Monitor de CO2 é nova arma de pais contra Covid nas escolas dos EUA

Equipamentos são enviados até de forma clandestina para checar se prédios são seguros

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Emily Anthes
The New York Times

Quando a arquiteta Lizzie Rothwell, da Filadélfia, mandou seu filho para a terceira série neste outono, ela colocou na mochila azul lápis, papel almaço e um monitor portátil de dióxido de carbono (CO2) .

O dispositivo lhe ofereceu uma maneira rápida de avaliar quanto ar fresco estava fluindo pela escola. Baixos níveis de dióxido de carbono indicariam que estava bem ventilada, reduzindo a probabilidade de seu filho contrair o coronavírus.

Mas ela rapidamente descobriu que durante o almoço os níveis de CO2 na lanchonete aumentavam para quase o dobro dos recomendados pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC na sigla em inglês). Ela compartilhou a informação com o diretor da escola e perguntou se os alunos poderiam comer do lado de fora.

"Ele manifestou surpresa pelo fato de eu ter os dados", disse ela.

Nos EUA, pais usam monitores de CO2 para testar a ventilação das salas de aula como prevenção a Covid. Nesta escola em SP, os alunos usam máscaras - Keiny Andrade/Folhapress

Rothwell faz parte de um grupo cada vez maior de pais que põem monitores de CO2 nas escolas de maneira clandestina para checar se as salas de aulas dos filhos estão seguras. A Aranet, que fabrica um monitor muito usado pelos pais, diz que os pedidos duplicaram desde o início do novo ano escolar.

Alguns sistemas escolares incluíram os monitores nas medidas oficiais de combate à pandemia. A cidade de Nova York distribuiu os equipamentos a todas as escolas públicas, e o governo do Reino Unido anunciou planos de fazer o mesmo.

Mas em outros lugares os pais estão resolvendo por conta própria e colocam os monitores –que podem custar US$ 100 ou mais (mais de R$ 550 reais)– escondidos nas mochilas ou nos bolsos de seus filhos.

Os equipamentos, que podem ser regulados para fazer leituras a intervalos de minutos, funcionam melhor expostos ao ar aberto, mas podem gerar dados informativos desde que não estejam completamente abafados, disse o doutor Alex Huffman, cientista de aerossóis na Universidade de Denver que enviou monitores para a escola com seus filhos.

(Ele recomendou deixar as mochilas ou os bolsos das calças abertos, ou colocá-los no bolso para garrafa de água que hoje é comum nas mochilas.)

Muitos pais criaram uma comunidade no Twitter em que usam a hashtag #CovidCO2 para trocar dicas sobre como entrar com os monitores disfarçadamente nas salas de aula, como interpretar os dados que eles coletam e como informar à escola suas descobertas.

Alguns diretores de escolas reprovaram essas iniciativas meio de guerrilha de monitoração do ar, mas os pais dizem que os dispositivos lhes oferecem dados para defender seus filhos.

"É possível que o distrito escolar não fique muito contente com isso porque nos dá uma janela para o fato de que eles podem não estar tratando a ventilação tão seriamente quanto deveriam", disse o doutor Huffman.

Uma janela para o ar

O coronavírus se dissemina por meio de gotículas transportadas pelo ar, conhecidas como aerossóis. Melhorar a ventilação em espaços fechados reduz a concentração de aerossóis e o risco de infecção num espaço fechado, mas não há maneiras fáceis de membros do público medirem a taxa de ventilação --quanto menos o acúmulo de aerossóis nesses espaços.

"Idealmente, haveria uma máquina que custa US$ 100 e começa a bipar se houver vírus no ar", disse Jose-Luis Jimenez, cientista de aerossóis na Universidade do Colorado em Boulder, que está enviando um monitor de CO2 para a escola com seu filho. Mas na ausência desse equipamento, disse ele, "o CO2 é algo que oferece um sinal acessível e muito importante".

Cada vez que exalamos o ar, expelimos não apenas aerossóis, mas também dióxido de carbono; quanto pior a ventilação, mais CO2 se acumula em um espaço ocupado.

"Quando vemos o CO2 subir, significa que a concentração de aerossóis está aumentando", disse o doutor Huffman. "Levar o sensor por apenas um ou dois dias pode lhe dar uma janela muito interessante e útil sobre o mundo da ventilação naquele espaço."

Jeanne Norris, que vive na área de St. Louis (Missouri), disse que comprou seu monitor depois de perder a confiança nas autoridades do distrito escolar de seu filho.

"Eles não foram muito transparentes sobre a ventilação", disse ela. "Dizem que está boa e que fizeram os testes, mas não compartilham os dados."

Norris e seu marido são professores de ciência, e até agora seus dados sugerem que a ventilação é excelente em suas classes. Mas os níveis de CO2 na sala de aula de seu filho às vezes ultrapassam 1.300 partes por milhão (ppm). O CDC recomenda que o nível de CO2 em espaços internos fique abaixo de 800 ppm.

