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O que se sabe até agora sobre a combinação de vacinas contra o coronavírus

De acordo com estudos, combinar vacinas não só daria um impulso significativo ao esforço global de vacinação, mas também poderia oferecer melhor proteção contra o coronavírus

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Veronica Smink
BBC News Brasil

O mundo avança no combate ao coronavírus, com 4,8 bilhões de doses de vacinas aplicadas em todo o mundo até agora, segundo dados compilados pelo Our World in Data.

A corrida pela imunização contra a Covid-19 começou no fim de 2020 —um ano após o surgimento desse vírus.

E, a esta altura do ano, já foi possível vacinar pouco mais de 30% da população mundial com pelo menos uma dose das diversas vacinas —e 23% dos habitantes do planeta já completaram a imunização.

No entanto, de acordo com a OMS, em países de baixa renda, apenas 1,2% das pessoas receberam uma dose.

Um profissional da saúde de máscara mostra duas ampolas de vacina
Série de ensaios clínicos em várias partes do mundo investiga os efeitos da combinação de diferentes vacinas contra o coronavírus - Getty Images/BBC News Brasil

Além da desigualdade de recursos para comprar vacinas, outro obstáculo à imunização global tem sido a série de problemas enfrentados pelos fabricantes de vacinas.

Desde temores de efeitos colaterais adversos, que levaram alguns países a limitar o uso de certas vacinas, até dificuldades na produção de inoculações devido à escassez global de suprimentos, que têm causado graves atrasos no fornecimento.

Como solução parcial para esses problemas, vários países tentaram combinar diferentes vacinas.

A maioria das vacinas contra a Covid requer duas doses (com exceção da Janssen, feita pela Johnson & Johnson, e da Sputnik Light, da Rússia, que são de apenas uma dose).

E, exceto pela Sputnik V, que usa dois componentes diferentes, as demais têm duas doses iguais, o que levou várias nações a pesquisar possíveis combinações.

A vacinação heteróloga —esse é seu nome científico— não é novidade. A mistura de vacinas começou na década de 1990 para combater outro vírus: o HIV, que causa a Aids.

Pesquisas realizadas até agora com algumas vacinas contra a Covid-19 mostraram que trocá-las não só é possível, mas em muitos casos é até recomendado.

De acordo com esses estudos, combiná-las não só daria um impulso significativo ao esforço global de vacinação, mas também poderia oferecer melhor proteção contra o coronavírus.

O que se sabe até agora?

Talvez a vacina mais estudada em combinação com outras seja a AstraZeneca, também conhecida como AZ.

Pesquisadores da Universidade de Oxford, que criaram esta vacina, investigam desde fevereiro de 2020 a eficácia dela quando usada em conjunto com outras.

O aparecimento de coágulos sanguíneos em um pequeno número de pessoas que tomaram a AstraZeneca levou vários países, que já haviam administrado a primeira dose a centenas de milhares de cidadãos, a decidirem não usar a segunda para determinadas faixas etárias.

Isso acelerou a necessidade de combinar a vacina britânica com outras.

A primeira pesquisa da Universidade de Oxford, conhecida como "Com-COV1", estudou os efeitos da combinação da AstraZeneca com Pfizer em 850 voluntários com mais de 50 anos de idade.

Essas vacinas usam duas plataformas diferentes para combater o vírus. A AstraZeneca usa vetor viral (adenovírus de chimpanzé atenuado) e a Pfizer usa o RNA mensageiro (ou mRNA), que tem uma pequena sequência genética criada em laboratório que "ensina" as próprias células do corpo humano a se protegerem contra o Sars-CoV-2.

Resultados

Os resultados preliminares do estudo Com-COV1, publicado no final de junho, foram altamente promissores.

A combinação de uma primeira dose de AstraZeneca e uma segunda dose da Pfizer gerou mais anticorpos e células T (as células imunes que matam os patógenos) do que usar dois componentes de AstraZeneca.

E usar a Pfizer primeiro e depois a AstraZeneca também foi mais benéfico do que usar a vacina britânica duas vezes (embora não tão eficaz quanto usá-las na ordem inversa).

Embora os testes tenham mostrado que o uso de duas doses de Pfizer gerou o maior número de anticorpos, o uso da AstraZeneca primeiro e depois da Pfizer provocou uma resposta mais forte das células T, que é chave para combater a infecção.

