Estudo ajuda a entender como sentimentos e preocupações desencadeiam doenças

Área do cérebro é capaz, por si só, de gerar uma resposta imunológica no organismo, mostra pesquisa em roedores

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São Paulo

O funcionamento do corpo humano é tão curioso que se você apresentar uma flor artificial a uma pessoa sabidamente alérgica a pólen é possível que ela tenha reações como se a planta fosse de verdade. Esse fenômeno foi descrito no periódico científico The American Journal of The Medical Sciences em 1886, mais de 130 anos atrás.

Agora, um estudo publicado na revista Cell e realizado por cientistas do Technion (Instituto de Tecnologia de Israel) e de outras instituições ajuda a entender como e por que isso acontece: o córtex insular (uma área do cérebro que fica, grosso modo, atrás do lobo temporal, na lateral do órgão) é capaz de armazenar um tipo de memória e, mesmo sem estímulos externos, disparar sinais para que o corpo apresente uma resposta inflamatória.

O estudo do Instituto de Tecnologia de Israel mostra que os sentimentos influenciam e provocam doenças nas pessoas, como cólicas intestinais e idas indesejadas ao banheiro a partir de sentimentos,
pensamentos e preocupações
O estudo do Instituto de Tecnologia de Israel mostra que os sentimentos influenciam e provocam doenças nas pessoas, como cólicas intestinais e idas indesejadas ao banheiro a partir de sentimentos, pensamentos e preocupações - Andrea Danti - Stock/Adobe

Inflamação, vale lembrar, é um mecanismo de defesa, uma espécie de sirene bioquímica para que o corpo mobilize defesas e combata invasores ou inicie o reparo de lesões. Classicamente, a inflamação pode ser notada por alguns sinais: vermelhidão, inchaço, temperatura local elevada, dor e perda de função da área ou órgão afetado.

Mas nem sempre esse tipo de resposta é desejada, como no caso de algumas doenças inflamatórias que têm um gatilho psicossomático, isto é, que podem desencadear certos efeitos, como cólicas intestinais e idas indesejadas ao banheiro, a partir de sentimentos, pensamentos e preocupações —o estado psicológico da pessoa.

A colite (inflamação no intestino grosso), assim como outras doenças do trato digestório, possui um forte componente psicossomático, e por isso foi escolhida pelos autores dos estudos, liderados por Asya Rolls, do Technion, como modelo experimental, em camundongos.

"Sabemos que muitas doenças ligadas ao aparelho digestório são muito sensíveis a gatilhos emocionais, por isso escolhemos a colite. Também estudamos a peritonite [inflamação do peritônio, estrutura que encobre os órgãos abdominais] como forma de entender quão específica é essa ‘memória imunológica’ do cérebro", conta a cientista à Folha.

A cientista Asya Rolls, do Technion (Instituto de Tecnologia de Israel), lidera o estudo que mostra por que os sentimentos influenciam e provocam doenças nas pessoas
A cientista Asya Rolls, do Technion (Instituto de Tecnologia de Israel), lidera o estudo que mostra por que os sentimentos influenciam e provocam doenças nas pessoas - Reprodução

No fim, ambos os modelos experimentais serviram para mapear o caminho da informação, com a codificação e armazenamento no córtex insular. A estratégia para entender como isso funcionava foi usar "etiquetas moleculares", capazes de denunciar o comportamento dos neurônios durante os eventos inflamatórios suscitados pela aplicação de substâncias químicas.

Ao estimular essa mesma rede neural, se obteve uma resposta imunológica semelhante àquela original, mesmo sem o estímulo químico. Os autores explicam que, com base nesses achados, é possível expandir o conceito tradicional de memória imunológica: de um fenômeno sem participação do cérebro para um que inclui essas representações neuronais da informação inflamatória.

"Sabemos que muitas doenças se desencadeiam a partir de um gatilho emocional, e há evidência de doenças psicossomáticas em todo lugar, mas nós não entendemos como elas acontecem. Por essa razão, temos pouca habilidade em lidar com elas. O entendimento que emerge a partir do nosso estudo abre uma nova possibilidade terapêutica, e até mesmo uma potencial cura ao inibir essa atividade do córtex insular", diz Rolls à reportagem.

Um desafio que permanece é entender qual seria a vantagem evolutiva de termos em nós um "software" neurológico que consegue emular doenças inflamatórias. Uma possibilidade, aventam os autores, seria a conveniência de o organismo antecipar um estímulo, preparando o corpo para o que vem a seguir, com base em pistas ambientais, como odores e imagens.

Por outro lado, como vimos, isso pode levar a situações indesejadas, como reação alérgica a flores artificiais ou reações estomacais e intestinais nos momentos mais inconvenientes.

O plano dos pesquisadores agora, revela Rolls, é entender melhor o que compõe essa memória neuronal da inflamação, o que faz uma memória ser mais neurologicamente armazenável do que outra e se outras áreas do cérebro também estão envolvidas.

"Não podemos capturar certos aspectos psicológicos em modelos animais, e por isso é importante avançarmos para estudos em humanos. Assim entenderemos, com base no que já descobrimos, se é possível atenuar essas doenças a partir da inibição da atividade cerebral", afirma a pesquisadora.

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