Post engana ao dizer que CDC recomendou suspensão da vacina da Janssen recentemente

A interrupção ocorreu em abril e foi retomada dez dias depois

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São Paulo

É enganosa a postagem feita pelo empresário e presidente do diretório estadual do PTB em São Paulo, Otávio Fakhoury, no Twitter afirmando que a aplicação da vacina da Janssen acabou de ser suspensa pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos. Na verdade, a interrupção do uso do imunizante ocorreu em 13 de abril e durou apenas dez dias. Portanto, quando o empresário fez o tuíte, a situação já havia sido normalizada havia pelo menos quatro meses.

A publicação, verificada pelo Projeto Comprova, ainda diz que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deveria se manifestar sobre o caso. Porém, o imunizante só começou a ser utilizado no Brasil em junho, quando as primeiras doses chegaram ao país e a aplicação já tinha sido retomada nos Estados Unidos.

A reportagem entrou em contato com Otávio Fakhoury pelo Facebook e pelo Instagram. Logo após a solicitação de contato, o post foi excluído e substituído por outro no qual ele alega que a suspensão temporária seria prova do caráter experimental das vacinas —o que também é enganoso.

Caixa branca sobre mesa onde se lê " Janssen Covid-19 vaccine" e, na frente, um frasco da vacina
Vacina da Janssen, um dos imunizantes que estão sendo aplicados no Brasil - Frederic J. Brown - 7.mai.2021/AFP

Por meio da assessoria de imprensa do empresário, ele entrou em contato com a reportagem e afirmou que o primeiro post foi um erro e que, ao perceber, ele excluiu a publicação e fez uma nova com a correção. Quanto à afirmação de que a vacina é experimental, Fakhoury disse se referir ao fato do imunizante ter sido aprovado em caráter emergencial. Além disso, afirmou que os posts em seu Twitter se tratam de opinião e não têm a intenção de espalhar mentiras ou enganar ninguém.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor. O fato de o autor do tuíte ter apagado a publicação considerada enganosa não interrompe a investigação do Comprova. Esta verificação está sendo publicada para esclarecimento das pessoas que tiveram acesso ao tuíte enganoso.

Como verificamos?

A reportagem leu a notícia compartilhada pelo empresário para ver se seu contexto original foi respeitado e notou que ela era antiga. Em vista disso, consultou os sites dos órgãos reguladores citados para conferir o desfecho do caso envolvendo o imunizante da Janssen.

A reportagem assistiu à sessão da CPI da Pandemia para entender o contexto da publicação do empresário e a sua relação com o que foi dito pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE). O parlamentar disse que Fakhoury não perdia a oportunidade de desinformar sobre as vacinas.

Por fim, procuramos o empresário para comentar.

Verificação

Suspensão temporária

O empresário compartilhou uma notícia da versão brasileira do jornal El País que dizia que “Autoridades dos EUA recomendam interrupção da aplicação da vacina Janssen contra a Covid-19 após casos de trombose”. Sem dizer que ela foi postada em 13 de abril, a postagem é enganosa por levar a entender que a situação é atual. Apesar disso, a suspensão já havia sido revogada quatro meses antes.

Em 13 de abril, o Centro de Controle de Doenças e a FDA (Agência de Alimentos e Medicamentos), as duas agências regulatórias dos Estados Unidos, emitiram uma nota conjunta para suspender temporariamente a aplicação da vacina produzida pela Janssen. A nota dizia que haviam sido relatados seis casos de uma mistura rara de coágulos com queda no número de plaquetas.

Àquela altura, 6,8 milhões de pessoas já haviam recebido a vacina. Os casos eram um por milhão de vacinados. Como isso poderia ser sinal de um efeito colateral extremamente raro, a pausa foi sugerida para que os técnicos pudessem investigar os casos.

Isso é um procedimento normal de segurança. As vacinas passam por rigorosos testes em milhares de voluntários que avaliam a eficácia e a segurança delas. Mesmo assim, ainda é possível que elas tenham efeitos colaterais extremamente raros, que só poderiam aparecer quando a vacina é aplicada em milhões de pessoas. Por isso, os órgãos regulatórios mantêm mecanismos de vigilância dos efeitos colaterais mesmo após a autorização.

A pausa da aplicação durou dez dias. Em 23 de abril, os dois órgãos divulgaram que o estudo dos casos permitiu concluir que os coágulos realmente estavam relacionados com a vacina da Janssen. No entanto, reconheceram que a chance deles ocorrerem é “muito baixa” e determinaram a retomada da aplicação.

