Cirurgiões cardíacos acusam Queiroga de beneficiar hemodinâmica em portaria

Segundo entidade, procedimentos para casos mais graves de infarto ficaram de fora do texto

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São Paulo

Uma portaria do Ministério da Saúde que reajusta valores no tratamento do infarto agudo do miocárdio apenas para a hemodinâmica, área de atuação do ministro Marcelo Queiroga, está provocando polêmica entre os cirurgiões cardiovasculares.

Em nota divulgada no seu site e nas redes sociais, a SBCCV (Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular), manifesta preocupação que procedimentos como a cirurgia de revascularização (pontes de safena), indicada para os casos mais graves de infarto, tenham ficado de fora da portaria.

Em entrevista à Folha, o presidente da SBCCV, o cirurgião Eduardo Rocha, afirma que, ao aprovar uma portaria que só privilegia a hemodinâmica, Queiroga incorre em um evidente conflito de interesses.

Equipe realiza cirurgia de revascularização no Incor, em São Paulo - Olga Lysloff - 28.out.12/Folhapress

"O ministro está misturando interesse público com interesse pessoal. Nós, cirurgiões, estamos indignados. Não temos aumento desde 2009", afirma.

Segundo ele, uma equipe de cinco cirurgiões cardiovasculares recebe R$ 2.800 para fazer uma ponte de safena. "São 500 pratas, 600 pratas para cada um para cuidar de um doente por 12 dias, em média. Aí vem o ministro e cria benefícios só para o grupo dele?", diz.

A portaria 3.438, publicada em 7 de dezembro, prevê uma série de ações na linha de cuidados do atendimento do infarto, como atualização e reajustes na tabela de procedimentos, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais, da área da hemodinâmica.

Existem três tipos de infarto: o mais leve e sem obstrução na coronária, que, em geral só requer tratamento clínico; outros com alteração no eletrocardiograma que vão precisar de uma angioplastia (stent) ou trombólise (medicamento que dissolve o coágulo e deixar a coronária aberta); e os que requerem cirurgia de revascularização.

"São os pacientes mais graves, os que mais morrem e que vão ficar de fora da portaria. São doentes com mais de duas ou três lesões nas coronárias, rompem o ventrículo e sangram, que têm a válvula rasgada pelo infarto. É preciso olhar para a linha do cuidado ao infarto do começo ao fim."

Rocha diz que a cirurgia cardiovascular vive uma crise sem precedentes no SUS (Sistema Único de Saúde), sem insumos básicos, e que piorou com o cenário de desassistência provocando pela pandemia de Covid-19.

Pelo menos 60 mil procedimentos deixaram de ser feitos neste ano. Antes da crise sanitária, eram realizados cerca de 100 mil por ano, de 60% a 70% deles no SUS.

"A gente não está conseguindo material no SUS. Vários hospitais só operam emergências. O ministro está informado sobre isso tudo e mal nos recebeu. E agora ele só dá aumento para uma das partes da linha de cuidado do infarto? Para os seus pares? O que ele fez não tem sentido, se o sentido for a ética do tratamento."

Desde janeiro deste ano, faltam materiais como válvulas cardíacas, oxigenadores e cânulas, necessários para a cirurgia de ponte de safena, correção de defeitos congênitos de adultos e crianças, e trocas de válvula.

O SUS paga menos de R$ 6.000 aos hospitais para cobrir todo o custo de uma cirurgia cardíaca. A média de permanência na UTI é de três dias e ao menos uma semana de internação. Os hospitais estimam que cada cirurgia cardíaca feita no SUS resulte em um prejuízo de R$ 2.000 em média.

"Os hospitais olham para nós, cirurgiões, como um perigo financeiro para eles", afirma o presidente da SBCCV.

Outro lado

O Ministério da Saúde disse, em nota, que a portaria "estabelece que o tratamento da trombólise/angioplastia primária seja realizada pelo intervencionista e não por um cirurgião cardiovascular".

Segundo a pasta, o infarto agudo do miocárdio (IAM) está entre as duas principais causas de morte no Brasil e no mundo.

"A oclusão aguda de artéria coronária por trombo, geralmente superposta em área acometida por placas de aterosclerose, é o evento determinante do infarto agudo do miocárdio. O tratamento moderno do IAM depende do uso de terapias de reperfusão, rápido acesso ao serviço médico e uso de medicações específicas com benefício comprovado", afirmou a pasta.

Ainda de acordo com o ministério, "o uso de medicamentos trombolíticos demonstrou ter impacto positivo sobre os desfechos de saúde, minimizando os impactos do evento agudo sobre a capacidade funcional e reduzindo a mortalidade".

O ministério conclui a nota dizendo que a redefinição das ações também contemplou medidas relacionadas ao fortalecimento do diagnóstico precoce, a terapias de reperfusão e ao incentivo à reabilitação cardiovascular.

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