Outros países que realizaram seus próprios testes chegaram a conclusões semelhantes.

Antes mesmo de os resultados serem conhecidos no Reino Unido, a Espanha já havia começado a combinar AstraZeneca com Pfizer, e as conclusões preliminares da fase 2 do estudo CombiVacs, realizado pelo Instituto de Saúde Carlos III, publicado em maio, também mostraram a eficácia desta mistura.

O ensaio espanhol, do qual participaram 676 pessoas entre 18 e 59 anos que receberam a primeira dose de AstraZeneza, concluiu que, com uma segunda dose de Pfizer, os anticorpos eram mais do que o dobro que os gerados por duas doses de AstraZeneza.

A segunda dose —também chamada de reforço— geralmente multiplica os anticorpos por três quando a AstraZeneza é aplicada duas vezes.

Se a Pfizer for usada como o segundo componente, a multiplicação é por sete, segundo o resultado do estudo espanhol.

No final de julho, outro ensaio clínico investigando a combinação AstraZeneza e Pfizer, desta vez na Coreia do Sul, confirmou os benefícios dessa mistura.

O estudo, que incluiu 499 profissionais de saúde, concluiu que a combinação de AstraZeneza com Pfizer gerou níveis seis vezes maiores de anticorpos neutralizantes do que o uso de duas doses de AstraZeneza.

Combinando plataformas

A Alemanha, que também começou a combinar vacinas após decidir limitar a AstraZeneca apenas para maiores de 60 anos —como Espanha e França— recomendou aos que receberam a primeira dose da vacina britânica combiná-la com qualquer uma das duas vacinas que usam o método de mRNA: Pfizer ou Moderna.

Embora as autoridades alemãs não tenham especificado em que estudos basearam as suas recomendações, o país europeu tornou-se um dos principais promotores da combinação de vacinas, em particular das misturas que utilizam plataformas diferentes.

Para inspirar confiança nessa estratégia, a chanceler alemã, Angela Merkel, de 66 anos, que recebeu a primeira dose de AstraZeneca, foi vacinada com a Moderna na segunda dose, em junho.

Esta ideia de misturar vacinas usando diferentes tecnologias também é objeto de pesquisa pela Universidade de Oxford em um segundo ensaio clínico, intitulado Com-COV2.

O trabalho, com 1.050 voluntários, pesquisa os efeitos da combinação de AstraZeneca com Moderna ou com Novavax (vacina sueco-americana licenciada em alguns países e que usa uma proteína do vírus SARS-CoV-2 como plataforma).

A pesquisa, cujos resultados preliminares ainda não foram publicados, também analisa os efeitos da mistura de uma primeira dose de Pfizer com uma segunda dose de Moderna ou Novavax.

Em artigo na revista científica Horizon, publicada pela Comissão Europeia, a jornalista Annette Ekin destacou que combinar vacinas de diferentes plataformas pode ser especialmente útil para quem foi inoculado com uma primeira dose de vetor viral.

"Como algumas vacinas são entregues ao corpo por um vírus modificado, é possível que o sistema imunológico ataque a própria vacina. Misturar as plataformas de reforço pode reduzir o risco de desenvolver imunidade contra uma vacina de vetor viral", explicou.

Ekin observou que "os especialistas não consideram essa estratégia de misturar vacinas perigosa".

No entanto, alertou que, como a técnica de mRNA é nova e está sendo usada pela primeira vez em humanos durante esta pandemia, "deve-se avaliar a segurança" de combinar vacinas de mRNA com aquelas que usam adenovírus, daí a importância de estudos como Com-COV e outros.

Sputnik V

Enquanto na Europa os estudos de combinações de vacinas se concentraram principalmente nas combinações com AstraZeneca, em parte da América Latina uma estratégia semelhante está sendo aplicada para resolver questões com a Sputnik V.

Milhões de pessoas em várias partes do mundo, mas principalmente em países vizinhos do Brasil na América do Sul, foram vacinadas com a primeira dose da vacina russa, mas por problemas de abastecimento não têm acesso ao segundo componente.

O país mais afetado é a Argentina, que vacinou cerca de 9 milhões de cidadãos com uma dose da Sputnik V, mas apenas 2,5 milhões deles com as duas doses.

