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Grupo da UFABC desenvolve nanocomposto para tratar câncer de forma direcionada

Nanopartículas permitem direcionar ataque apenas para as células doentes

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Janaína Simões
Agência Fapesp

Pesquisadoras da Universidade Federal do ABC (UFABC) desenvolveram uma plataforma nanotecnológica para tratar tumores de forma direcionada, sem afetar tecidos saudáveis e com menos risco de efeitos colaterais. Para obter esse efeito, foram utilizadas nanopartículas superparamagnéticas –propriedade física que permite direcionar o nanocomposto para atacar apenas as células doentes.

“É um material novo, original, constituído por um núcleo magnético de magnetita [Fe3O4] ao qual são adicionadas nanopartículas de prata [AgNPs] e um revestimento de polímero contendo doador de óxido nítrico [NO]. Tem baixa toxicidade e boa biocompatibilidade. Já depositamos um pedido de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) no Brasil”, conta Amedea Barozzi Seabra, professora da UFABC.

 Fachada da UFABC
Fachada da UFABC - UFABC/Facebook/Reprodução

Ela é uma das cientistas envolvidas no projeto. A pesquisa foi desenvolvida em parceria com a UEL (Universidade Estadual de Londrina ) e a Universidade de Lorraine, na França.

Como explica Seabra, um composto magnético pode ser guiado até o local de interesse pela aplicação de um campo magnético externo.

No caso do superparamagnetismo, quando o campo magnético é aplicado, as nanopartículas orientam a temperatura ambiente e, quando o campo é retirado, elas se desorientam e voltam imediatamente ao estado inicial, sem magnetização remanescente.

“É como se fosse um interruptor de luz: você aperta e a luz acende; aperta novamente e ela apaga; tudo a temperatura ambiente”, acrescenta.

Joana Claudio Pieretti é a autora principal do artigo que descreve os resultados da pesquisa, publicado no Journal of Materials Science: Materials in Medicine. Ela foi orientada por Seabra no projeto de mestrado que resultou na plataforma nanotecnológica e contou com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Ambas são pesquisadoras do Centro de Ciências Naturais e Humanas (CCNH) da UFABC.

Segundo Seabra, atualmente, a tendência da ciência é desenvolver materiais multifuncionais e versáteis, como é o caso de cosméticos hidratantes que também promovem a firmeza da pele e amenizam rugas de expressão.

“Nossa ideia foi desenvolver um único material e agregar funcionalidades a ele. Fomos adicionando elementos à nanopartícula, cada um com uma função, para chegar a um composto capaz de tratar diversos tipos de tumores”, comenta.

A magnetita foi selecionada por ser superparamagnética. A esse material foram adicionadas nanopartículas de prata obtidas por meio de um processo que envolve extrato de chá verde, que é rico em moléculas antioxidantes, como os polifenóis e a cafeína.

“Essas moléculas atuam como potentes agentes redutores, ou seja, reduzem os íons de prata formando nanopartículas de prata e também ajudam a estabilizá-las”, explica Pieretti.

Segundo a pesquisadora, as nanopartículas de prata são usadas há muito tempo para combater infecções bacterianas e também são conhecidas por sua ação antitumoral. Os dois efeitos terapêuticos podem ser potencializados pelas moléculas de chá verde que ficam na superfície da partícula.

“Mas ainda não era suficiente, então agregamos um polímero biodegradável natural extraído de crustáceos, conhecido como quitosana, mas modificado. Cabe à quitosana revestir o material e liberar o óxido nítrico, que também auxilia na ação antibacteriana e antitumoral”, conta.

Testes em células

Diferentes linhagens de células de câncer de próstata e de osso (osteossarcoma) foram usadas nos testes in vitro.

“Há estudos focados no desenvolvimento de nanopartículas que tratem tumores específicos, mas nós pensamos em algo versátil, em usar essa nanopartícula para tratar diferentes tipos de tumor sólido, como mama ou próstata, casos em que é possível levar a nanopartícula no local afetado. A ideia é empregar o nanocomposto em tumores sólidos resistentes à quimioterapia e à radioterapia, os mais difíceis de tratar”, explica Seabra.

“Como a nanopartícula desenvolvida é direcional, já que utiliza um composto superparamagnético, não seria interessante usá-la para um tumor como a leucemia, por exemplo, pois é um câncer que está no sangue e não em um órgão específico”, acrescenta Pieretti.

Compatibilidade sanguínea

Além do desenvolvimento, caracterização físico-química e morfológica, análise da eficácia terapêutica, com ensaios biológicos para analisar a ação antitumoral e medições da liberação do óxido nítrico do material, foi feita também a análise da hemocompatibilidade do nanocomposto (avaliação da interação com as células sanguíneas).

Essa parte da pesquisa foi conduzida na Universidade de Lorraine, em Nancy, na França, onde Pieretti estagiou com apoio da Fapesp.

“Não podemos nos arriscar a colocar algo na corrente sanguínea com ação antitumoral, mas que cause trombose, por exemplo”, conta Seabra. Os resultados desses estudos serão divulgados em breve.

Hipertermia

A plataforma nanotecnológica tem potencial, ainda, para ser aplicada no tratamento do câncer por hipertermia –técnica que visa promover o aumento de temperatura no tecido tumoral por meio do direcionamento de nanopartículas superparamagnéticas e da aplicação de um campo magnético, a fim de desnaturar as proteínas, causando danos nas células tumorais.

É como provocar um estado febril apenas no órgão atacado pelo câncer. Além disso, esse material seria capaz de liberar o óxido nítrico, conhecido agente antitumoral.

Por usar o superparamagnetismo, há possibilidade de se orientar e desorientar as nanopartículas de forma seguida e rapidamente, um processo que gera energia e aumenta a temperatura no local onde o composto está atuando. “Temos essa possível aplicação da plataforma, mas ainda não foi avaliada”, comenta Seabra.

Para dar continuidade ao projeto, seria necessário fazer testes in vivo, o que depende do estabelecimento de acordos de cooperação com outros grupos de pesquisa. Pieretti está agora cursando doutorado e continua a trabalhar com estratégias de nanopartículas alinhadas ao óxido nítrico em aplicação antitumoral. Ela pretende fazer novo estágio de pesquisa no exterior, no qual deverá conduzir testes em in vitro e, possivelmente, in vivo, dessa vez com o foco no tratamento do câncer de fígado.

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