Número de pessoas infartadas em Israel não cresceu após vacina

É enganoso que motos e desfibriladores estejam sendo mais usados para socorrer quem se imuniza contra Covid

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São Paulo

Motos e desfibriladores não estão sendo empregados em Israel para socorrer pessoas que estariam infartando “como moscas” após terem sido vacinadas contra a Covid-19. A afirmação, verificada pelo Projeto Comprova, foi feita de forma enganosa em uma live da qual participam uma apresentadora e um estilista brasileiro que mora em Tel Aviv.

Procurado, o Ministério da Saúde do país negou aumento de ocorrências coronárias, incluindo infarto. Além disso, os dois equipamentos citados no vídeo já eram utilizados pelo serviço nacional de atendimento a emergências e desastres antes da pandemia e da vacinação.

A reportagem procurou a dona do canal em que foi realizada a live, mas ela não respondeu até a publicação da verificação.

Agente de saúde aplica vacina em judeu de máscara branca e chapéu preto
Vacinação em Jerusalém, em Israel - Ronen Zvulun - 15.ago.2021/Reuters

O conteúdo foi considerado enganoso porque usa dados imprecisos.

Como verificamos?

O Comprova assistiu à live, seguindo solicitação de um leitor que enviou o conteúdo por WhatsApp.

A partir do vídeo, capturou duas imagens —da moto e do desfibrilador— utilizando uma extensão para o navegador Chrome chamada Awesome Screenshot. A partir disso, foi utilizada a ferramenta TinEye para buscar imagens semelhantes publicadas na internet com auxílio de diversos buscadores, como o Google e outros.

Identificou que as imagens são de equipamentos pertencentes ao MDA (Magen David Adom), o serviço nacional de atendimento a emergências médicas e desastres de Israel. A reportagem encaminhou um e-mail, que não foi respondido.

Também foi contatado o Ministério da Saúde do país e realizada pesquisa a respeito de eventual relação causal entre as vacinas contra a Covid-19. A reportagem também analisou os alertas sobre risco de miocardite e pericardite pós-vacinação com imunizantes com RNA mensageiro, como o da Pfizer.

Em seguida, foi realizado o levantamento de dados relacionados à vacinação e contaminação em Israel e, ainda, pesquisado quem são as duas pessoas que aparecem no vídeo. O Comprova procurou, por fim, a autora do perfil em que a entrevista foi publicada.

Verificação

Antes da vacinação

Na live realizada no dia 29 de setembro, a apresentadora Karina Michelin e o estilista Mauricio Pollacsek, que mora em Tel Aviv, estão falando sobre a vacinação em Israel, embora utilizem eufemismos para se referirem ao assunto, como as palavras “agulhinha” e “benção”.

A partir de dezesseis minutos e oito segundos, ela afirma que, recentemente, motos começaram a rodar em Israel e desfibriladores foram espalhados por toda a cidade, pedindo para ele comentar o assunto.

Enquanto são apresentadas fotos dos equipamentos, o estilista afirma que a função da moto é apenas socorrer infartados e que estes “estão por todo lado”. Sem apresentar fontes, o estilista diz que estas pessoas possuem entre 18 e 30 anos e estão “infartando assim, como moscas”, acrescentando que 100% destes casos são de pessoas vacinadas.

O Comprova identificou postagens comprovando que as motocicletas já eram utilizadas antes de 2020, ou seja, quando não existia pandemia. No país, empresas interessadas em operar motocicletas de primeiros socorros precisam obter uma licença de operação do Ministério da Saúde.

Tanto a moto quanto o desfibrilador mostrados em fotos pertencem ao Magen David Adom , o serviço nacional de atendimento a emergências médicas e desastres de Israel, idealizado em 1915 e reconhecido por lei desde a fundação do estado.

Dentre os veículos que compõem a frota do MDA estão listadas as motos de suporte avançado de vida, cuja principal característica é o bom tempo de resposta no atendimento, principalmente em casos de obstrução respiratória, hemorragia maciça ou arritmias letais.

“O curto tempo de resposta para iniciar o tratamento médico avançado permite utilizar os recursos da Organização de maneira mais eficaz, chegar ao paciente imediatamente e fornecer ao paciente o tratamento servido por um paramédico experiente”, informa o site da empresa.

Há, ainda, a motocicleta de suporte de vida que permanece de plantão, sendo operada por um funcionário ou voluntário para acesso rápido às ocorrências principalmente em congestionamentos urbanos.

