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Para incentivar vacinação de millennials, prefeituras adotam campanhas cringe

Personagens de 'Harry Potter', 'Elite' e 'Meninas Malvadas' surgem na internet para incentivar imunização

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São Paulo

Expecto vacinum! Se entendeu a referência, provavelmente você é millennial e já se imunizou ou está muito próximo de receber a agulha no braço e ficar protegido da Covid-19 e dos dementadores.

Difícil entender? Talvez você não faça parte do público-alvo das campanhas de vacinação de algumas prefeituras. Com a imunização chegando aos mais jovens, gestões municipais estão adaptando sua comunicação nas redes sociais para as gerações Y, ou millennials –nascidos entre 1980 e 1994–, e Z –vindos ao mundo entre 1995 e 2010–, que pode enxergar alguma dessas ideias como cringe.

Foi com um “Expectro (sic) vacinum! Bruxos de 21 anos de idade!” que o prefeito Válter Suman (PSB), de Guarujá, convocou os jovens a irem aos postos de vacinação na segunda-feira (2). Ele errou no feitiço, mas não é fácil para um político de 61 anos se lembrar de todas as expressões usadas por Harry Potter, protagonista de uma série de livros e filmes.

Para atrair as pessoas de 20 anos, nesta quarta (4), a prefeitura usou nas redes sociais o bilhete dourado de Willy Wonka, do filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate”. E o público-alvo deve se lembrar, muito provavelmente, da versão cinematográfica de 2005, com Johnny Depp, e não da original, de 1971, com Gene Wilder.

A resposta dos jovens surpreendeu a equipe responsável, que não imaginava o engajamento dos fãs do bruxinho inglês. “As pessoas ficaram entusiasmadas com a chegada da idade deles”, diz Alexandre Trombelli, secretário de Comunicação e Relações Sociais de Guarujá.

De acordo com ele, a campanha já estava sendo adaptada desde que a imunização chegou à faixa dos 30 anos, mas o alcance foi maior quando personagens da cultura pop apareceram. “Tinha essa questão de qual vacina está sendo aplicada. Quando deixou a coisa mais leve, esse tipo de discussão nos posts desapareceu”, completa.

Harry Potter também surgiu em Caieiras (SP), mas sem avisar. No sábado (31), estava prevista a imunização das pessoas com 28 anos. A chegada de um lote grande de doses, no entanto, permitiu que a vacinação abrangesse mais idades, inclusive aqueles com 25 anos.

“Com essa brusca redução de idade, pensamos que foi como um passe de mágica. E um dos colaboradores sugeriu usar a carta de Hogwarts convocando os jovens de 25 anos ou mais para a vacinação”, explica Hélio Martins, diretor de Comunicações da prefeitura. Houve críticas de alguns evangélicos, mas, segundo ele, os elogios vieram em maior quantidade.

Essa ideia de usar a cultura pop nas postagens oficiais também parece ter se espalhado com um passe de mágica por prefeituras Brasil afora. Em Taubaté (SP), a iniciativa partiu do designer de redes sociais. Assim que a gestão municipal aprovou, surgiram menções a “High School Musical”, “Rebeldes” e o queridinho das prefeituras, Harry Potter.

De acordo com Virgínia Manara, assessora de comunicação da gestão José Saud (MDB), o objetivo é oferecer alívio com o avançar da imunização. “Não caberia essa linguagem em um momento anterior, em que as incertezas eram grandes.”

A vassoura do personagem de J.K. Rowling tem trabalhado bastante, já que ele apareceu também em Mogi das Cruzes (SP) para avisar as pessoas de 29 anos sobre a imunização. A prefeitura usou o Mapa do Maroto –desenho de Hogwarts com propriedades mágicas– nas redes sociais, e frisou que a vacina vale para bruxos e trouxas. Tudo em referência ao universo de Harry Potter.

Aparecem em outras postagens o Capitão América e também menções aos filmes “High School Musical”, “Meninas Malvadas” e até “De Volta para o Futuro”. No caso, o longa da década de 1980 é para avisar sobre a repescagem de quem tem 40 anos ou mais.

