Conheça o segredo de Fernão, única cidade de São Paulo sem morte por Covid

Município de menos de 2.000 habitantes aposta em medidas como monitoramento de casos e carro de som

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Ribeirão Preto

Ela é uma das dez cidades menos populosas de São Paulo, com baixa urbanização e ruas vazias. Como outras do tipo, não tem hospital, e seus pacientes, quando necessário, precisam ser levados de ambulância para municípios vizinhos.

Fernão, com 1.727 habitantes, única localidade entre as 645 do estado que não registrou morte até esta quinta-feira (24) em decorrência da Covid-19, aposta na atenção primária à saúde e na proximidade com os moradores para combater a pandemia que já matou mais de 500 mil brasileiros.

Visitas de agentes comunitários e utilização de carro de som para orientar a população, monitoramento dos casos e busca ativa das pessoas próximas aos contaminados são algumas das medidas colocadas em prática na cidade da região administrativa de Marília.

Pacata, a cidade praticamente não tem movimentação em suas ruas, avenidas e praças, que estavam vazias nesta quinta. Em frente à igreja, uma faixa pedia para as pessoas utilizarem máscaras ao sair às ruas. Mas elas, as pessoas, são poucas.

Pudera: seu grau de urbanização é de apenas 61,2%, muito inferior aos 96,5% de média do estado, segundo dados da fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados). São 16,4 habitantes por quilômetro quadrado, menos de 10% dos 179,8 habitantes da densidade demográfica média paulista.

Apesar disso, desde o início da pandemia, 207 moradores, ou 11,98% da população, foram diagnosticados com a Covid-19 e há dois pacientes internados em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em cidade vizinha, já que Fernão não tem nenhum leito do tipo.

Imagem mostra uma rua vazia, sem carros, com apenas um homem caminhando nela; no canteiro central, há coqueiros e, bem ao fundo da imagem, uma produção agrícola
Morador caminha por rua de Fernão, única cidade paulista que não registrou morte por Covid-19 - Rubens Cardia/Folhapress

“Fazendo a busca ativa dos contactantes a gente consegue ter diagnóstico mais rápido e colocar as pessoas em quarentena para não disseminar o vírus”, disse a secretária da Saúde de Fernão, Adriana Pettenuci da Fonseca Santos.

Na última semana, um aumento repentino de casos gerou preocupação: foram quatro positivados numa igreja. “Para a gente, que tem população pequena, é bastante”, disse.

Na única unidade de saúde da cidade, que funciona das 7h às 17h e tem em sua entrada um cartaz alertando que é crime sair de casa se estiver com a Covid-19, uma agente faz o acompanhamento das fichas dos moradores, para telefonar para eles informando sobre a vacinação contra a doença, enquanto outra cuida do acompanhamento pós-Covid-19.

Ela liga para as pessoas para saber se há sintomas ou possíveis sequelas e indicar o especialista ideal para o caso de necessidades, como nutricionista ou fisioterapeuta.

Como a unidade fecha cedo e não há recursos para ampliação do horário, tampouco para a instalação de um leito de UTI, uma ambulância fica de plantão no local para atendimentos fora do horário.

“O munícipe toca a campainha do posto e o guarda aciona o pessoal da saúde, que faz o encaminhamento”, disse o motorista Valdecides de Oliveira, 49.

A primeira alternativa é levar o paciente para ser atendido em Gália, de 6.482 moradores, que fica distante apenas nove quilômetros. Jácasos de média e alta complexidade têm como destino o HC (Hospital das Clínicas) de Marília.

É em Gália também onde normalmente são realizados os enterros de moradores de Fernão, já que a cidade não tem cemitério.

No último dia 18, foi publicado um novo decreto do prefeito José Valentim Fodra (DEM), que inclui toque de recolher a partir das 20h, o veto ao consumo de bebidas alcoólicas em espaços públicos 24 horas por dia e novas medidas para o comércio, que abriga 15,8% dos empregos formais da cidade, atrás da administração pública (50,8%) e da agricultura (25,5%) —onde se destacam laranja, café e mandioca.

Agente de endemias, Vanessa Martins levou nesta quinta as alterações na legislação a um supermercado local e foi recebida por João Vieira, 27, irmão da proprietária.

“Essas ações são necessárias, essenciais, para que todo mundo possa relembrar, não esquecer, que ainda estamos na pandemia. Vejo que o atendimento é para pessoas, vidas, não são só números”, disse Vieira.

A secretária da Saúde defende a adoção de medidas regionais como forma de combate. Foi o que ocorreu na última semana. “Um município pequeno tomar medidas mais rígidas sozinho não reflete muito. De forma coletiva a chance de sucesso é maior.”

Embora a contagem oficial de casos do governo paulista ainda indique que São João do Pau d’Alho também não tem óbitos em decorrência da doença, a cidade já contabiliza em seus boletins uma morte ligada à Covid-19.

Entre os motivos para que essa discrepância ocorra está um possível atraso entre o registro dos casos nos municípios e o envio para inclusão nas estatísticas do governo estadual. Segundo o estado, a cidade computa 149 casos, mas as estatísticas municipais já registram 181.

A penúltima cidade a figurar na lista das que não tinham morte confirmada por Covid-19 foi Sagres, na região de Presidente Prudente, após o óbito de um homem de 53 anos, sem comorbidades, no último dia 16.

Assim como Fernão, o trabalho desenvolvido na cidade visa a aproximação dos profissionais de saúde com a população, para que a abordagem seja mais eficaz.

“Cada setor já conhece seu idoso, a pessoa que tem comorbidade, quem está acamado. Isso ajuda muito. Além disso, a fiscalização tem funcionado”, afirmou a secretária da Saúde, Cícera Sueli de Oliveira Del Compare.

A cidade acumula 231 casos da doença e não tem nenhum paciente hospitalizado. Os 12 casos registrados na última semana, porém, acenderam sinal de alerta na cidade, que tem apenas uma unidade básica de saúde —e que funciona apenas durante o dia. A alta é atribuída à movimentação registrada no Dia das Mães.

“Depois, fizemos barreiras para que as pessoas não venham passear, não é momento para isso, e houve respeito. As pessoas têm percebido, de uns dois meses para cá, que é de fato muito séria a doença e que é preciso esperar.”

Com esse mesmo pensamento, Renato de Amorim Steimmann, 47, foi à unidade de saúde de Fernão nesta quinta-feira para ser vacinado.

“Muito feliz por ter recebido a vacina porque convivo com meus pais, que são idosos. Fico com receio de contaminá-los. Agora já tira um pouco o medo, mas é importante continuar com os cuidados”, disse.

Colaborou RUBENS CARDIA

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