Por que não temos uma vacina anti-Covid para bichos de estimação?

Cães e gatos podem, sim, contrair o coronavírus, mas propagação não é preocupante, dizem especialistas

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Emily Anthes
The New York Times

Nos últimos 12 meses, vacinas contra o coronavírus foram aplicadas em bilhões de braços humanos –e nos membros peludos de muitos animais de zoológico. Onças-pintadas vêm recebendo a vacina. Bonobos (chimpanzés-pigmeus), também. O mesmo se aplica a orangotangos, lontras, furões, morcegos-das-frutas e, é claro, leões, tigres e ursos.

Mas dois animais muito mais próximos de nós têm ficado de fora: os cães e gatos domésticos.

Os donos de animais de estimação estão cientes da omissão.

"Muita gente me pergunta sobre isso", comentou a veterinária Elizabeth Lennon, da Universidade da Pensilvânia. "Quando haverá uma vacina para pets?"

Acompanhada por seu cachorro, mulher é vacinada contra a Covid em Toronto, no Canadá - Carlos Osorio - 13.abr.2021/Reuters

Uma vacina para pets é tecnicamente viável. Na verdade, várias equipes de pesquisadores dizem que já desenvolveram vacinas promissoras para cães ou gatos. As vacinas que vêm sendo aplicadas a animais de zoológico foram criadas originalmente para cachorros.

Mas, segundo especialistas, vacinar pets não é uma prioridade. Embora cães e gatos possam, sim, contrair o vírus, um conjunto crescente de evidências sugere que cachorros e gatos de estimação pouco ou nada contribuem para sua propagação e raramente adoecem com Covid eles próprios.

"Acho bastante improvável que seja desenvolvida uma vacina para cães e gatos", comentou o veterinário Will Sander, da Universidade de Illinois Urbana-Champaign. "O risco de pets adoecerem de Covid e de a doença se alastrar entre eles é tão pequeno que uma vacina não valeria a pena."

Lulu-da-Pomerânia testou positivo

Uma mulher em Hong Kong recebeu o diagnóstico de Covid-19 em fevereiro de 2020. Pouco depois disso, duas outras pessoas de sua casa testaram positivo para o vírus, além de um membro inesperado da família: um lulu-da-Pomerânia idoso. O cachorro, de 17 anos, foi o primeiro pet do qual se tem conhecimento a ter contraído o vírus.

Mas não foi o último. Pouco depois disso um pastor alemão em Hong Kong testou positivo, além de gatos na mesma cidade, na Bélgica e em Nova York. Os casos eram muito leves –os animais apresentaram poucos sintomas ou nenhum–, e especialistas concluíram que foram os humanos que transmitiram o vírus para os animais de estimação, e não vice-versa.

"Não houve até agora nenhum caso documentado de transmissão de cães ou gatos a humanos", disse Lennon.

Mas a perspectiva de uma pandemia entre pets despertou o interesse por uma vacina para animais. A Zoetis, empresa farmacêutica veterinária sediada em Nova Jersey, começou a trabalhar sobre a vacina assim que soube do lulu-da-Pomerânia que contraiu Covid em Hong Kong.

"Pensamos ‘uau, isso pode ficar sério. Vamos começar a trabalhar sobre um produto’", falou o vice-presidente e chefe do setor de desenvolvimento de vacinas da Zoetis, Mahesh Kumar.

Cachorro passeia em centro de vacinação contra o coronavírus em Chiautempan, no México - Pedro Pardo - 12.mar.2021/AFP

No outono de 2020 a Zoetis anunciou que já identificara quatro vacinas candidatas promissoras, todas as quais suscitavam resposta "robusta" de anticorpos em gatos e cachorros. (Os estudos são pequenos e não foram publicados.)

Mas ao mesmo tempo que o desenvolvimento da vacina avançava, ficou cada vez mais claro que é pouco provável que a contaminação de pets represente um risco grave a animais ou pessoas.

Em um estudo conduzido com 76 animais de estimação que viviam com pessoas que tinham o vírus, 17,6% dos gatos e 1,7% dos cachorros também testaram positivo. (Os estudos apontaram que os gatos são mais suscetíveis à infecção que os cachorros, talvez por razões tanto biológicas quanto comportamentais.) Entre os animais de estimação infectados, 82,4% não apresentaram sintomas.

"Não parece provável que cães ou gatos venham a tornar-se um reservatório desse vírus no futuro", comentou a médica veterinária Jeanette O’Quinn, da Ohio State University. "Pensamos que, se não houvesse pessoas doentes convivendo com eles, esses pets não conseguiriam continuar a propagar o vírus de um animal a outro. O vírus não continuaria a existir nessa população."

