Não há recomendação para fazer exame dímero-D em vacinados contra a Covid

Ele é comumente solicitado quando o paciente já apresenta quadro clínico que leve à suspeita de trombose

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São Paulo

Não há embasamento para sugerir que vacinados contra a Covid-19 realizem o exame dímero-D. Essa hipótese é feita por uma mulher em um áudio que circula no WhatsApp. Como verificado pelo Projeto Comprova, especialistas alertam que não há essa recomendação e que os imunizantes são seguros.

O exame de dímero-D sozinho não permite diagnosticar uma trombose. Ele é comumente prescrito para pessoas que já apresentam quadro clínico para essa condição ou para avaliar se pacientes estão reagindo bem a tratamentos anticoagulantes.

O áudio cita o imunizante da Pfizer, mas este não tem como efeito adverso a ocorrência de quadros trombóticos. Além disso, não é possível relacionar uma trombose com uma vacina sem que o caso passe por rigorosa investigação médica e das autoridades da saúde

Mulher injeta agulha no frasco de vacina enquanto outra mulher observa. Ao fundo, em uma sala, pessoa sentada atrás de mesa
Vacinação em São Paulo; boatos que descredibilizam imunizantes são perigosos - Rivaldo Gomes - 18.nov.2021/Folhapress

Este conteúdo foi considerado enganoso pelo Comprova porque usa dados imprecisos.

Como verificamos?

A verificação deste conteúdo foi realizada em duas etapas. Inicialmente, a reportagem investigou o áudio do WhatsApp. Nele, uma mulher afirma que o marido teria sido atendido no Hospital do Coração.

Entramos em contato com as instituições com esse nome, em São Paulo e em Goiânia, mas a falta de dados do áudio não permitiu a identificação do caso citado.

Na segunda etapa da verificação, a equipe apurou se o exame dímero-D possibilita a detecção de trombose e se seria possível associar algum imunizante da Covid-19 ao caso descrito. Foram consultados estudos científicos e realizadas entrevistas com especialistas.

A reportagem falou com Guilherme Furtado, líder médico da Infectologia do HCor e o professor de cardiologia da Faculdade de Medicina da UFG (Universidade Federal de Goiás), Aguinaldo Freitas Júnior.

A equipe também procurou pela Pfizer, uma vez que, no áudio, a farmacêutica é citada, mas não houve retorno.

Verificação

O exame dímero-D

Para saber como funciona o exame dímero-D, é preciso entender uma proteína chamada fibrina. Ela é responsável por dar consistência aos coágulos sanguíneos. Nosso organismo tem um sistema de controle para produzir fibrinas quando necessário e também para quebrá-las. O acúmulo de coágulos pode causar danos ao sistema circulatório como AVC ou trombose.

O dímero-D detecta a quantidade de fibrinas fragmentadas no sangue. Uma alta quantidade indica, indiretamente, que esteja havendo formação excessiva de coágulos, o que sugere um quadro trombótico.

A mulher afirma no áudio que levou seu marido a fazer o exame dímero-D mesmo sem ele apresentar nenhum sintoma. Esta prática não é comum, segundo o líder médico da Infectologia do HCor, Guilherme Furtado. "O paciente chega no pronto-socorro com o quadro clínico sugestivo, como dor na perna ou perna inchada, e faz o dímero-D", explica. Isso ocorre porque muitos fatores podem causar certas oscilações na concentração do dímero-D, como uso de determinados medicamentos ou até mesmo a presença de uma infecção mais grave, como a pneumonia.

O exame de dímero-D, isoladamente, não pode afirmar que um paciente esteja com um quadro de trombose ou embolia pulmonar, diz o professor Aguinaldo Freitas Júnior. Pacientes em pós-cirurgia, idosos e gestantes podem apresentar aumento de dímero-D na corrente sanguínea. "Um dímero-D normal afasta o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. Um dímero-D aumentado não confirma o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar, porque o resultado pode vir aumentado em várias situações."

Caso sem contexto

Freitas afirma que não há comprovação científica alguma de relação entre a vacina da Pfizer e alteração neste tipo de exame. "E mesmo que a vacina provocasse o aumento isolado do dímero-D, isso não quer dizer que esse paciente está com risco maior de tromboembolismo pulmonar." O médico ressalta também que não há motivo para recorrer a este exame após tomar o imunizante porque alterações no resultado não podem ser analisadas isoladamente e podem ocorrer por diversos motivos.

