de espera também é alta”, disse, no dia, Suéllen.

O hospital de campanha começou a funcionar no quarto e quinto andares, com 40 leitos clínicos. Agora, os 10 primeiros leitos de UTI no prédio estão no oitavo andar.

Em uma postagem em redes sociais, a prefeita voltou a tocar no assunto, ao dizer que o HC tem andares que podem receber mais leitos. “Enquanto o estado não cumpre o seu papel, adaptamos o nosso pronto-socorro para enfrentar a situação [...] O estado pode mudar essa situação, tem prometido desde o começo do ano e até agora nada. Bauru implora por leitos que foram prometidos.”

Segundo o governo do estado, o HC só existe graças aos investimentos estaduais e a Prefeitura de Bauru participou da ativação de leitos de UTI após determinação da Justiça.

“O hospital opera hoje com 40 leitos de enfermaria, com ocupação de 78%, e dez de UTI que estão ocupados no momento [sexta, 30]. Além deste serviço, o estado mantém em Bauru os hospitais Estadual e de Base, Maternidade Santa Isabel e Instituto Lauro de Souza Lima”, diz trecho de nota da Secretaria da Saúde.

Ainda segundo o estado, a prefeita não está fazendo sua parte com infraestrutura e tem histórico de atitudes negacionistas, tanto “que o município segue registrando aumento nas estatísticas”. Suéllen, por sua vez, tem afirmado não ser negacionista, e, sim, realista.

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