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Anticorpo de paciente com HIV consegue impedir infecção pelo vírus, diz estudo

Artigo publicado na revista Science descreve possível via para impedir a entrada do vírus no organismo

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São Paulo

Um artigo publicado nesta quinta-feira (24) na prestigiosa revista científica Science pelo imunologista americano Dennis Burton relata como um anticorpo isolado de um paciente infectado com o vírus do HIV, chamado VRC01, conseguiu impedir a infecção de algumas cepas virais do vírus.

Burton afirma que, embora o estudo não tenha demonstrado eficácia na vida real, a partir dessa pesquisa será possível definir qual é a dosagem necessária de anticorpos neutralizantes de amplo espectro para bloquear a entrada do vírus HIV no organismo.

Por décadas, médicos e a comunidade científica em todo o mundo se debruçaram sobre a busca por um tratamento preventivo contra o HIV, causador da Aids. Até hoje, as pesquisas de vacinas capazes de proteger o organismo do invasor não atingiram uma taxa de eficácia satisfatória, acima de 50%.

Grande parte das dificuldades enfrentadas era em razão da falta de conhecimento dos mecanismos pelos quais o sistema imune conseguiria impedir a entrada do vírus nas células e causar a infecção.

Recentemente, foram divulgados resultados do estudo chamado AMP, que avaliou o uso de anticorpos neutralizantes de amplo espectro (ou bnAb, na sila em inglês) em cerca de 3.000 homens considerados como grupo de maior risco de exposição ao HIV (população transexual e homossexuais) nos Estados Unidos, na África do Sul e na Europa.

O estudo falhou porque o número de infectados no grupo controle (que recebeu placebo) e tratado (que recebeu duas doses do tratamento por oito semanas) foi igual. Mas, apesar de não ter conseguido comprovar a eficácia do tratamento, o AMP trouxe marcos importantes para pesquisa de HIV.

Pela primeira vez no país uma vacina contra o HIV concebida e desenvolvida pela Faculdade de Medicina da USP começa a ser testada em macacos Rhesus da espécie mulatta na colônia do Instituto Butantan em São Paulo - Raquel Cunha - 05.nov.13/Folhapress

Se adaptada para as cepas virais circulantes, a descoberta representa uma fase inédita na pesquisa por diferentes tipos de proteção contra o HIV e pode desempenhar um papel importante na busca tanto por novos tratamentos profiláticos pré-exposição (conhecidos pela sigla PrEP e, hoje, formados por antivirais) quanto por vacinas.

À Folha Burton disse que, apesar de não ter conseguido prevenir efetivamente os casos de HIV na vida real, o estudo do AMP é um marco histórico porque pela primeira vez foi possível calcular qual a quantidade de anticorpos necessária para proteger a transmissão.

Em sua análise, o imunologista mostra que com taxas de anticorpos mais baixas a capacidade do fármaco de impedir a infecção é de 50%. Já em dosagens mais altas, essa proteção pode chegar a 90%.

De acordo com o pesquisador, dosagens mais altas podem ser necessárias para prevenir a infecção em indivíduos na vida real se comparado às culturas celulares em laboratório, onde as condições de estudo são “ideais”.

A partir dessa descoberta, coquetéis com anticorpos podem ser testados para uso profilático em pacientes não infectados com o HIV.

“Idealmente, o nosso sistema imune produz anticorpos mais potentes do que aqueles aplicados no estudo AMP, mas para as pessoas sem infecção ao vírus pode ser usado um coquetel combinando os anticorpos neutralizantes de amplo espectro e outros tipos de anticorpos que protegem contra cepas virais diferentes”, afirma.

Esper Kallás, infectologista, professor da Faculdade de Medicina da USP e colunista da Folha, explica que em geral os anticorpos têm um tempo de vida médio de três semanas no nosso organismo. “Comparados com os tratamentos profiláticos já implementados, como a PrEP, que é preciso tomar diariamente, o uso de anticorpos neutralizantes com certeza é um passo importante porque ele estabelece um limiar de proteção a partir do qual novos produtos podem ser desenvolvidos e estudados”, diz.

Aliado à bioengenharia, esses anticorpos podem ainda ser adaptados para permanecer circulando no sangue por cinco semanas, nove semanas ou até mesmo um ano, em vez de três semanas, diz Kallás.

Embora o conhecimento de como essas proteínas podem impedir a replicação viral já seja bem estabelecido —o primeiro anticorpo capaz de neutralizar o vírus HIV foi descrito justamente por Burton e colegas em um artigo na Science em 2001—, por anos os cientistas apostaram na chamada “tentativa e erro”. “A economia de tempo e dinheiro nos estudos a partir de agora vai ser gigantesca, pois já temos um correlato [tipo] de proteção para buscar”, diz.

O avanço nas pesquisas de profilaxia anti-HIV se deu de maneira acelerada na última década, quando vários estudos surgiram para avaliar a proteção conferida por antirretrovirais e demais fármacos em impedir a proliferação do vírus. Mas mesmo o uso desses medicamentos profiláticos não é garantia de eficácia 100% contra a infecção.

“Isso depende também da data em que a pessoa se infectou, porque o anticorpo vai perder a ação com o tempo, e é possível que essa seja um das razões de o estudo AMP com as populações de risco não ter eficácia. Outra dificuldade também com o HIV é identificar o momento zero de infecção, e para o tratamento com anticorpos ainda é preciso desenvolver técnicas mais aprimoradas para produção de anticorpos de longa duração que sejam mais efetivos”, ressalta Simone Gonçalves da Fonseca, professora de imunologia no Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás.

Um potencial empecilho no tratamento com anticorpos, segundo ela, seria o custo elevado, o que talvez restrinja o uso em centros de pesquisa e hospitais em um primeiro momento. “Já os tratamentos com coquetéis antivirais e PrEP são ofertados no país via SUS e se mostraram eficazes nos últimos anos em reduzir a incidência da Aids em toda a população brasileira”, diz.

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