O que você não sabe sobre alergia a alimentos

Avelãs e cenouras, embora não sejam parentes botânicas, compartilham de uma proteína alergênica

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Jane E. Brody
The New York Times

Meu neto Tomas teve uma primeira reação perturbadora a avelãs aos 8 anos. Sempre que ele comia Nutella, sua boca e garganta ficavam coçando e inchavam, então essa pasta doce foi banida de sua dieta e da casa.

Alguns anos depois, Tomas teve a mesma reação quando comeu cenoura crua. Pesquisando para esta coluna, aprendi que avelãs e cenouras, embora não sejam parentes botânicas, compartilham uma proteína com o pólen de bétula, ao qual Tomas é alérgico. No entanto, ele pode comer cenouras cozidas com segurança, porque o cozimento desnaturaliza a proteína alergênica.

Hoje com 21 anos, ele ainda não reagiu a outros alimentos que contêm a proteína do pólen de bétula, quais sejam, aipo ou salsão, batata, maçã e pêssego, mas poderá futuramente apresentar sensibilidade a um ou mais destes. Seu pai disse que, depois de adulto, desenvolveu sintomas parecidos na boca e na garganta quando comia maçãs ou pêssegos, especialmente durante a temporada de pólen.

Avelãs contêm proteína que pode ser alergênica - Flávio Florido/Folhapress

Também fiquei sabendo de outra ligação comum entre o pólen e a sensibilidade a alimentos. As pessoas alérgicas à erva chamada ambrosia (ragweed) também podem reagir a bananas e melões. Mais uma vez, uma proteína comum é a responsável. Esse tipo de alergia começaria, segundo se acredita, com a sensibilidade à inalação do pólen ofensivo, que mais tarde resulta em uma reação alérgica quando a proteína do alimento é consumida.

Felizmente, as síndromes alérgicas a pólen e alimentos, embora não agradáveis, quase sempre são brandas e não representam risco de morte.

Infelizmente, um número cada vez maior de pessoas podem experimentar reações severas, potencialmente fatais, a certos alimentos, a maioria dos quais é comumente encontrada na dieta da população dos Estados Unidos. Os principais culpados, os chamados "9 Grandes" (leite, ovos, amendoim, nozes, peixes, mariscos, trigo, soja e gergelim —este acrescentado recentemente à lista) respondem por cerca de 90% das reações alérgicas a comida.

Os alimentos embalados industrialmente hoje devem informar no rótulo a presença real ou possível dos principais alimentos alergênicos que podem causar reações fatais. Mas outros alergênicos não precisam ser citados. E o gergelim, que afeta mais de um milhão de crianças e adultos nos EUA, não precisa ser mencionado nos alimentos até 2023.

A mudança de hábitos alimentares amplia o problema. Hoje, a dependência cada vez maior de alimentos preparados em restaurantes, lojas e fábricas torna mais difícil evitar os alergênicos alimentares. As pessoas com reações anafiláticas potencialmente fatais precisam tomar extremo cuidado, mesmo quando não têm motivos para suspeitar da presença de um alergênico perigoso. Anos atrás, uma estudante colegial que sabia ser fatalmente alérgica a amendoim morreu depois de comer um preparado de pimentão que tinha sido engrossado com manteiga de amendoim.

Uma família que conheço tem um filho gravemente alérgico a amendoim, nozes, sementes de gergelim e seus óleos, e eles só comem em restaurantes italianos, os menos propensos a usar esses ingredientes. Ainda assim, o lugar sempre é avisado sobre as alergias do menino, e ele leva consigo EpiPen, que pode ser usada para evitar uma reação fatal caso haja um descuido.

A prevalência de alergias alimentares graves vai de 10% em crianças de 2 anos a 7,1% em jovens de 14 a 17 e 10,8% em adultos de 18 anos ou mais. Embora as alergias a leite, ovos, trigo e soja em bebês e crianças pequenas frequentemente desapareçam com o crescimento, outras entre as 9 Grandes quase sempre duram a vida toda. E as pessoas que não têm alergias quando jovens nem sempre continuam assim. Novas alergias alimentares podem surgir em qualquer idade.

