Chinês cria laboratório em casa para ajudar filho com doença incurável

Xu Wei produz remédio não encontrado na China e o testou em si mesmo antes de dar à criança

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Patrick Baert Danni Zhu
Kunming (China)

Para tentar oferecer um tratamento que não existe na China a seu filho, que tem poucas chances de sobreviver para além dos três anos de idade, um pai desesperado decidiu instalar um laboratório farmacêutico em sua própria casa.

Mesmo sem formação superior e sem conhecimento de outros idiomas além do chinês, Xu Wei iniciou repentinamente a carreira como técnico de laboratório e a desenvolver um tratamento, com base em documentos em inglês que encontrou na internet.

"Realmente, não tive tempo para pensar se deveria fazer ou não. Eu tinha que fazer", disse o pai em seu laboratório instalado em um apartamento de um edifício em Kunming, uma grande cidade no sudoeste da China.

Homem segura bebê no colo em meio à maquinário laboratorial
Xu Wei segura seu filho Xu Haoyang, diagnosticado com Síndrome de Menkes, em meio a laboratório construído em casa - Jade Gao/AFP

Seu filho possui uma condição rara, a Síndrome de Menkes, que afeta um em cada 100.000 recém-nascidos, e o impede de se movimentar sozinho e de falar.

"Apesar de não se mover nem falar, ele tem coração e emoções", afirma Xu Wei.

Para amenizar os sintomas existe apenas um medicamento: o histidinato de cobre, que não está disponível na China e em muitos outros países.

Por se tratar de um caso raro, são poucos os laboratórios no mundo que se dispõem a pesquisar essa enfermidade.

Em outras circunstancias, Xu Wei poderia ter buscado tratamento no exterior, mas a Covid fechou as fronteiras da China para o resto do mundo. Assim, ele se viu forçado a investir todas as suas economias em equipamentos de laboratório.

"Investi entre 300.000 e 400.000 iuanes [entre 40 e 54 mil euros], não sei muito bem", diz.

Mesmo sem formação em química, Xu Wei conseguiu produzir, em cerca de 45 dias, o primeiro frasco do medicamento, após consultar muitos materiais na internet, sobretudo em inglês, que ele conseguiu traduzir com a ajuda de um software.

"Temia um acidente, então fiz testes em coelhos e depois injetei em mim mesmo", disse o aprendiz de químico.

Aliviado, passou a administrar as primeiras doses no menino, que depois foi aumentando paulatinamente. Hoje, o pequeno Haoyang recebe uma injeção todos os dias, que lhe fornece o cobre que falta a seu organismo.

A história de Xu Wei e seu filho se tornou uma sensação, comovendo a imprensa e os internautas em toda a China.

"Como médico, sinto vergonha. Isso mostra que não nos ocupamos dessas famílias, tanto o setor farmacêutico como o sistema de saúde", admitiu Huang Yu, subdiretor do Departamento de Genética Médica na Universidade de Pequim.

Apesar de seu esforço, Xu Wei não se ilude sobre as chances de sobrevivência do bebê.

"O histidinato de cobre apenas alivia os sintomas. Não cura a doença, mas pode reduzir o progresso da mesma", afirmou, ao acrescentar que os exames de sangue do bebê estavam normais, duas semanas após o início do tratamento.

Não conformado em produzir seu próprio tratamento, Xu Wei embarcou na terapia gênica, que oferece alguma esperança de cura com o desenvolvimento de um vetor genético experimental.

Seu trabalho levou um laboratório de biotecnologia internacional, o VectorBuilder, a iniciar pesquisas sobre a síndrome de Menkes, "uma enfermidade rara entre as raras", conforme resumiu o diretor científico da empresa, Bruce Lahn.

"Esta é a primeira vez que nos aventuramos na pesquisa desta enfermidade", disse Lahn à AFP. "Foi a coragem de Xu que nos levou a dar esse passo", acrescentou.

O VectorBuilder prevê experimentar o vector de Xu em macacos em poucos meses, e depois fazer testes clínicos, "talvez a tempo" de tentar salvar o pequeno Haoyang.

"Não quero que espere a morte com desesperança. Mesmo que fracasse, quero que meu filho tenha essa mínima esperança", afirmou Xu Wei.

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