Variante mu: o que se sabe sobre linhagem do coronavírus prevalente na Colômbia

Identificada no Brasil, cepa é tratada pela OMS como 'variante de interesse'

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BBC News Brasil

Há pouco mais de uma semana, uma variante do coronavírus inicialmente identificada em janeiro na Colômbia entrou para a lista de mutações do Sars-CoV-2 sob monitoramento da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A variante mu (ou B.1.621) passou a ser considerada "variante de interesse" pela OMS, por ter "uma constelação de mutações que indicam propriedades potenciais de escape da imunidade", ou seja, da proteção das vacinas –o que ainda precisa ser confirmado por mais estudos, segundo o boletim da organização divulgado em 31 de agosto.

A mu (em português, mi) é, por enquanto, uma "variante de interesse" sendo monitorada pela OMS –já as variantes alpha, beta, gamma (a identificada no Brasil) e delta são consideradas "variantes de preocupação".

Paciente internado recebe tratamento contra o coronavírus em Bogotá - Luisa Gonzalez - 3.jun.2021/Reuters

"Desde que foi identificada na Colômbia, em janeiro de 2021, houve alguns registros esporádicos de casos da variante mu e alguns surtos maiores foram relatados em outros países da América do Sul e na Europa", diz o boletim da OMS.

Por enquanto, prossegue a agência intergovernamental, a prevalência da mu é de menos de 0,1% entre os casos sequenciados de coronavírus em todo o mundo.

Mas, localmente, sua prevalência tem "aumentado constantemente" na Colômbia e no Equador, onde responde por –respectivamente– 39% e 13% dos casos sequenciados. Esses dados, porém, devem ser lidos com cautela, diz a OMS, uma vez que a maioria dos países do mundo tem baixa capacidade de monitorar o sequenciamento genético das variantes da Covid-19.

Estima-se no momento que a mu circule em mais de 40 países, no Brasil inclusive –já há relatos de casos confirmados por aqui.

Mas, segundo a plataforma aberta Gisaid, que compila dados genômicos virais, a mu representa 0% dos casos sequenciados no Brasil. A plataforma calculou haver, até o momento, dez casos identificados da mu de um total de quase 35 mil sequenciados, ou seja, casos em que o vírus teve sua análise genômica realizada.

No México, a mu representa 1% dos casos sequenciados. Nos EUA, 0%, mas, em números absolutos, foram detectados mais de 1.700 casos sequenciados da Mu.

Já na Colômbia, autoridades de saúde têm afirmado à imprensa local que a mu já é a variante predominante em circulação no país, que por enquanto tem menos de um terço de sua população vacinada contra o vírus.

A terceira onda da Covid-19 no país sul-americano, entre abril e junho, tem sido atribuída a essa variante.

Nesse período, quando a Colômbia registrou cerca de 700 mortes por dia, quase dois terços dos testes genéticos realizados nas vítimas fatais indicaram a presença da variante mu, declarou a uma rádio local, em 2 de setembro, Marcela Mercado, diretora de pesquisas do Instituto Nacional de Saúde.

Delta ainda concentra as preocupações

O instituto colombiano apontou que a variante mu tem demonstrado ter uma grande capacidade de transmissão.

É importante destacar que o surgimento de variantes é esperado dentro do ciclo de avanço de um vírus durante uma pandemia como a atual, principalmente em locais onde a circulação desse vírus ainda é alta. A maioria das mutações tem pouco ou nenhum efeito nas propriedades do vírus.

Mas, nesse processo, algumas variantes mais perigosas emergem –e por enquanto a delta é a que mais desperta preocupação no mundo, por ter demonstrado uma grande capacidade de transmissão e já ter sido identificada em cerca de 170 países.

No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a delta é considerada a variante predominante desde meados de agosto.

"Quando um vírus se estabelece, começa a haver uma competição entre as várias linhagens, ou tipos de vírus. Isso favorece os tipos mais transmissíveis e que geram mais casos, como tem sido com a delta em todos os lugares por onde ela passou no mundo", explica à BBC News Brasil o doutor em microbiologia e divulgador científico Átila Iamarino.