Depois de coletar mais dados, ela pretende levar suas conclusões a autoridades escolares e pedir que melhorem a ventilação. "Estou querendo ser criativa e pensar junto com eles", disse ela.

Alguns pais receberam resultados. Quando Jeremy Chrysler, de Conway, no Arkansas, enviou um monitor com sua filha de 13 anos, neste outono, as leituras de CO2 estavam disparadas, em 4.000 ppm.

Ele levou os resultados a autoridades distritais, que descobriram que dois componentes do sistema de ventilação e ar-condicionado (HVAC na sigla em inglês) não funcionavam adequadamente. Depois que as unidades foram consertadas, o nível de CO2 despencou.

"O que minhas medições mostraram foi que medir o CO2 pode identificar problemas às vezes fáceis de consertar", disse ele.

Embora Rothwell não tenha convencido a direção da escola de seu filho a mudar o almoço para a área externa, o diretor disse que vai melhorar a ventilação na lanchonete, segundo ela.

Resultados podem variar

"Há algumas histórias de sucesso", disse Kimberly Prather, química atmosférica na Universidade da Califórnia em San Diego. "Infelizmente, soube que mais pais foram rejeitados."

Depois que Shanon Kerr, de Waterloo, no Canadá, encontrou níveis de CO2 em alguns espaços da escola de sua filha, pediu que autoridades distritais monitorassem a qualidade do ar em todo o edifício, oferecendo até seu próprio monitor de CO2. "Eles foram muito negativos", disse ela.

Em um email ao jornal The New York Times, Loretta Notten, diretora de educação do Conselho Escolar Distrital Católico de Waterloo, disse que testes nas classe que Kerr identificou revelaram que o nível de dióxido de carbono "estava dentro de parâmetros aceitáveis".

O teste da qualidade do ar é feito em uma base "quando necessário", disse ela: "O conselho não pretende realizar monitoramento constante de dióxido de carbono". (Kerr também encontrou resistência mais perto de sua casa. Sua filha não quer mais levar o monitor para a escola. "Eu a estive subornando com chocolate, mas não está mais funcionando", disse ela.)

Graham Freeman, pai de dois meninos em Santa Cruz, na Califórnia, disse que seu pedido para enviar monitores de CO2 à escola com seus filhos foi recusado.

Kris Munro, superintendente das Escolas da Cidade de Santa Cruz, disse que está confiante na reforma da ventilação que o distrito realizou no último inverno e que seria inadequado colocar alguns estudantes na posição de monitores da qualidade do ar na escola.

"É nossa responsabilidade garantir que todos os espaços sejam seguros", disse ela. "Não ter indivíduos vindo ao campus para descobrir: um determinado espaço é seguro?"

Freeman tem mandado os monitores para a escola de qualquer forma, nos bolsos dos filhos. Ele foi surpreendido positivamente pelas leituras, que ficaram abaixo de 700 ppm enquanto as portas e janelas da sala de aula ficaram abertas.

Mas os monitores captaram um pequeno aumento, quando o CO2 subiu a mais de 900 ppm, durante um teste de lockdown na escola média de seu filho, quando o professor fechou a porta da sala.

Um monitor por sala

Há limitações para a monitoração. Alguns equipamentos são mais confiáveis que outros, e as leituras podem ser alteradas por diversos fatores, inclusive onde ele estiver colocado.

As crianças ainda podem pegar o vírus em espaços com baixos níveis de CO2 e boa ventilação. E filtros de ar de boa qualidade podem captar aerossóis virais, mas não têm efeito sobre os níveis de dióxido de carbono. Por isso, nas escolas que instalaram esses filtros as leituras de CO2 podem exagerar o risco de transmissão viral.

Mesmo na ausência de vírus, porém, reduzir o nível de dióxido de carbono em espaços fechados pode ser benéfico. Estudos mostram que níveis moderados do gás podem toldar o pensamento e que melhorar a ventilação pode reforçar o desempenho em tarefas cognitivas.

É claro que muitas famílias não podem pagar por um monitor de US$ 100 –e não deveriam precisar, segundo pais e cientistas.

Crhysler, cujas leituras de CO2 levaram seu distrito em Arkansas a consertar o sistema de ar-condicionado, agora faz lobby para que as autoridades comprem monitores de qualidade do ar para cada sala de aula do distrito.

Apontando para a Bélgica, que obrigou a colocar monitores em restaurantes, academias e outros prédios, Jimenez disse que gostaria que todos os espaços públicos fechados oferecessem uma exibição permanente do nível de CO2: "É algo que deveríamos fazer constantemente nas escolas e em todos os lugares onde compartilhamos ar".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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