No dia 15 de junho, um boletim sobre as variantes em circulação no estado de São Paulo divulgado pelo tradicional instituto de pesquisa paulista Adolfo Lutz apontava que a variante do coronavírus identificada no interior de SP, chamada de P.4, estava presente em todo o estado desde janeiro.
Ainda de acordo com o relatório divulgado, a variante mais frequente em SP era gama, também chamada de P.1 (67% das amostras), seguida da P.4 (19%), depois vinha a zeta, ou P.2 (6%), a alfa, também chamada de B.1.1.7 (4%), a linhagem ancestral B.1.1.28 (2%) e P.1.2 (1%). O 1% restante inclui demais linhagens de menor relevância.
Os dados utilizados, no entanto, continham amostras classificadas como P.4 no sistema Gisaid que eram, na verdade, gama (P.1).
O instituto fez a correção do relatório no dia 18 de junho e, agora, as principais variantes em circulação no estado são: gama ou P.1 (83%), zeta ou P.2 (5%), P.4 (4%), alfa ou B.1.1.7 (4%), B.1.1.28 (2%) e P.1.2 (1%).
Recentemente, a OMS mudou a nomenclatura das variantes de preocupação e de interesse do Sars-CoV-2, usando letras do alfabeto grego. Os nomes antigos atribuídos às linhagens estão entre parênteses neste texto.
A análise do Lutz foi feita a partir de amostras sequenciadas no próprio instituto e com registros obtidos do banco de dados Gisaid, principal repositório de sequências do Sars-CoV-2 no mundo e que, junto ao órgão Pango Lineages, é responsável por avaliar aspectos dos diferentes genomas do vírus e classificar novas cepas como linhagens.
Um outro levantamento, divulgado na última semana pelo Instituto Butantan, aponta ainda que a gama corresponde, na realidade, por quase 90% das amostras sequenciadas no estado, como havia sido reportado no final de abril também pelo Lutz.
A variante P.4, identificada no interior de São Paulo por pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e da Rede Corona-Ômica-BR, foi descoberta a partir de amostras do vírus da região de Porto Ferreira e, embora esteja crescendo em frequência em algumas partes do estado, ainda é restrita aos municípios ao noroeste, próximos à divisa com Minas Gerais.
Ainda não é possível afirmar se ela é mais transmissível ou mais perigosa do ponto de vista de saúde pública, e ela não é uma VOC (sigla utilizada para descrever formas do vírus com mutações que são de maior preocupação).
Segundo o diretor do Centro de Respostas Rápidas do Lutz, Adriano Abbud, como os dados do Gisaid já vêm tratados, a classificação do órgão foi considerada para o boletim genômico do instituto paulista, sem a possibilidade de fazer uma análise própria.
“Nós aqui no Lutz analisamos as nossas sequências e confirmamos a constatação da P.4 desde janeiro em algumas DRS [Departamentos Regionais de Saúde] de SP, mas levamos em consideração também a fotografia do momento no banco oficial [Gisaid], e a fotografia naquela data [15 de junho, dia de divulgação do primeiro boletim] era essa”, afirma.
Porém, como são depositadas diariamente inúmeras amostras no Gisaid, que já conta com mais de 2 milhões de sequências do vírus em todo o mundo, o processamento desses novos registros pode demorar até um mês para ser atualizado, e é comum encontrar informações ainda não verificadas na plataforma e que depois são corrigidas.
Por isso, os virologistas usam essas amostras apenas como uma referência, mas realizam as análises filogenéticas com as próprias sequências, sejam elas obtidas pelos institutos e universidades de pesquisa que monitoram as formas do vírus, ou pelas redes de monitoramento com apoio do governo, como é o caso da rede Corona-Ômica, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
A análise filogenética é a ferramenta utilizada pelos cientistas que estudam a evolução do vírus que permite identificar e compreender a origem e as relações de parentesco entre as diferentes linhagens. Cada amostra do vírus coletada de uma única pessoa, representando um genoma ou sequência genética única, corresponde a um galho em uma imensa árvore. Os galhos são agrupados em ramos maiores (as linhagens), como por exemplo a alfa (B.1.1.7), a gama (P.1), a zeta (P.2), e por aí vai. O “tronco” da árvore representa a linhagem ancestral a partir da qual todos os outros ramos se originaram.
O problema é que quando algumas dessas sequências são classificadas erradas, ou seja, uma sequência atribuída à P.4 é, na verdade, gama (P.1), essa amostra cria ruído na análise, uma vez que alguns galhos “dissidentes” não vão se agrupar ao ramo ao qual pertencem. Esse foi o motivo da confusão do boletim do Lutz.
“Todos os virologistas que trabalham com vírus sabem que existem muitos erros de classificação no Gisaid, e que é preciso sempre checar com uma análise própria. A linhagem da P.4 é um clado perfeito. Qualquer sequência que foge daquilo não é P.4, é uma outra cepa”, explica o pesquisador da Unesp e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, João Pessoa Araújo Júnior.
Na versão inicial do boletim paulista, algumas regiões de saúde, como a Baixada Santista e Campinas, apresentavam a P.4 em mais de um terço das amostras (36,96% e 35,29%, respectivamente), mas essa taxa não se confirmou. Outra região que chamava a atenção era de São José do Rio Preto, com 29,75% das amostras do vírus como P.4, mas Araújo afirma que até agora não foi verificada essa variante na região.
“A coordenação da rede que encontrou a P.4 é de pesquisadoras da Unesp de S. José do Rio Preto, e nós estamos monitorando de perto lá [a P.4] e ainda não encontramos. Por isso, é fundamental fazer uma dupla checagem nas amostras, evitando assim esses erros de comunicação”, diz.
Quem trabalha com monitoramento de vírus sabe que é fundamental que esse tipo de comunicação não tenha erros, uma vez que as decisões a nível municipal e de vigilância epidemiológica na região levam em consideração as variantes em circulação. "A população não precisa de mais medo, precisa de informações seguras", diz.
O boletim das variantes publicado pelo Lutz foi atualizado no dia 18 de junho. Nesta segunda-feira (28), a Secretaria de Estado de Saúde divulgou uma nota com a atualização da informação.
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