Descrição de chapéu alimentação

Pesquisa usa ímãs para fechar a boca e perder peso, e autores sofrem enxurrada de críticas

Cientistas classificam dispositivo como instrumento de tortura e pedem conduta mais ética da instituição

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São Paulo

O desenvolvimento de um dispositivo que usa ímãs presos aos dentes para limitar a abertura da boca e, assim, levar à perda de peso gerou uma enxurrada de críticas à Universidade de Otago, localizada em Dunedin, no Sul da Nova Zelândia.

Criado e testado por pesquisadores da instituição, o DentalSlim Diet Control, como o aparelho é chamado, leva ímãs implantados nas partes traseiras superior e inferior da mandíbula que limitam a abertura da boca a apenas 2 milímetros (1/5 de 1 centímetro) e acabam forçando uma dieta exclusivamente líquida.

Em um artigo publicado em 25 de junho na revista científica The British Dental Journal, os pesquisadores relatam que o estudo foi realizado com apenas sete mulheres que receberam o aparato. Em duas semanas, as participantes perderam, em média, 6,39 kg cada uma.

Dispositivo criado pela Universidade de Otago, da Nova Zelândia, que usa ímãs para limitar a abertura da boca e perder peso
Dispositivo criado pela Universidade de Otago, da Nova Zelândia, que usa ímãs para limitar a abertura da boca e perder peso - Divulgação/Universidade de Otago

Os resultados do estudo, porém, apontam para consequências desagradáveis. O artigo diz que as participantes tiveram dificuldades para pronunciar algumas palavras devido à limitação da abertura da boca e ocasionalmente sentiam-se constrangidas. Houve desconforto e a vida em geral se tornou menos satisfatória, relataram as participantes.

Uma das mulheres no estudo admitiu ter trapaceado e derreteu chocolate para beber o doce, além de ter tomado refrigerantes. "Isso não surpreende, uma vez que estudos têm mostrado que pacientes obesos normalmente possuem uma personalidade com tendência a vícios e impulsiva por comidas doces, e sofrem de distúrbios alimentares", escrevem os cientistas no artigo.

Para o médico Ricardo Cohen, coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o artigo colabora para a estigmatização da obesidade ao se basear em uma abordagem incorreta sobre o tema. "A obesidade surge como consequência da biologia, não é um desvio de personalidade. Não se trata de uma doença psiquiátrica", afirma.

"A obesidade não é o que entra pela boca. Entre 70% e 80% das causas do problema estão ligadas a questões genéticas", diz Cohen. "Fechar a boca e mandar fazer mais exercícios é uma falácia."

"Por causa da modificação da secreção de alguns hormônios intestinais, algumas pessoas têm preferência por alimentos mais doces, mas é uma consequência da biologia, não é um erro de comportamento", explica. "As abordagens contra a obesidade que têm os melhores resultados são fisiológicas."

Segundo o especialista, o estudo não deveria ter sido aprovado pela comissão de ética de pesquisa da instituição e não apresenta valor científico para aquisição do conhecimento sobre a obesidade. Ele aponta ainda que a pesquisa carece de resultados mais robustos, já que foi realizada com um número muito pequeno de participantes.

Cientistas de áreas como medicina, odontologia e psicologia têm classificado o dispositivo neozelandês como um instrumento de tortura e criticado publicamente a pesquisa e a conduta da universidade.

Para a antropóloga Beatriz Klimeck, doutoranda em saúde pública na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), o dispositivo pode ser visto como um sintoma de uma sociedade que acredita que vale tudo pela magreza.

“Não é algo novo; há muito tempo existem técnicas menos tecnológicas do que essa para amarrar a boca das pessoas e evitar a alimentação”, diz a pesquisadora.

Klimeck diz que as abordagens para tratar a perda de peso precisam ser revistas. “O que eu percebo é que em todas as abordagens terapêuticas há algum grau de desumanização —mesmo na cirurgia bariátrica, que envolve a mutilação de um órgão saudável para a perda de peso”, afirma.

A pesquisadora afirma que o combate à obesidade tem um fator estético muito grande, que leva a números altos de distúrbios alimentares como a anorexia. “E as mulheres são as que mais sofrem com isso e se submetem a esses procedimentos para tentar chegar a uma forma física que é considerada o contrário de uma pessoa gorda”, diz.

Nas redes sociais, a Universidade de Otago, que tem apenas 20 mil seguidores no Twitter, viu uma enxurrada de críticas à pesquisa.

"Para esclarecer, a intenção do dispositivo não é ser uma ferramenta para perda de peso rápido ou de longo termo; em vez disso, ele é voltado para a assistência de pessoas que precisam passar por alguma cirurgia mas não podem fazer o procedimento até perderem peso", disse a instituição em uma publicação nas redes sociais.

"Após duas ou três semanas, os ímãs podem ser removidos e [os pacientes] podem ir para um período de dieta menos restritiva. Isso permitiria uma abordagem faseada para a perda de peso, com o auxílio de um dentista", escreveu a universidade.

Apesar da justificativa, a Universidade de Otago afirma em um comunicado publicado na segunda (28) que o dispositivo pode ajudar a combater a epidemia global de obesidade.

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