Segundo o doutor Scott Sicherer, alergista na escola de medicina Icahn no Mount Sinai em Nova York, e coautores, "notavelmente, cerca da metade dos adultos alérgicos a alimentos nos Estados Unidos relatam ter desenvolvido pelo menos uma de suas alergias alimentares na idade adulta, com a alergia a mariscos e crustáceos sendo responsável pelo maior número de casos".

As únicas alergias reais a alimentos são reações imunológicas adversas, explicou o doutor Sicherer. O corpo reage a um alimento aparentemente inocente como se fosse uma infecção que ameaça a vida, então lança uma ofensiva em grande escala. Os sintomas podem incluir urticária, dificuldade para respirar, vômito ou anafilaxia —reação de choque severa e potencialmente fatal que ocorre segundos ou minutos após a exposição a um alergênico, às vezes em pequena quantidade. É por isso que a maioria das companhias aéreas parou de oferecer amendoins aos passageiros —um borrifo de pó de amendoim pode ser fatal para algumas pessoas alérgicas a ele.

Mais de 40% das crianças alérgicas a alimentos e a metade dos adultos com essa condição experimentam pelo menos uma reação severa durante suas vidas. Entre os alérgicos a um ou mais dos 9 Grandes alergênicos, os índices de reação severa superam 27%, com a alergia a amendoim liderando a lista, com 59,2% entre crianças e 67,8% entre adultos alérgicos a esse alimento.

Entretanto, muitas pessoas que acreditam ter alergia a um alimento na verdade não têm quando são testadas num desafio cego oral, em que os alimentos são testados sob supervisão médica para ver se a criança reage, o padrão ouro para diagnosticar alergias alimentares.

Outras consideram incorretamente como alergia qualquer tipo de reação adversa a alimentos —de enjoo de estômago a dor de cabeça. Por exemplo, a intolerância alimentar a lactose, o açúcar natural do leite, não é uma reação imune, mas sim o resultado de deficiência da enzima lactase. Muitos asiáticos desenvolvem vermelhidão na pele quando consomem bebida alcoólica porque não têm uma enzima para digeri-la. Outras pessoas podem pensar que são alérgicas porque experimentam reações semelhantes à de drogas, como um nervosismo sério, devido à cafeína presente no café e no chá.

Às vezes, evitar um alimento durante muito tempo pode resultar em uma reação alérgica quando esse alimento é consumido mais tarde. Isso pode acontecer com crianças com alergias da pele que evitam leite; elas poderão experimentar uma reação alérgica quando eventualmente consumirem a bebida.

Exposições ocupacionais, o uso de cosméticos para a pele, às vezes até picadas de carrapato podem resultar em alergias alimentares na idade adulta se houver reatividade cruzada com uma substância alergênica em ambos.

Durante anos, as famílias foram aconselhadas a não expor seus filhos a amendoins até os 3 anos (conselho que provavelmente contribuiu para a atual explosão de alergias a amendoim em crianças), mas hoje parece que a introdução precoce —aos 6 meses— de um alimento altamente alergênico é na verdade protetora, diminuindo o risco de uma reação mais tarde na vida, disse o doutor Sicherer.

Para confundir ainda mais o quadro da alergia alimentar, há o fato de que sob diferentes condições as pessoas podem reagir diferentemente ao mesmo alimento. Assim, algumas podem ter uma reação alérgica só quando o produto é consumido em grande quantidade ou em conjunto com álcool ou exercício intenso, o que os alergistas chamam de fatores de aumento.

Estudos recentes de dessensibilização, que visam reduzir a sensibilidade a alimentos alergênicos gradualmente expondo as pessoas a quantidades mínimas de alérgenos durante vários meses, e outros em andamento podem tornar a vida menos aterrorizante para muitas pessoas que têm alergia alimentar severa. Enquanto isso, evitar alimentos ofensivos é a melhor proteção contra uma reação alérgica grave.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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