Para o prefeito Caio Cunha (Podemos), a comunicação nas redes sociais tem muito a ver com identificação e empatia, e as pessoas divulgam aquilo que tem a ver com elas mesmas. Assim, é mais comum que haja um engajamento na hora de compartilhar informação com os demais.

Exemplo prático desse envolvimento aconteceu em Arapiraca (AL), onde a prefeitura adotou estratégia semelhante. Lá, os jovens vão em grupos ao posto e chegam a mostrar as postagens para os profissionais da saúde, segundo Igor Castro, coordenador de marketing da gestão Luciano Barbosa (MDB).

Na internet, a prefeitura tem adaptado nomes de filmes e séries para atrair os jovens. Há “De repente 30+”, “Vacine” e “A Vacina da Rainha” –em referência ao filme dos anos 2000 com Jennifer Garner e às séries “Elite” e ”O Gambito da Rainha”, respectivamente. Produções nacionais também dão as caras, como “Vacinaí, ó” (”Ó paí, ó”) e “Segunda Dose”, no “Vale a pena vacinar de novo”, com estética da novela ”Avenida Brasil” e alusão ao “Vale a pena ver de novo”.

Prefeitura de Arapiraca (AL) adapta o cartaz do filme "De repente 30" para lembrar as pessoas com 30 anos da data de imunização contra a Covid
Prefeitura de Arapiraca (AL) adapta o cartaz do filme "De repente 30" para lembrar as pessoas com 30 anos da data de imunização contra a Covid - @prefeituradearapiraca no Instagram

Nostalgia e humor estão presentes nas redes sociais de outras cidades brasileiras. Belém fez montagem com fotos dos Power Rangers, É o Tchan e capas da revista Capricho. Duque de Caxias (RJ) postou imagens de disquete, Orkut e nota de R$ 1, enquanto Dourados (MS) apelou para memes.

O interesse das prefeituras em diversificar as campanhas de imunização para atrair os jovens tem fundamento. De acordo com a última pesquisa Datafolha, entre os que não pretendem se vacinar, 30% têm de 16 a 24 anos e 23% de 25 a 34 anos.

O levantamento ouviu de forma presencial 2.074 pessoas de 16 anos ou mais em 146 cidades do país nos dias 7 e 8 de julho. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Ainda não é possível saber se o humor na internet está surtindo efeito na prática, já que há diversos fatores que impactam na imunização dos brasileiros, como horários flexíveis dos postos para quem trabalha e doses suficientes para cada faixa etária.

Entretanto, como os jovens costumam consumir menos notícias e passar mais tempo em redes sociais, a aposta dos governos municipais de viralizar memes pode atrair um público que se informa por meio do que os amigos compartilham.

A iniciativa de usar a cultura pop nas campanhas é vista com bons olhos por Luiz Cavalheiros, professor da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) no Rio de Janeiro, já que atenua a imagem dura que a vacina tem, de ser um produto invasivo, que lembra doenças.

Ele cita o caso do Zé Gotinha, personagem criado para a campanha de erradicação da pólio no Brasil, e que virou sinônimo de imunização, não importa de qual doença infantil. “Não foi uma coisa pensada, mas teve aceitação.”

O professor pontua, no entanto, que fazer campanha de vacinação é muito diferente de anunciar cerveja ou geladeira, pois envolve um tema sério e mexe com a vida das pessoas. Em sua opinião, deveria haver uma centralização federal nessa publicidade, para que o brasileiro reconhecesse a identidade em qualquer lugar.

“Falta uma integração nacional que leve em conta pesquisas, a experiência que o ministério [da Saúde] tem acumulada, de décadas, e profissionais de comunicação transformando em ações efetivas”, ressalta.

E, caso você tenha ficado curioso, “expecto vacinum” significa “eu espero a vacina” em latim, língua usada por bruxos do universo de Harry Potter em seus feitiços.

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