Esses fatores somados convenceram especialistas que uma vacina para animais de estimação não é necessária. Em novembro de 2020 o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), que regula medicamentos de uso veterinário, disse que não estava aceitando pedidos de registro de vacinas para cães ou gatos, "porque os dados não indicam que tal vacina teria valor".

Cuidando bem dos visons

Enquanto o risco para animais de estimação diminuía, outro problema começava a chamar a atenção: o coronavírus em visons. Esses mamíferos elegantes que são criados em grande número revelaram ser altamente suscetíveis ao vírus. Não apenas estavam morrendo dele como o estavam transmitindo entre eles e o retransmitindo a humanos.

"Acho que a situação com os visons justifica totalmente a busca por uma vacina", disse Lennon.

O USDA compartilhou essa opinião, e no mesmo comunicado de novembro passado em que disse não estar considerando a criação de vacinas para cães ou gatos, a agência se declarou aberta a pedidos de registro de vacinas para visons.

A Zoetis mudou de foco e decidiu adaptar uma de suas vacinas para cães para que fosse usada em visons. Várias outras equipes também estão desenvolvendo vacinas para visons; a Rússia já aprovou uma vacina para todos os carnívoros, incluindo visons, e consta que já começou a aplicá-la a animais.

Os estudos com visons estão em andamento, mas quando a notícia do trabalho da Zoetis saiu, a empresa começou a ser procurada por zoológicos. Alguns de seus animais –incluindo gorilas, tigres e leopardos-das-neves— já tinham contraído o vírus. Os zoos queriam experimentar a vacina para visons.

"Recebemos um número enorme de pedidos", disse Kumar.

A Zoetis decidiu fornecer a vacina a zoos em base experimental e já se comprometeu a doar 26 mil doses –o suficiente para vacinar 13 mil animais— a zoológicos e refúgios de animais em 14 países.

Com isso, muitos felinos de grande porte que vivem em zoos, como leões e tigres, estão sendo vacinados, enquanto seus primos domésticos não estão. Isso ocorre em parte porque essas espécies parecem ser mais suscetíveis ao vírus; alguns animais já morreram depois de ser infectados, embora em muitos casos seja difícil determinar conclusivamente qual foi a causa da morte.

"Os grandes felinos parecem estar ficando mais doentes que os gatos domésticos", disse Lennon.

Vacina para gatos

Embora as evidências disponíveis até agora indiquem que o vírus não constitui uma ameaça grave a bichos de estimação, cientistas reconhecem que ainda há muito que não é sabido. Ainda não está clara a frequência com que humanos contaminados transmitem o vírus a seus pets, especialmente porque as autoridades não recomendam testes rotineiros para animais de estimação, e o vírus pode ter efeitos sobre a saúde de pets que ainda não foram identificados.

Em artigo publicado este mês, cientistas levantaram a possibilidade de a variante alfa, primeiro identificada no Reino Unido, provocar inflação cardíaca em cães e gatos. As evidências são circunstanciais, mas o vírus já foi vinculado ao mesmo problema em humanos, e especialistas dizem que a conexão merece ser pesquisada.

"Precisamos pesquisar mais nessa área para saber se existe uma ligação real", falou O’Quinn.

Cliente alimenta gatos em café em Jacarta, na Indonésia - Ajeng Dinar Ulfiana - 23.set.2021/Reuters

Pode haver pets individuais que corram risco especialmente alto de contrair o vírus. Lennon e seus colegas recentemente identificaram um cachorro imunocomprometido que parece ter adoecido gravemente com o coronavírus. Diferentemente da maioria dos cães infectados, esse animal liberou alto nível do vírus por mais de uma semana.

"É claro que foi apenas um caso, mas esse caso ilustra que a Covid não é igual em todos os animais estimação, assim como não é igual em todas as pessoas", disse Lennon.

É possível que pesquisas futuras ou modificações no vírus levem os cientistas a mudar de opinião sobre uma vacina para pets. Se o vírus revelar-se mais prevalente, virulento ou transmissível em cães ou gatos do que se sabe hoje, os argumentos a favor de uma vacina seriam reforçados, disseram cientistas. O USDA disse que pode rever sua posição se mais evidências de transmissão e doença clínica emergirem em uma espécie particular.

Se esse momento chegar, disse Kumar, a Zoetis estará preparada para retomar seu trabalho com vacinas para pets. Se a vacina da empresa para visons for aprovada, veterinários poderão utilizá-la na eventualidade de um surto inesperado de Covid em cães ou gatos, mesmo que ela não tenha sido licenciada para esses animais.

A firma de biotecnologia Applied DNA Sciences, com sede em Nova York, também desenvolveu uma vacina promissora para gatos "só para o caso de ser necessária", disse seu CEO James Hayward. Assim como a Zoetis, a empresa, que trabalha em parceria com a italiana Evvivax, está concentrando sua atenção mais numa vacina para visons.

Tradução de Clara Allain

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