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Jonathan Haidt e Jean Twenge

Esta é nossa chance de libertar os adolescentes da armadilha do smartphone

Mesmo antes da Covid-19, jovens já vinham se sentindo cada vez mais solitários na escola

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Jonathan Haidt Jean Twenge
The New York Times

Com a volta dos alunos às aulas dentro de algumas semanas (no hemisfério norte), muita atenção será dedicada à sua saúde mental. Muitos problemas serão atribuídos à pandemia da Covid, mas na verdade precisamos voltar um pouco mais no tempo, a 2012.

Foi nesse ano que os indicadores de depressão, solidão, automutilação e suicídio entre os adolescentes dos Estados Unidos começaram a subir de forma acentuada. Em 2019, pouco antes da pandemia, a incidência de depressão entre os adolescentes havia praticamente dobrado.

Quando começamos a ver essas tendências, em nosso trabalho como psicólogos que pesquisam sobre a Geração Z (os americanos nascidos depois de 1996), ficamos intrigados. A economia dos Estados Unidos vinha melhorando firmemente naqueles anos e, portanto, a culpa não podia ser imputada aos problemas econômicos causados pela Grande Recessão de 2008. Era difícil determinar qualquer outro grande acontecimento nacional no começo da década de 2010 que tenha reverberado pelo restante da década.

Nós dois viemos a suspeitar dos mesmos culpados: os smartphones, em geral, e a mídia social, mais especificamente. Jean descobriu que 2012 foi o primeiro ano em que a maioria dos americanos passou a ter smartphones; em 2015, dois terços dos adolescentes os tinham. Aquele também foi o período em que o uso da mídia social se transformou de opcional para onipresente entre os adolescentes.

Jonathan descobriu, enquanto estava trabalhando em um ensaio com o psicólogo Tobias Rose, que as grandes plataformas de mídia social mudaram profundamente entre 2009 e 2012. Em 2009, o Facebook adotou o botão “like” e o Twitter o botão de “retweet”, e, ao longo dos próximos anos, os feeds dos usuários passaram a ser ditados por algoritmos que tomavam por base o “engajamento”, o que queria dizer essencialmente a capacidade de uma postagem de deflagrar emoções.

Em 2012, como o mundo agora sabe, as grandes plataformas já tinham criado uma máquina de ultrajes que tornava a vida online mais feia, mais rápida, mais polarizada, e mais propensa a incitar humilhação performativa. Além disso, à medida que crescia a popularidade do Instagram, nos anos seguintes, isso passou a exercer efeitos especialmente fortes sobre as meninas e jovens mulheres, convidando-as a “comparar e se desesperar”, ao vasculhar as postagens de amigos e desconhecidos que mostravam rostos, corpos e vidas editados e reeditados de forma que muitos deles ficassem muito mais próximos da perfeição do que da realidade.

Já há muitos anos, alguns especialistas vêm dizendo que os smartphones e a mídia social prejudicam os adolescentes, enquanto outros descartam essas preocupações como só mais uma onda de pânico moral, em nada diferente daquelas que acompanharam a chegada dos videogames, da televisão e mesmo das histórias em quadrinhos. Um argumento poderoso empregado pelos céticos é o seguinte: o smartphone foi adotado em muitos países de todo o mundo aproximadamente na mesma época; assim, por que os adolescentes de outros países não estão experimentando problemas de saúde mental semelhantes aos que os americanos enfrentam? Onde estão as provas nesse sentido?

É uma pergunta difícil de responder porque não existe levantamento mundial de saúde mental adolescente com dados anteriores a 2012 e que continue até o presente. No entanto, existe algo próximo a isso. O Programa de Avaliação de Estudantes Internacionais (Pisa, na sigla em inglês) avalia adolescentes de 15 anos em dezenas de países a cada três anos, desde 2000. Em todas as edições exceto duas, o levantamento incluiu seis perguntas sobre solidão na escola. Solidão certamente não é o equivalente de depressão, mas existe uma correlação entre as duas coisas —adolescentes solitários são muitas vezes adolescentes deprimidos, e vice-versa. E a solidão é dolorosa mesmo que não seja acompanhada de depressão.

