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Saúde convoca audiência e pode rever documento que contraindica cloroquina

Medida ocorre cerca de um mês após a Conitec dar parecer favorável à aprovação de diretrizes para tratamento hospitalar da Covid

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Brasília

Após a Conitec, comissão que avalia medicamentos no SUS, aprovar um parecer que contraindica o uso de hidroxicloroquina em pacientes internados com Covid, o Ministério da Saúde decidiu convocar audiência pública para levantar novos "subsídios" para a decisão.

O encontro, que não é comum em decisões sobre temas que já passaram pelo órgão técnico, está marcado para esta quinta-feira (8).

A medida pegou servidores da Saúde de surpresa, já que a proposta, que compõe diretrizes para tratamento hospitalar da Covid, já havia passado por consulta pública e tramitado na comissão, com parecer final para aprovação.

Em geral, após esse processo, cabe à Secretaria de Ciência e Tecnologia chancelar ou reprovar as decisões e enviá-las para publicação no Diário Oficial da União.

Agora, a audiência pode abrir nova análise do tema, diferentemente do que ocorreu com outras propostas recentes de diretrizes e protocolos sobre a Covid que foram aprovadas pela Saúde após análise do órgão.

A decisão de convocar audiência foi do secretário de Ciência e Tecnologia, Helio Angotti Neto, conhecido por ser alinhado ao presidente Jair Bolsonaro.

O secretário é também seguidor do escritor Olavo de Carvalho, tido como guru ideológico do governo.

No último ano, Angotti ficou conhecido por adotar uma postura entusiasta do chamado "tratamento precoce". Em coletivas à época, ele também já fez críticas a estudos que apontavam ineficácia da cloroquina e costumava dar números sobre a distribuição do remédio pela pasta para uso na Covid.

Internamente, segundo a Folha apurou, o secretário disse que o parecer da Conitec seria baseado em evidências antigas e muito parecido com protocolos internacionais.

Angotti teria justificado a necessidade de promover audiência para atualizar o documento à luz de novas informações. A reportagem procurou Angotti para comentar o processo, mas não teve retorno até o momento.

Em nota, o ministério diz que a iniciativa por chamar a audiência pública pode ocorrer sempre que a pasta decidir que é preciso "levantar mais subsídios" para uma decisão.

Essa será a segunda audiência pública já feita na Conitec. A primeira ocorreu neste ano, sobre um medicamento para atrofia muscular espinhal alvo de ações judiciais. Orientações divulgadas pela Saúde dizem que a audiência será aberta a todos os interessados, desde que inscritos previamente.

A pedido do ministro Marcelo Queiroga, um grupo técnico e coordenado pelo professor Carlos Carvalho, da USP, com apoio de sociedades de especialistas, elaborou o que será chamado "Diretrizes Brasileiras para Tratamento Hospitalar do Paciente com Covid-19".

O texto passou por consulta pública e foi chancelado pela Conitec.

Na prática, o documento não recomenda o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina, cloroquina, azitromicina, ivermectina e outros, como o remdesivir, para tratamento de pacientes hospitalizados com Covid-19. A posição ocorre após revisão de estudos e diretrizes de diferentes países.

Por outro lado, o parecer abre espaço para uso de um grupo restrito de medicamentos, como corticoesteroides (caso da dexametasona) e anticoagulantes, mas em casos específicos e conforme orientações.

Questionado pela reportagem, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, nega que tenha havido pressão para postergar a decisão devido ao fato da diretriz envolver parecer sobre a cloroquina.

Segundo ele, a ideia da pasta é aumentar a frequência das audiências públicas na comissão.

"A Conitec tem dez anos, e nunca fez uma audiência pública. Vai ter para todos os assuntos que tiveram relevância", diz ele, segundo quem a comissão pode ser consultada novamente após a audiência. "Encontramos o caminho certo para discutir essas questões técnicas".

Apesar da declaração do ministro, diferentemente do que houve com o caso dos medicamentos, Angotti assinou o primeiro capítulo das diretrizes, o qual trata do “uso de oxigênio, intubação orotraqueal e ventilação mecânica”, sem convocar audiência. A proposta que aborda os medicamentos, cuja oitiva foi chamada, será o segundo capítulo.

Outros documentos ligados à Covid, como a incorporação de vacinas no SUS, também tiveram decisões finais publicadas.

Nos últimos meses, o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina, tem sido defendido publicamente por Bolsonaro, na contramão de estudos que apontam ineficácia para a Covid.

Em 2020, em meio a pressão do presidente, o Ministério da Saúde elaborou um documento com "orientações" sobre uso desse e outros remédios para a doença. O texto, porém, não passou pela análise da Conitec.

Na prática, essa foi a primeira vez que a comissão deu parecer sobre a cloroquina no âmbito da Covid. Uma eventual chancela da medida, assim, indicaria uma nova postura da Saúde sobre o medicamento, ainda que concentrada apenas na questão hospitalar.

O documento diz que "não há evidência de benefício" da cloroquina para pacientes com Covid "seja no seu uso de forma isolada ou em associação com outros medicamentos." A recomendação vale independentemente da via de administração (oral, inalatória ou outras).

A previsão é que diretrizes para tratamento pré-hospitalar sejam elaboradas nas próximas semanas.

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