Com mais de 6 milhões de argentinos aguardando a segunda dose (um milhão e meio deles com o período máximo recomendado de três meses entre as vacinas já vencido), as autoridades argentinas começaram no início de julho a estudar possíveis combinações.

Após um mês de testes, em 4 de agosto, a ministra da Saúde, Carla Vizzotti, anunciou que os resultados preliminares foram "satisfatórios" e "encorajadores".

Vizzotti disse que o país passará a oferecer àqueles que receberam a primeira dose da Sputnik V a possibilidade de combiná-la com a AstraZeneca, cujo princípio ativo é fabricado em Buenos Aires, ou com a Moderna, após a doação dos Estados Unidos de 3,5 milhões doses.

As autoridades sanitárias argentinas informaram que os resultados preliminares da combinação da Sputnik V com a Sinopharm (vacina chinesa que também é amplamente utilizada na Argentina) não foram "conclusivos" e que por enquanto a opção está descartada.

"Pioneiros"

A Sputnik V usa a mesma plataforma da AstraZeneca: um vetor de adenovírus (a russa usa adenovírus humano enfraquecido, em vez de um de chimpanzé).

Isso levou muitos especialistas a concluírem que elas podem ser trocadas com segurança e que, como a AstraZeneca, a vacina russa também pode ser combinada com outra que utiliza o método do mRNA.

O Fundo Russo de Investimento Direto (conhecido como RDIF), que comercializa a Sputnik V no exterior, não apenas deu sinal verde para combinar sua vacina, mas disse à BBC que foi o primeiro a sugeri-la.

"O RDIF foi pioneiro na colaboração com outros fabricantes de vacinas quando abordou a AstraZeneca em 23 de novembro (2020) para conduzir um estudo colaborativo sobre combinações de vacinas", disse a agência em um comunicado enviado ao escritório da BBC em Moscou.

Um jornalista do serviço russo disse à BBC Mundo que esses testes começaram em 2020, mas foram interrompidos e reiniciados este ano. Os resultados finais são esperados para março de 2022.

No entanto, o RDIF observou que "os resultados preliminares da investigação confirmaram a segurança total e a alta eficiência dessa abordagem."

A agência destacou que a própria Sputnik V já é "pioneira no uso de reforço heterogêneo ('combinação de vacinas')", pois é "a único" que combina duas doses diferentes: a primeira um adenovírus 26 e a segunda um adenovírus 5 (segundo os fabricantes, essa complexidade explica em parte os atrasos na produção).

"Coquetéis" contra a delta

"Os coquetéis de vacinas, dos quais a Sputnik V foi pioneiro, terão um papel decisivo no combate às mutações", disse o RDIF por meio do Twitter, referindo-se às variantes do coronavírus, como a delta, que hoje são uma das principais preocupações no mundo.

Muitos concordam. Pierre Meulien, diretor executivo da Iniciativa de Medicamentos Inovadores da União Europeia, disse à revista Horizon que o principal incentivo para misturar vacinas é induzir uma resposta imunológica mais ampla "para cobrir as variantes que estão aparecendo em todas as partes".

Enquanto isso, Frédéric Martinon, imunologista do Instituto Nacional Francês de Pesquisas Médicas e de Saúde (Inserm), disse que a combinação de vacinas dificultará a circulação de variantes ou o aparecimento de novas.

Por sua vez, a editora da BBC Health, Michelle Roberts, observou que os ensaios britânicos com vacinas combinadas sugerem que, se uma terceira dose contra o coronavírus for necessária para combater essas novas variantes, "pode ​​ser preferível administrar uma marca de vacina diferente do que o usado para as duas primeiras injeções. "

Roberts também detalhou que "misturar vacinas produz mais efeitos colaterais de curto prazo, como calafrios, dores de cabeça e dores musculares".

Reforço no Brasil?

No Brasil, não há ainda definição sobre o reforço vacinal, mas tanto o Ministério da Saúde quanto o Instituto Butantan (responsável por finalizar a produção da Coronavac no país) avaliam e consideram essa possibilidade.

Em julho, o Ministério da Saúde informou que iniciaria estudo inédito para avaliar a necessidade de uma terceira dose de vacinas contra Covid-19 para quem tomou Coronavac.

A pesquisa, em parceria com a Universidade de Oxford, vai verificar a intercambialidade da Coronavac com outros imunizantes disponíveis para a população brasileira.

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