Assim, o que o levantamento Pisa mostra? Em um estudo que acabamos de publicar no The Journal of Adolescence, apontamos que em 36 dos 37 países participantes, a solidão na escola aumentou, de 2012 para cá. Agrupamos os 37 países em 4 regiões geográficas e culturais, e encontramos o mesmo padrão em todas elas: a solidão entre os adolescentes se manteve relativamente estável entre 2000 e 2012, com menos de 18% dos respondentes reportando um nível elevado de solidão.

Mas nos seis anos posteriores a 2012, esse índice aumentou dramaticamente. Praticamente dobrou na Europa, América Latina e nos países de fala inglesa, e subiu em cerca de 50% nos países do leste asiático.

Essa alta mundial sincronizada na solidão adolescente sugere a existência de uma causa mundial, e a linha do tempo se encaixa bem à identificação dos smartphones e da mídia social como fatores importantes. Mas será que o momento dessa ascensão não poderia ser apenas uma coincidência?

Para testar nossa hipótese, buscamos dados sobre muitas tendências mundiais que poderiam ter exercido impacto sobre a solidão adolescente, entre as quais a redução no tamanho das famílias, mudanças no Produto Interno Bruto (PIB), aumento na desigualdade de renda e crescimento do desemprego, além do maior acesso a smartphones e do aumento do número de horas de uso da internet.

Os resultados foram claros: só o acesso a smartphones e o uso da internet haviam crescido no mesmo compasso do avanço da solidão adolescente. Os demais fatores ou não apresentaram correlações ou apresentaram correlações inversas.

Essas análises não provam que os smartphones e a mídia social são uma grande causa do avanço da solidão adolescente, mas demonstram que diversas outras causas são menos plausíveis. Se alguém tem outra explicação para o aumento da solidão nas escolas, adoraríamos ouvi-la.

Executamos uma revisão extensa das pesquisas publicadas sobre mídia social e saúde mental e descobrimos uma importante limitação: quase todas, entre as quais alguns trabalhos nossos, buscam por efeitos do consumo sobre os indivíduos que consomem. A questão científica mais comum vem sendo: os adolescentes individuais que consomem muita mídia social apresentam resultados de saúde mental inferiores aos adolescentes individuais que consomem pouca mídia social? A resposta é sim, especialmente entre as meninas.

Acreditamos, porém, que esse enquadramento é inadequado porque os smartphones e a mídia social não afetam apenas indivíduos, mas sim grupos. O smartphone trouxe um reordenamento mundial das interações humanas. Quando o smartphone se tornou mais comum, ele transformou os relacionamentos de pessoa a pessoa, os relacionamentos familiares e a textura da vida cotidiana para todas as pessoas —mesmo aquelas que não tenham um smartphone ou uma conta no Instagram.

É mais difícil estabelecer uma conversa casual no refeitório ou depois da aula se todo mundo está de olho no celular o tempo todo. É mais difícil manter uma conversa séria quando os participantes são interrompidos a cada instante por notificações que causam vibração e ruído no smartphone. Como escreveu Sherry Turkle em seu livro “Reclaiming Conversation”, a vida com smartphones significa que “estamos sempre em algum outro lugar”.

Um ano antes que a pandemia da Covid-19 começasse, um universitário canadense nos enviou um email que ilustra como os smartphones alteraram a dinâmica social nas escolas.

“A Geração Z é um grupo de pessoas incrivelmente isoladas”, ele escreveu. “Temos amizades superficiais e relacionamentos românticos supérfluos, mediados e governados em grau considerável pela mídia social.”