Como o Comprova já mostrou, casos de trombose e embolia pulmonar não estão relacionados à vacina da Pfizer. A bula informa que as reações mais comuns são dor e inchaço no local da injeção, cansaço, dor de cabeça, diarreia, dor muscular, dor nas articulações, calafrios, febre. Em menor grau (menos de 1% dos imunizados), também é possível ocorrer um aumento dos gânglios linfáticos, coceira, urticária, angioedema, diminuição do apetite, dor nos membros, insônia, letargia, suor excessivo, fraqueza, mal-estar e prurido no local de injeção. E em casos raros (ocorrem entre 0,01% e 0,1% das pessoas), é possível ocorrer paralisia facial aguda.

A bula também foi alterada para incluir casos raros de inflamação do músculo cardíaco e do tecido que reveste o coração. Eles ocorreram principalmente em homens jovens, curados sem consequências quando houve atendimento médico.

Casos raros de trombose foram observados em imunizados com as vacinas da Janssen e da Astrazeneca. Porém, Furtado lembra que a própria infecção pela Covid-19 causa quadros inflamatórios graves e trombose. O risco de se ter um quadro trombótico é maior sendo infectado pela Covid-19 do que se imunizando contra ela, afirma. "A vacina serve para evitar que você tenha uma infecção grave pelo coronavírus e que tenha trombose por causa dele."

Um estudo publicado em agosto de 2021 na BMJ (British Medical Journal) mostrou que pessoas não vacinadas e infectadas pela Covid-19 têm 200 vezes mais chances de ter trombose venosa do que as pessoas vacinadas.

Combo de boatos antigos

A mulher que gravou o áudio também reproduz uma série de alegações enganosas e falsas sobre vacinas que já foram checadas pelo Comprova. Ao contrário do que ela afirma, nenhuma das vacinas contra a Covid-19 atualmente disponíveis possui grafeno em sua fórmula. Este elemento é atualmente testado em imunizantes como uma forma de potencializar a resposta imune, não sendo utilizado nas atuais vacinas.

Ela também coloca dúvidas sobre o perfil de segurança dos imunizantes ao dizer que eles teriam alumínio em sua composição, mas sua alegação não tem embasamento. O alumínio é utilizado em vacinas há décadas em quantidades seguras para a saúde. Ele nunca representou risco para os inoculados, explica o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), dos Estados Unidos.

A responsável pelo áudio reproduz a hipótese infundada de que a variante ômicron teria sido inventada para disfarçar eventos adversos graves das vacinas. Como mostrou o Comprova, a nova cepa do coronavírus já foi identificada em ao menos 77 países. Dados preliminares sugerem que ela causa sintomas mais leves do que os observados com variantes anteriores, o que desmente a alegação propagada para desencorajar a imunização.

A mulher ainda reproduz a alegação de que a infecção pelo coronavírus garante proteção 7 vezes mais forte do que as vacinas. Esse número surgiu nas redes sociais da descontextualização de dados sobre casos de Covid-19 em Israel. Ao Comprova, o Ministério da Saúde israelense negou que seus dados permitam chegar a essa conclusão.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre pandemia, políticas públicas e eleições. Como se trata de uma informação publicada em diferentes plataformas —WhatsApp, Telegram e Twitter—, é difícil precisar o real alcance da postagem, em especial no aplicativo de mensagens. No WhatsApp, o áudio foi marcado pela rede social com um aviso de "compartilhado com frequência".

Informações enganosas sobre a pandemia, suas novas cepas e vacinação descredibilizam a eficácia de imunizantes já confirmados por organizações científicas. Por isso, diante do aumento da transmissibilidade de variante ômicron, boatos que descredibilizam qualquer imunizante são perigosos.

Em verificações anteriores, o Comprova mostrou que é falso que a ômicron seja uma invenção para mascarar as reações da vacina e que e que mutações da Covid-19 não descartam eficácia e segurança das vacinas.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações disponíveis no dia 17 de dezembro de 2021.

A investigação desse conteúdo foi feita por UOL, Estadão, A Gazeta, O Popular e Poder360 e publicada na sexta-feira (17) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 33 veículos na checagem de conteúdos sobre ​coronavírus, políticas públicas e eleições. Foi verificada por Folha, Jornal do Commercio e Piauí.

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