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Estudo da Prevent não prova que cloroquina funciona contra Covid, diz fundador da empresa

Em entrevista exclusiva, presidente-executivo da operadora afirma que não tem relação com Bolsonaro, mas não critica sua atuação na pandemia

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São Paulo

Em uma sala com vista panorâmica de São Paulo, Fernando Parrillo, 53, comanda, ao lado do irmão Eduardo, a Prevent Senior, que, em 24 anos, construiu uma carteira com 550 mil vidas e emprega 13 mil funcionários (sendo 3.000 médicos), em 11 centros (com 1.200 leitos), formando a maior rede hospitalar da cidade. Nos últimos meses, Parrillo administra também um escândalo.

As acusações contra a empresa, veiculadas pela primeira vez na GloboNews, vão de usar pacientes como cobaias a fraude em atestados de óbito.

Na segunda-feira, (20) dois dias antes do depoimento do representante da Prevent Senior na CPI da Covid, Parrillo falou à Folha com exclusividade. Manteve distância do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas evitou criticá-lo, e afirmou que o estudo feito pela Prevent não prova que hidroxicloroquina ajuda no tratamento da Covid-19.

Fernando Parrillo, presidente-executivo da Prevent Senior, durante entrevista para a Folha em seu escritório em São Paulo
Fernando Parrillo, presidente-executivo da Prevent Senior, durante entrevista para a Folha em seu escritório em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Sobre o estudo

Em 17 de abril de 2020, a Prevent Senior divulgou um estudo que provaria a eficácia da hidroxicloroquina associada a azitromicina no tratamento de Covid. Segundo o comunicado da empresa da época, a pesquisa seria publicada em uma revista científica.

Havia a pretensão de influenciar no enfrentamento público da pandemia. O texto dizia que “os resultados sugerem que o tratamento precoce evita uma internação a cada 28 pacientes que iniciaram o protocolo ambulatorial proposto com hidroxicloroquina associada a azitromicina —o que impacta imensamente o sistema de saúde”.

Na divulgação do estudo, afirmava-se que todos os envolvidos haviam assinado um termo de autorização.

O levantamento, duramente criticado por cientistas, acabou suspenso porque não havia autorização da Comissão de Ética em Pesquisa.

Por que o estudo sobre o uso da hidroxicloroquina associada a azitromicina em pacientes com Covid nunca foi publicado em revista científica? Não se tratava de um estudo científico, era um acompanhamento observacional de pacientes, uma planilha das doenças e a evolução. Não foi usado placebo nem duplo cego, não foi randomizado, como se deve fazer em trabalhos desse tipo. Não faria sentido fazer uma pesquisa no meio da pandemia. Somos uma empresa privada, paga para salvar vidas.

Os pacientes observados nesse estudo consentiram? Eram todos positivos para coronavírus? Sim, todos consentiram. Nem todos estavam testados, porque, lembre-se, estamos falando de março de 2020, havia poucos lugares que faziam os testes e o resultado demorava até uma semana. Se o paciente tinha sintomas e a tomografia de pulmão indicava Covid, oferecíamos a medicação.

Por que o aviso, que aparece em uma mensagem divulgada pela GloboNews, para não avisar paciente e família? Não queríamos criar uma expectativa grande em relação à hidroxocloroquina, porque não havia a droga em quantidade suficiente à época. Era para evitar um boom de pedidos.

Por que vocês não obtiveram autorização da Comissão de Ética em Pesquisa (Conep) para o experimento? Nós pedimos e conseguimos, mas houve um erro, uma confusão interna, e acabamos usando a autorização de um outro estudo. Foi sem querer, deslize de uma equipe que estava trabalhando madrugadas seguidas no atendimento aos pacientes.

O estudo, que vocês chamam agora de “manuscrito”, “rascunho”, prova que o "kit Covid" funciona? "Kit Covid" é um termo inventado. Nós não dávamos apenas hidroxicloroquina associada a azitromicina. Oferecíamos suplemento de zinco, potássio, vitamina D, era um conjunto de substâncias. Mas o nosso artigo não prova que essas drogas funcionam porque, para isso, precisaria de pesquisa científica.

Houve adulteração nos resultados? De forma nenhuma. Descobrimos, em uma investigação interna, que um médico demitido entrou na planilha do estudo e mexeu nos dados. Ele será processado. [A empresa entrou com um requerimento junto à Procuradoria Geral da República pedindo investigação sobre as denúncias].

O estudo falava em duas mortes, mas foram nove. O que houve? Essas sete mortes ocorreram depois que o estudo estava fechado. O prazo de observação dos pacientes era de 26 de março a 4 de abril de 2020. Nesse período, dois pacientes faleceram, um de problemas cardíacos e outro de câncer.

Por que foi passada uma mensagem dizendo ser necessário mudar o CID (classificação internacional de doenças) de doentes de Covid após 14 ou 21 dias de internação? Era maquiagem de dados? De forma alguma. Mudávamos o CID para a pessoa sair do isolamento. Depois desse período de 14 a 21 dias, é muito difícil que ela contamine alguém, sendo desnecessário ficar isolada.