Profissionais da saúde aplicam vacina contra a Covid em Bogotá - Luisa Gonzalez - 15.ago.2021/Reuters

O que torna a delta mais problemática, diz ele, é que pessoas infectadas com essa variante podem apresentar grandes quantidades de vírus nas vias aéreas superiores (como nariz , boca e laringe) mais cedo do que teriam com a versão original do coronavírus, mesmo que assintomáticas. Com mais vírus no corpo, essa pessoa pode transmiti-lo mais facilmente e ter seu sistema imunológico testado mais duramente. Por isso, detalha Iamarino, "a delta infecta pelo menos o dobro do que o coronavírus tradicional".

"Qualquer outra variante precisa competir com isso para poder predominar, e nenhuma delas fez isso até aqui. (...) Independentemente se a variante vem aqui do lado (como o caso da mu na Colômbia) ou da Índia, é questão de tempo para (uma variante tão transmissível como a delta) predominar, como a gente viu acontecer."

O que causa alarme é o fato de a delta ter avançado até mesmo em países que já têm alta cobertura vacinal. O que não significa, porém, que essa cobertura vacinal não tenha efeito, muito pelo contrário: quanto mais gente vacinada com duas doses (ou com vacina de dose única), menor a chance de as variantes surjam e encontrem terreno para proliferar.

"Apesar de pessoas com até duas doses poderem contrair e transmitir a delta, as vacinas ainda a barram muito bem", prossegue Átila Iamarino. "Ela é claramente preocupante, mas conseguimos barrá-la."

O que chama a atenção na variante mu

E quanto à variante mu? Em artigo na plataforma acadêmica The Conversation, o professor de bioquímica da universidade Trinity College, na Irlanda, Luke O'Neill, resumiu o que faz com que essa variante tenha entrado no radar da OMS.

O'Neill explicou que, segundo estudos ainda em fase pré-print (e que portanto ainda precisam passar por escrutínio da comunidade científica), a mu tem uma mutação chamada P681H, semelhante à observada na variante britânica alpha e que potencialmente a torna mais transmissível. "(Mas) não podemos ter certeza dos efeitos da P681H sobre o comportamento do vírus até o momento", escreveu O'Neill.

Outras mutações da mu também estão associadas a uma maior capacidade de evadir os anticorpos criados contra o coronavírus, continuou o pesquisador. Nesse caso, a evidência parece ser mais robusta. "Essas mutações também ocorrem na variante beta, e é possível que a mu se comporte como a beta, contra a qual algumas vacinas são menos eficientes", detalhou.

O'Neill reforçou a conclusão da OMS de que a variante mu ainda carece de mais estudos, para que possamos entender melhor seu comportamento e, portanto, seu perigo. "A epidemiologia da mu na América do Sul, particularmente com a co-circulação da delta, será monitorada", escreveu a OMS em seu boletim.

Até 29 de agosto, afirmou a OMS, havia mais de 4.500 análises genômicas confirmadas da variante mu pelo mundo, identificadas nas quatro semanas anteriores e contabilizadas pela plataforma Gisaid.

Para Átila Iamarino, é importante continuar a monitorar variantes, como é o caso da mu, mesmo que até o momento elas não pareçam tão ameaçadoras quanto a delta. É só com esse tipo de monitoramento que saberemos, por exemplo, se alguma outra variante além da delta conseguirá avançar em locais com altas taxas de vacinação –algo que seria um "sinal de alerta muito grande", diz o microbiologista.

Uma vez que o avanço maior da vacinação no mundo consiga barrar melhor o avanço da delta, "pode ser que, lá na frente, outras variantes que nem sejam tão transmissíveis, mas que escapam da vacinação, consigam predominar. Mas não é o caso até aqui, em que a delta predomina tanto em lugares que vacinaram muito como em lugares que vacinaram pouco", afirma Iamarino.

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