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Touca que evita queda de cabelos durante quimioterapia chega a três hospitais do SUS

Tecnologia é difundida na rede privada, mas para as unidades públicas é entregue por doação

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São Paulo

Em 2011, a Folha intitulava reportagem com “Touca gelada pode evitar perda dos fios durante a quimioterapia”. Dez anos depois, o tratamento com a touca inglesa, chamado de crioterapia, é difundido pelo mundo, realidade em parte das clínicas privadas brasileiras e chega também a três hospitais vinculados ao SUS –embora ainda só por doações.

Um dessas doações foi feita através da apresentadora de TV no Rio Grande do Sul Cristina Ranzolin, 54. Ela recebeu o diagnóstico do câncer de mama em novembro do ano passado, fez o tratamento em um hospital particular e manteve os fios com o uso da técnica.

"Não perdi absolutamente nada de cabelo. Como eu trabalho na televisão, precisava todo dia passar chapinha, babyliss, e, mesmo assim, eles não caíram", conta ela, que fez 18 sessões de quimioterapia, uma cirurgia e agora passa pela radioterapia e pela imunoterapia. Para cada sessão da crioterapia, gastou R$ 200, totalizando R$ 3.600.

Ao expor o seu caso nas redes sociais, recebeu uma enxurrada de perguntas. "Não achei caro porque eu até esquecia que estava com a doença. Mas vi como era difícil para as mulheres mais humildes, a preocupação delas com a perda de cabelo. Isso me comoveu", diz.

A jornalista então pediu à empresa que vende as máquinas no Brasil uma doação para a Santa Casa de Porto Alegre —o equipamento está sendo trazido da Inglaterra e será o primeiro na rede pública do estado, que tem a maior incidência de câncer de mama do país.

A crioterapia funciona assim: a touca inglesa, conectada a uma unidade de refrigeração, é colocada na cabeça do paciente 30 minutos antes da quimioterapia e é mantida em torno de uma hora e meia após a infusão das drogas.

O sistema resfria o couro cabeludo a uma temperatura em torno de 20°C (positivo). Isso diminui o fluxo sanguíneo nos folículos capilares e reduz a absorção dos medicamentos na região, evitando a queda de cabelo.

A touca não congela a cabeça e a sensação de frio é tolerada por 98% dos pacientes. O uso é indicado para todos os tipos de tumores sólidos. Só há contra indicação para os cânceres hematológicos (sanguíneos) ou para quem tem alergia ao frio.

No Brasil, a máquina custa em torno de R$ 250 mil, só é vendida para hospitais, e é autorizada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

A eficácia do tratamento depende do tipo de quimioterapia e a taxa de sucesso é medida pela não necessidade de usar lenço ou perucas para esconder a queda de cabelos: 50% para as químios com remédios mais fortes e até 92% para as menos agressivas.

A tecnologia foi desenvolvida e lançada em 1997 na Inglaterra —daí o nome touca inglesa— e hoje é usada em 64 países. No Brasil, chegou em 2013, nos hospitais privados, que já realizaram mais de 200 mil sessões da crioterapia em 14 estados e no Distrito Federal.

No SUS, no entanto, só outros dois hospitais receberam o equipamento: o Hospital do Câncer 3 do Inca (Instituto Nacional do Câncer), no Rio de Janeiro, em outubro de 2020, e a Santa Casa de Misericórdia de Vitória, no Espírito Santo, no início deste ano.

No caso do primeiro, foi uma doação da empresa Paxman, que a cada 50 máquinas vendidas doa 1 ao SUS. Já no segundo, médicos e empresários capixabas fizeram uma campanha chamada "Juntos pela Mama" e arrecadaram o valor suficiente para comprar o equipamento.

A pergunta que a mastologista Danielle Chambo, da Santa Casa de Vitória, mais ouvia quando dava o diagnóstico de câncer era "eu vou ficar careca?".

"Quando a gente lançou a campanha, a touca parecia algo fútil diante de tantas outras necessidades, mas o lado emocional, psicológico, faz toda diferença na efetividade e na adesão ao tratamento", afirma.

No hospital capixaba, até agora, 23 pacientes usaram a touca e só dois perderam os fios, segundo o oncologista Vitor Fiorin de Vasconcellos, diretor técnico do serviço de oncologia da Santa Casa. Os médicos também notaram que as pacientes não perderam a sobrancelha, mesmo que o foco do aparelho seja apenas o couro cabeludo.

"A tecnologia impacta na melhora no enfrentamento da doença pelo paciente, no convívio social, na manutenção da rotina diária. Tira o carimbo do câncer", diz ele. "O que as pessoas mais passam a ouvir é: 'você está em tratamento mesmo?'"

Assim, as mulheres não precisam mais expor que estão enfrentando a doença. "O tratamento todo já é muito pesado e ainda tinham que encarar um olhar de pena. A peruca não é fácil de usar, nem todo mundo se adapta, e não é o seu cabelo. É importante a pessoa poder se olhar no espelho e se ver inteira", afirma a mastologista.

Ela também comemora o acesso das pacientes do SUS a esse tipo de equipamento. "Para nós, médicos que trabalham no serviço público e privado, é angustiante ver a discrepância do tratamento das que têm acesso a tudo e das que não têm. Poder aproximar as duas realidades é gratificante", diz.

O que mais impressionou o diretor do HC3 do Inca, Marcelo Bello, foi que alguns pacientes só toparam fazer a quimioterapia porque havia a touca.

"A questão da autoestima e o medo de perder o cabelo é muito forte. Uma jovem de 32 anos, com câncer agressivo de mama, que não tinha opção de não fazer o tratamento, me disse na véspera de começar a químio que não ia fazer porque ia perder o cabelo", conta o mastologista. "Eu disse que ela podia usar a touca e o resultado foi ótimo. Mas ela se recusaria a tratar se não tivesse a opção."

Sem a máquina, há quem use uma touca manual com gelo, na tentativa de fazer o resfriamento, mas os médicos alertam para os riscos.

"As pessoas colocam uma touca num isopor de gelo seco, mas isso provoca queimadura. Não é indicado nem seguro. Já a máquina controla a temperatura e não infere em nada no tratamento convencional", afirma Marcelo Bello.

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