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Médico é exonerado da USP por ter atendido pacientes de Covid-19 em Rondônia e acumulado cargos

USP diz que clínico geral tocava pesquisa no Instituto de Química; professor reclama da falta de agilidade diante de seu pedido

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São Paulo

Um médico e químico português foi desligado do cargo de professor do Insituto de Química da USP após ter aceitado um trabalho temporário na Secretaria de Estado de Saúde de Rondônia em janeiro deste ano. Ele enfrenta um processo administrativo na universidade pela mesma razão.

Luis Moreira Gonçalves, 36, atuou em caráter emergencial em uma unidade de saúde montada para tratamento de Covid-19 no estado da região Norte e enfrenta processo administrativo por ter acumulado cargos públicos. Após a abertura do processo, Gonçalves acabou pedindo sua exoneração.

Em seu currículo, estão a licenciatura e doutorado em química (ambos pela Universidade do Porto) e a licenciatura em ciências básicas da medicina, seguida de mestrado em medicina (ambos pela Universidade do Minho).

O médico e químico Luís Gonçalves
O médico e químico português Luís Gonçalves - Reprodução

O professor reclama da falta de agilidade e da burocracia na USP diante de seu pedido para atuar como médico em Porto Velho, capital do estado, decisão que, para ele, era de urgência. Sua atuação em Rondônia aconteceu em um dos momentos mais críticos da pandemia no país.

A reitoria da USP, por sua vez, diz que o acúmulo de cargos era ilegal e que o professor entregou seu pedido para que a universidade autorizasse a viagem apenas dois dias antes de ele ser efetivado na equipe médica em Rondônia.

Gonçalves participou de um processo seletivo aberto pelo governo de Rondônia para compor equipes médicas de emergência e foi chamado em um momento em que faltava mão de obra médica nas unidades de saúde de Porto Velho.

Antes de sua exoneração, exerceu a função de clínico geral no Hospital de Campanha da Zona Leste, em Porto Velho, com carga horária semanal de 40 horas e remuneração inicial de cerca de R$ 9 mil. Pela USP, ele recebia o salário de cerca de R$ 11 mil e acabou sendo remunerado pelas duas instituições entre os dias 1º de fevereiro e 10 de abril, quando deixou a universidade.

Em um email datado do dia 11 de fevereiro, porém, ele questionou se a USP não poderia dar a ele uma licença não remunerada. O email, segundo ele, não foi respondido.

O médico justifica sua escolha pela urgência demandada com o número de mortes e a falta de médicos na região. "Não fazia sentido, durante uma pandemia, eu ficar no meu sofá, até porque a universidade estava praticamente fechada. Em janeiro não havia aulas. Então, se eu tinha capacidade técnica para ir ajudar, não ajudar não fazia sentido", diz Gonçalves.

Junto ao pedido de autorização para o trabalho temporário, o professor apresentou um documento emitido pelo governo de Rondônia.

"Diante do atual estado de calamidade pública, venho por meio deste documento solicitar que o autorizem [autorizem Gonçalves] para prosseguir o seu desempenho como profissional médico, mediante a grande responsabilidade e excelência do trabalho desenvolvido."

Gonçalves diz que entendeu que aquela era uma situação urgente. "Quando fui para lá, em fevereiro, o número de médicos era extremamente reduzido. Ou seja, não fui substituir ninguém. Havia claramente falta de médicos. Hoje a situação está melhor. Quando saí de lá, em abril, já havia corpo médico suficiente", completa ele, que hoje está atuando como clínico geral em um hospital do Recife.

Segundo relato do médico, todos os dias havia óbitos na unidade. "Houve dias que, em 12 horas, houve seis, sete mortes. Recebíamos pacientes do estado todo, não apenas da cidade de Porto Velho. [Vinham] da fronteira com a Bolívia, de várias cidades."

A diretoria do Instituto de Química diz que recebeu a solicitação de afastamento do professor Gonçalves em 28 de janeiro, dois dias úteis antes de sua posse como médico em Rondônia.

"Sabedora de seus propósitos humanitários, a diretoria envidou todos os esforços para que sua solicitação fosse deliberada no menor tempo possível", diz a reitoria da universidade.

"Entretanto, a documentação apresentada, de boa fé, pelo referido professor, informava que ele estaria em vias de acumular ilicitamente função pública no âmbito do governo do estado de Rondônia (não há tese jurídica ou precedente que teriam flexibilizado, durante a pandemia da Covid-19, as exigências constitucionais de acumulação de cargos)."

Segundo a instituição, a ausência de Gonçalves também "violaria o regime de dedicação integral à docência e à pesquisa (RDIDP) da universidade para o qual foi contratado".

"Um detalhe particularmente sórdido disso tudo", diz Gonçalves, "é que um dos advogados que contratei disse que, com meu pedido de exoneração, eu poderia pedir para que parassem o processo administrativo." A solicitação para interrupção do processo foi feita por meio de advogados.

A universidade, porém, prosseguiu com o procedimento, ele diz. O professor teme que o processo crie impedimento a que ele atue como pesquisador no país ou que preste concurso público por um longo período, inclusive para médico em hospital público.

A reitoria da USP diz, porém, que "o processo perdeu seu objeto com o pedido de exoneração". No documento de abertura do processo, datado de 17 de março, está fixado um prazo de 60 dias para sua conclusão.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior do texto afirmava que o médico Luis Moreira Gonçalves deixou o trabalho temporário em 10 de abril. O correto é que deixou a universidade nessa data. O texto foi corrigido.

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