No site em hebraico da organização, é descrito que o serviço conta com cerca de 600 motocicletas que chegam ao local de ocorrência em 1 a 4 minutos, com equipamento médico adequado para a realização de operações que salvam vidas até a chegada da ambulância.

Sobre o desfibrilador, o estilista entrevistado diz que os equipamentos estão sendo instalados em “todo lugar”.

De fato, em Israel, o uso de equipamentos para reanimar vítimas de ataques cardíacos é aprovado pelo Ministério da Saúde e as máquinas estão espalhadas por parques, bairros, sinagogas e ruas. O aparelho não necessita de conhecimento médico para ser utilizado e pessoas comuns conseguem manusear, pois ao ser acionado ele mesmo fornece instruções para guiar o usuário.

Ao mesmo tempo, uma equipe do call center 101 —específico do MDA— recebe um chamado automático do equipamento e fica em contato com quem está manuseando o aparelho até que as equipes médicas cheguem ao local. O Comprova identificou que os desfibriladores já eram instalados no país antes da vacinação, como mostra este post, de julho de 2020, que comemora a inauguração de um novo posto para desfibrilador inteligente na cidade de Tiberíades.

Vacina e coração

O Ministério da Saúde de Israel informou não haver aumento da síndrome coronariana, que inclui ataques cardíacos, em adultos jovens.

Em junho, o Ministério da Saúde informou ter nomeado uma equipe epidemiológica para investigar a possível ligação entre casos de miocardite e a vacina. Conforme a publicação, entre dezembro de 2020 e maio de 2021, foram notificados 275 casos de miocardite e, destes, 148 ocorreram na época da vacinação.

As equipes concluíram haver alguma probabilidade de ligação entre a segunda dose e o aparecimento do problema entre homens jovens de 16 a 30 anos. Esta ligação foi considerada mais forte entre o grupo de idade mais jovem, de 16 a 19. Na maioria dos casos, a miocardite assumiu a forma de doença leve que passou em poucos dias.

Em maio, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) norte-americano também citou casos de miocardite relatados ao Sistema de Notificação de Eventos Adversos de Vacinas, relacionados aos imunizantes de RNA mensageiro.

Em setembro, informou que continua monitorando ativamente relatos de miocardite e pericardite após a vacinação, o que inclui a revisão de dados e registros médicos e a avaliação da relação com a vacinação. Os casos incluem principalmente adolescentes e adultos jovens do sexo masculino.

A miocardite é a inflamação do músculo cardíaco e a pericardite é a inflamação do revestimento externo do coração. Em ambos os casos, o sistema imunológico causa uma inflamação em resposta a uma infecção ou algum outro fator. Os sintomas podem incluir dor no peito, falta de ar ou palpitações.

O CDC continua a recomendar que todas as pessoas com 12 anos ou mais sejam vacinadas, defendendo que os riscos conhecidos da doença e suas complicações, possivelmente graves, como problemas de saúde de longo prazo, hospitalização e até morte, superam em muito os riscos potenciais de ter uma rara reação adversa à vacinação, incluindo o eventual risco de miocardite ou pericardite.

No Brasil, onde a Pfizer está registrada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária para uso por meio do Programa Nacional de Imunizações, do Ministério da Saúde, o órgão emitiu em julho um alerta sobre risco de miocardite e pericardite pós-vacinação, com base nos casos dos Estados Unidos. Os alertas sobre potenciais ocorrências dos dois problemas foram incluídos na bula do imunizante.

Até o momento, a Anvisa não relatou casos dessas complicações no Brasil. A agência brasileira esclareceu, na ocasião do alerta, que o risco de ocorrência desses eventos adversos é baixo, mas recomendou aos profissionais de saúde que fiquem atentos e perguntem às pessoas que apresentarem sintomas se elas foram vacinadas, especialmente com a vacina da Pfizer.

Vacinação em Israel

Israel tem hoje mais de 60% da população com idade acima dos 50 anos imunizada com três doses contra a Covid. Mais de 80% acima dos 30 anos foi vacinada com a segunda e mais de 70% daqueles acima dos 16 anos com a primeira.

No momento, o país atua para conter a quarta onda de contaminação, com a média diária caindo cerca de 54% nas últimas duas semanas e o número de casos graves entre os hospitalizados diminuindo. Conforme a imprensa local, a Covid está se tornando, em Israel, uma pandemia de não vacinados.

No último dia 3, foram introduzidas novas regras para determinar o status de vacinação contra o coronavírus, tornando a injeção de reforço —terceira dose— uma exigência para inoculação completa e para passaportes de vacinação.