Mas no relatório de alta ou no atestado de óbito constava a causa da internação, a Covid? Com toda certeza.

No caso da mãe do empresário Luciano Hang, foi dado o chamado tratamento preventivo?
Não podemos comentar casos de pacientes.

Se não era uma pesquisa científica, com o rigor necessário, por que vocês divulgaram? Nós queríamos ajudar. Como o mundo inteiro estava perguntando os números, éramos procurados por outros hospitais, autoridades, até gente do exterior, ministro das Bahamas, querendo fazer benchmark, decidimos organizar o que apuramos e divulgar.

Então, o cardiologista Rodrigo Esper errou ao dizer “nós vamos mudar o rumo da medicina”? Quando percebemos que o tratamento precoce evitava internações, ficamos eufóricos, dissemos: aqui tem uma esperança.

Sobre o atendimento atual aos pacientes

No início da pandemia, vários hospitais e centros de pesquisa testaram medicamentos para combater a nova doença, inclusive a associação da hidroxicloroquina com o antibiótico azitromicina. A conclusão é que não funciona.

As atuais diretrizes do NIH (Institutos Nacionais de Saúde do governo dos EUA) não recomendam uso do "kit Covid" em pacientes hospitalizados e nem para os que estão com sintomas leves.

Vocês continuam oferecendo o "kit Covid"? Nós respeitamos a autonomia médica, cada profissional receita o que considerar melhor para o seu paciente.

Mas a comunidade médica mundial já abandonou esse tipo de abordagem. Não existem pesquisas definitivas que apontem que esses medicamentos não funcionam. Na nossa observação empírica, notamos progressos. Na medicina, muitas coisas foram descobertas de forma observacional.

E os efeitos colaterais dessas drogas? Isso depende da dosagem. Na que damos, a cloroquina não faz nem cócegas.

Vocês testam agora os pacientes para Covid? Hoje testamos todo mundo. Usuário da Prevent não tem limite e nem precisa de pedido médico para fazer o teste de Covid.

Vocês fazem ozonioterapia pela via retal no tratamento da infecção pelo novo coronavírus? De forma nenhuma. Teve um paciente que quis tentar essa terapia, a médica dele prescreveu, mas ela trouxe o aparelho de fora, não temos aqui.

Sobre gabinete paralelo

Em 18 de abril de 2020, o presidente Bolsonaro postou nas redes sociais que a Prevent Senior conseguiu reduzir de 14 para 7 dias o tempo no uso de respiradores. Afirmou também que, de 224 pacientes que não usaram cloroquina, 12 foram internados e 5 morreram. Entre os 412 que optaram pelo medicamento, 8 foram internados e não intubados; não houve mortes.

Qual a ligação da Prevent Senior com o governo Bolsonaro? Nenhuma. Eu nunca encontrei o presidente nem falei ao telefone com ele. Não me envolvo em política.

Na mensagem que o presidente divulgou nas redes sociais ele cita o senhor. Fiz várias lives nesse período, ele pode ter tirado os dados de lá.

Vocês trabalham com o chamado gabinete paralelo da saúde? De jeito nenhum. Nise Yamaguchi já esteve nos nossos hospitais por causa de pacientes dela, mas ela não trabalha para nós.

O deputado Ivan Valente (PSOL) protocolou um pedido de esclarecimento para averiguar se houve uma reunião, em 1/04/2020, no Palácio do Planalto em que estariam Pedro Batista Jr., da Prevent, a advogada Karina Kufa e Leo Sanchez, do laboratório EMS. Esse encontro existiu? Não que eu saiba. Pedro não foi a Brasília nessa época.

Como o sr. avalia o desempenho do presidente Bolsonaro no combate à pandemia? Ninguém estava preparado para a pandemia. Todos acertaram e erraram, como nós. Era um desespero diário, no privado e no público. Foi um estresse grande. Não havia respostas. Bolsonaro, Doria e Covas tentaram fazer o melhor. Quem fez certo? A história vai dizer, mas quando a pandemia acabar.

Mas agora Bolsonaro não usa máscara, diz que não tomou a vacina… Sou a favor de vacina, de qualquer forma de deter o vírus. Tem que usar máscara.

A Covid é uma “gripezinha”? Nunca foi. Minha mãe quase morreu da doença e nós vimos o que houve com a nossa clientela.

As falas de Bolsonaro ajudaram a empresa? De jeito nenhum, é propaganda negativa. Mas posso dizer que, apesar de todo o bombardeio midiático, que dói, nós crescemos 20% de 2020 a 2021. Ingressaram 60 mil pessoas. Quem cresce na crise? Até nós nos espantamos.

Qual a sua avaliação da atuação da Prevent Senior na pandemia? Fizemos o máximo. Todos os profissionais foram incansáveis. Graças a Deus, tivemos sucesso com muita gente.

Fernando Parrillo, 53, tem formação em Administração de Empresas e Ciências Contábeis pela Unip (Universidade Paulista). Fundou a Prevent Senior em 1997 com o irmão Eduardo Parrillo.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto identificava incorretamente Fernando Parrillo como diretor-executivo da Prevent Senior. O correto é presidente-executivo.  

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