“A FDA considera que os benefícios conhecidos são maiores do que os riscos conhecidos em indivíduos acima dos 18 anos”, informou a agência. Ela também anunciou que manteria o sistema de vigilância para detectar eventuais aumentos nos riscos trazidos pelo imunizante. A possibilidade de coágulos foi incluída na bula como um efeito colateral muito raro (abaixo de 1 caso para cada 10 mil).

No tuíte apagado, o empresário pede que a Anvisa “se manifeste”. É importante lembrar que embora tenha recebido autorização para uso emergencial em 31 de março da Anvisa, as primeiras doses da Janssen só chegaram no Brasil em 22 de junho —dois meses após sua aplicação ter sido retomada nos Estados Unidos.

Por telefone, Fakhoury disse que o primeiro post, que dava a entender que a suspensão da vacina tinha ocorrido recentemente, foi um erro e que ao perceber ele excluiu a publicação e fez uma nova com a correção.

Testadas e aprovadas

Em seu segundo tuíte, o empresário alega que as vacinas são “experimentais”. Fakhoury disse se referir ao fato do imunizante ter sido aprovado em caráter emergencial e que os posts em seu Twitter se tratam de opinião. “Eu faço opinião, não trato como a publicação de um jornal. Eu não sou contra a vacina. A vacina tem que ser disponibilizada a todos, mas os riscos têm que ser explicados e cada um decide se vai tomar. Ninguém quer mentir ou enganar ninguém. Eu tenho opiniões e tem gente que não gosta”, afirmou.

No Brasil, quatro vacinas estão aprovadas para uso pela Anvisa. A Pfizer e a Astrazeneca têm autorização para uso definitivo. Já Coronavac e Janssen têm autorização para uso emergencial.

De acordo com a Anvisa, nesse tipo de autorização, as vacinas continuam a ser avaliadas e só podem ser usadas pelo governo, não podendo ser comercializadas por clínicas e laboratórios. Apesar da autorização ser concedida de forma mais rápida, a agência exige que o imunizante tenha finalizado todos os testes e comprovado sua eficácia e segurança.

Já a FDA explica que a aprovação em caráter emergencial é mais rápida, mas todos os dados disponíveis são avaliados antes de concedê-la. “Uma vez submetida, a FDA avaliará a solicitação e determinará se os critérios legais relevantes foram atendidos, levando em consideração a totalidade das evidências científicas sobre a vacina que estão disponíveis.” Entre esses critérios, estão dados de segurança e eficácia.

Todas as vacinas em uso já terminaram as três fases de testes em humanos exigidas pela Anvisa e pelas principais agências reguladoras do mundo. A Janssen terminou os testes em janeiro de 2021 e conseguiu uma eficácia global de 66%; a Coronavac também finalizou os testes em janeiro e conseguiu a eficácia de 50,38%; a Pfizer terminou os testes ainda em novembro de 2020 e conseguiu eficácia de 95%; e a Astrazeneca em janeiro, com 82% de eficácia.

O autor do post

Otávio Fakhoury é um empresário e financista apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Desde julho de 2021, é também presidente do diretório estadual do PTB em São Paulo.

Fakhoury é investigado no STF (Supremo Tribunal Federal) em inquéritos que apuram a atuação organizada na divulgação de fake news e na promoção de atos antidemocráticos. O empresário já financiou um dos blogs alvo da Polícia Federal e que já teve conteúdos checados pelo Comprova. Em entrevistas anteriores, o empresário afirma que o inquérito das fake news é “cerceamento à liberdade de expressão”.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que viralizam nas redes. O post verificado aqui teve mais de 1,5 mil interações no Twitter antes de ser apagado.

Conteúdos enganosos que tentam desacreditar as vacinas são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.

O Comprova já esclareceu diversos conteúdos sobre imunização, como, por exemplo, que é enganoso post que afirma que o CDC e Anthony Fauci não acreditam na vacina, que o diagnóstico positivo de Doria não indica ineficácia da Coronavac e que é falso que imunizantes usados no Brasil não passaram por testes de segurança e eficácia.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações disponíveis no dia 16 de agosto de 2021.

A investigação desse conteúdo foi feita por Estadão e Correio Braziliense e publicada na segunda-feira (16) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 33 veículos na checagem de conteúdos sobre ​coronavírus, políticas públicas e eleições. Foi verificada por Folha, Correio de Carajás, SBT, Alma Preta, GZH e BandNews.

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