Para serem consideradas totalmente vacinadas no país, as pessoas devem atender a um dos seguintes critérios: ter 12 anos ou mais e ter recebido uma injeção de reforço há pelo menos uma semana; estar dentro de seis meses após ter recebido uma segunda injeção de vacinação; ou estar dentro de seis meses após ter testado positivo para Covid-19.

Conforme a plataforma que apresenta os dados relacionados à pandemia em Israel, em números absolutos, as pessoas vacinadas com a segunda dose na faixa etária dos 20 e 49 anos são maioria das internadas no país, o que é natural quando a maior parte desta população está imunizada com pelo menos duas doses.

Quando essa análise é feita comparando-se o índice de internados para cada 100 mil habitantes, o número de pacientes não imunizados supera em muito os internados que receberam duas ou três doses de vacina.

Desta forma, é possível analisar que as pessoas imunizadas com duas ou três doses estão desenvolvendo formas leves da Covid-19.

Dados do Ministério da Saúde apontam que após as doses de reforço, os idosos israelenses totalmente inoculados têm uma chance em cinquenta de morte por Covid em comparação com pessoas não vacinadas na mesma faixa etária.

Nos últimos sete dias de setembro, por exemplo, houve 6,43 mortes diárias por cada 100 mil israelenses com mais de 60 anos. Para os idosos que foram vacinados três vezes, esta média caiu para 0,13. Já a mortalidade diária para os idosos duplamente vacinados foi de 1,5.

A live e os autores

A live foi realizada no canal de Karina Michelin, que afirma ser apresentadora, jornalista e atriz. Sobre a página no YouTube, ela afirma ter como objetivo “evoluir a espécie humana neste mundo contemporâneo, completamente focado na arte do Pensamento Livre”.

Essa é a quarta vez que vídeos de Karina são verificados pelo Comprova. Em uma delas, concluiu-se ter sido apresentado um índice de forma equivocada e que errou ao dizer que pesquisadores da OMS não têm citações acadêmicas.

Em outra, o Comprova identificou não haver nenhuma evidência de que vacinas possam modificar a composição genética das pessoas. Uma terceira concluiu serem falsas alegações sobre validade de testes e notificações erradas nos EUA.

No vídeo aqui verificado, ela entrevista o estilista Mauricio Pollacsek, que se mudou para Tel Aviv há mais de 10 anos e no Brasil foi criador da marca Moshe. O Anuário Brasil-Israel 2014, produzido pela Câmara Brasil Israel de Comércio e Indústria, traz uma reportagem sobre o estilista paulistano.

Conforme a publicação, ele se formou na Universidade da Filadélfia e trabalhou em diversas empresas do setor nos Estados Unidos, no Brasil e em Israel como designer e ilustrador de moda, além de dar aulas na Academia de Design e Educação Wizo, em Haifa.

Apesar de nem Karina, nem Pollacsek serem especialistas em saúde, o tema da entrevista gira apenas em torno da pandemia e, além da afirmação enganosa sobre as motos e os desfibriladores, gera outras desinformações. Sem apresentar fontes e dados, por exemplo, o estilista afirma que 90% das pessoas internadas foram vacinadas e defende o tratamento com medicamentos sem comprovação científica para uso contra a Covid.

Os dois comparam, ainda, a emissão de passaporte de vacinação e a proibição do acesso de não vacinados em determinados ambientes com o Holocausto e o apartheid.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. A publicação aqui verificada foi sugerida por um leitor via WhatsApp e teve mais de 24 mil visualizações no YouTube desde a publicação, em 29 de setembro.

Conteúdos que desacreditam as vacinas ou minimizam os riscos da pandemia são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.

O vídeo possui mais de 480 comentários e muitos deles demonstram descrença na eficácia das vacinas. Uma usuária acredita ter “algo muito sério por trás dessas vacinas” e questiona “por que tanta pressão para obrigar as pessoas a serem ratos de laboratório?”. Já outra afirma ter “medo da minha filha morrer por causa dessa vacina maldita…”

Em relação à Pfizer, o Comprova já demonstrou que morte de adolescente não tem relação causal com a vacina e que um boato tirou de contexto estudo com adolescentes nos EUA para atacar o imunizante.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar danos.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações disponíveis no dia 7 de outubro de 2021.

A investigação desse conteúdo foi feita por Correio de Carajás e Estadão e publicada na quinta-feira (7) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 33 veículos na checagem de conteúdos sobre ​coronavírus, políticas públicas e eleições. Foi verificada por Folha, UOL, Piauí, GZH, Correio do Povo, Alma Preta e A Gazeta.

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