Ele a seguir refletiu sobre a dificuldade de conversar com seus colegas: “Não existe qualquer senso de comunidade no campus, e não é difícil perceber porque. Muitas vezes, quando chego cedo para uma aula, encontro uma sala em que há mais de 30 universitários reunidos, mas todos estão em silêncio, absortos em seus smartphones, com medo de falar e ser ouvidos pelos colegas. Isso conduz a ainda mais isolamento e a um enfraquecimento da identidade pessoal e da confiança, algo que eu sei porque são coisas que experimentei pessoalmente”.

Todos os mamíferos jovens brincam, especialmente aqueles que vivem em grupos, sejam cachorros, chimpanzés ou seres humanos. Todos esses mamíferos necessitam de dezenas de milhares de interações sociais para se tornar adultos socialmente competentes. Em 2012, era possível acreditar que os adolescentes seriam capazes de obter essas interações por meio de seus smartphones —e talvez um número consideravelmente maior de interações do que no passado.

Mas à medida que os dados sobre a mudança para pior na saúde mental dos adolescentes, de 2012 para cá, se acumulam, fica claro agora que as interações sociais mediadas eletronicamente são como calorias sem valor nutritivo. Imagine como seria a saúde dos adolescentes hoje se, em 2012, tivéssemos removidos a comida mais nutritiva de suas dietas e substituído aquelas calorias por açúcar.

O que podemos fazer, portanto? Não é possível fazer com que o tempo volte para a era anterior aos smartphones, e tampouco gostaríamos de que isso acontecesse, se considerarmos os muitos benefícios da tecnologia. Mas podemos tomar algumas medidas razoáveis para ajudar os adolescentes a conseguir um pouco mais daquilo que precisam.

Um passo importante seria dar aos adolescentes um período longo durante o dia em que eles não pudessem ser distraídos pelos seus aparelhos: o horário escolar. Os celulares podem ser úteis a caminho da escola e na volta para casa, mas deveriam ficar trancados durante o dia escolar para que os alunos possam praticar a arte perdida de prestar atenção completa às pessoas que os cercam —o que inclui seus professores.

Um segundo passo importante seria postergar o ingresso dos jovens na mídia social; o ideal seria mantê-los fora dela pelo menos no ensino primário e ginasial. Hoje em dia, muitas crianças de 10 e 11 anos simplesmente mentem sobre sua idade para criar contas de mídia social, e quando isso acontece outros jovens não querem se sentir excluídos e assim surge pressão para que façam o mesmo.

As plataformas deveriam —no mínimo— ser responsabilizadas legalmente pela imposição da idade mínima de 13 anos para abertura de contas por usuários. Porque as plataformas não foram capazes de fazê-lo usando sistemas de detecção posterior, deveriam ser forçadas a implementar verificações de identidade e idade prévias para todas as contas novas, como já aconteceu em muitos outros setores. Os usuários verificados poderiam continuar a postar sob pseudônimo, e a verificação poderia ser terceirizada para operadores externos confiáveis, e não ser realizada pelas plataformas mesmas.

Mesmo antes da Covid-19, os adolescentes já vinham se sentindo cada vez mais solitários na escola. A transição rápida para vidas sociais mediadas pelo smartphone, em 2012, é, como já demonstramos, o principal suspeito.

Agora, depois de quase 18 meses de distanciamento social, temores de contágio, ansiedade entre os pais, estudo remoto e dependência cada vez maior de aparelhos eletrônicos, será que podemos confiar em que os estudantes deixem de lado os smartphones espontaneamente e voltem a usar os antiquados meios de socialização pessoal do passado, ao menos durante as horas que eles precisam passar na escola? Temos uma oportunidade histórica de ajudá-los a fazê-lo.

Jonathan Haidt é psicólogo social na Escola Stern de Administração de Empresas, Universidade de Nova York, e coautor de “The Coddling of the American Mind”

Jean Twenge, professora de psicologia na Universidade Estadual de San Diego, é autora de “iGen: Why Today’s Super-Connected Kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy — and Completely Unprepared for Adulthood”

Tradução de Paulo Migliacci

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