Pílula anti-Covid da MSD pode trazer riscos para grávidas

Uma das maiores incógnitas é a possibilidade de a droga ter o potencial de provocar mutações no DNA humano

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Benjamin Mueller
The New York Times

Uma nova pílula anti-Covid da farmacêutica MSD (conhecida como Merck nos Estados Unidos e no Canadá) gerou esperanças de transformação da paisagem de opções de tratamento para americanos em risco de adoecer gravemente de Covid, isso num momento em que a variante ômicron do coronavírus vem multiplicando os casos da doença em países europeus com alto índice de vacinação.

Mas, duas semanas depois de um comitê de especialistas da FDA (Food and Drug Administration– agência dos EUA que regulamenta alimentos e medicamentos no país) ter aprovado por margem estreita a autorização de uso da droga, conhecida como molnupiravir, a FDA ainda está analisando o pedido de aprovação. Uma das maiores incógnitas que os reguladores enfrentam é a possibilidade de a droga ter o potencial de provocar mutações no DNA humano, ao mesmo tempo em que causa estrago nos genes do vírus.

Pílulas de molnupiravir
Pílulas de molnupiravir, remédio experimental do grupo farmacêutico MSD para a Covid-19 - Merck & Co,Inc./AFP

Cientistas estão especialmente preocupados com mulheres grávidas, isso porque a droga pode afetar as células fetais em divisão, teoricamente provocando defeitos congênitos. Membros do comitê de especialistas da FDA manifestaram essa mesma preocupação numa reunião pública em 30 de novembro.

"Será que queremos reduzir o risco à mãe em 30% mas ao mesmo tempo expor o embrião e o feto a um risco muito maior por conta desta droga?", perguntou no encontro o Dr. James Hildreth, diretor do Meharry Medical College, do Tennessee. "Minha resposta é ‘não’. Em hipótese alguma eu aconselharia uma grávida a tomar este medicamento."

Os conselheiros da FDA também destacaram que os riscos podem estender-se a outros pacientes, incluindo homens que queiram tornar-se pais, embora esses riscos ainda sejam pouco compreendidos e a MSD tenha dito que seus próprios estudos não tenham trazido evidências de que o molnupiravor provoque mutações no DNA.

Fato crucial, a expectativa é que o mulnupiravir funcione contra a ômicron. Mas a droga é vista com apreensão por alguns cientistas e reguladores na Europa por ser menos eficaz que certos outros tratamentos: já foi comprovado que ela reduz o risco de hospitalização e morte em 30% se é ministrada em até cinco dias após o aparecimento de sintomas.

Veja o que os cientistas já sabem sobre como funciona o mulnupirovir e sobre seus riscos potenciais.

Como funciona o molnupiravir?

Quando a droga é processada no corpo, cria compostos muito semelhantes aos elementos fundamentais do RNA, o material genético presente no coronavírus.

Isso cria problemas para o coronavírus enquanto ele se copia: a partir do momento em que o vírus entra numa célula e começa a se replicar, o composto da droga pode penetrar no RNA do vírus e inserir erros suficientes para impossibilitar a sobrevivência do vírus.

"O molnupiravir se disfarça", explicou Elizabeth Campbell, da Universidade Rockefeller. Especialista em biologia estrutural, ela estuda antivirais do coronavírus. "Pode propagar erros que vão ficar espalhados por todo o genoma."

Cometendo mais e mais erros, o vírus acaba parando, disse Campbell. Isso ajuda o corpo a combater a infecção, potencialmente salvando a vida do paciente.

O problema é que o mesmo composto que interfere na replicação do material genético do vírus pode também ser transformado em algo que se assemelha a um dos elementos fundamentais do DNA. Alguns cientistas receiam que isso possa provocar erros no DNA do próprio paciente ou no de um feto em desenvolvimento.

"Se as células estão se replicando, significa que estão adotando uma versão de um dos elementos fundamentais do DNA derivado do molnupiravir e o estão incorporando", disse Campbell.

Até onde isso é um problema sério?

Uma equipe de pesquisadores da University of North Carolina estudou o uso de molnupiravir em células isoladas de hamster por 32 dias e constatou que a droga de fato provoca mutações no DNA.

Essas mutações podiam "contribuir para o surgimento de câncer ou causar defeitos congênitos num feto em desenvolvimento ou por incorporação nas células precursoras dos espermatozoides", escreveram os autores do estudo.

A droga ataca apenas as células em divisão, que são relativamente poucas nos adultos. Isso gera um risco mais restrito que outros agentes mutagênicos, como a radiação, que pode danificar o DNA em todos os tipos de células.

Mesmo assim, Ronald Swanstrom, pesquisador de HIV na University of North Carolina in Chapel Hill e codiretor do estudo com células de hamster, disse que adultos possuem células em divisão bastantes —por exemplo, nos ossos e no epitélio intestinal— para causar preocupação. Ele destacou também que os homens constantemente produzem células espermáticas em divisão que podem ser portadoras de potenciais mutações.

"Acho que ninguém sabe o que esta dose significa em termos de resultados humanos", disse Swanstrom. "Espero que seja trivial, mas acho que ninguém sabe."

Em uma carta contendo objeções às conclusões de Swanstrom, cientistas da MSD disseram que as células de hamster foram expostas ao molnupiravir por um período consideravelmente mais longo do que será o caso de pacientes com Covid. A empresa disse que testou a droga com roedores e não encontrou sinais de mutações do DNA (ou mutagenecidade).

"Consideramos que esta molécula encerra risco muito baixo de mutagenecidade", disse em entrevista o diretor médico da MSD, Dr. Roy Barnes. "Este medicamento é usado por cinco dias e o objetivo é erradicar o vírus rapidamente. Não é um tratamento de longo prazo."

A bióloga Brianne Barker, da Drew University, disse que a MSD deveria publicar seus dados obtidos de roedores, mas que o fato de o tratamento ter curta duração reduz os riscos. Ela disse também que células isoladas de hamster são "um pouco diferentes do que se encontra de fato em um organismo", tornando difícil saber quão graves seriam os perigos para humanos.

Quais são os riscos durante a gravidez?

As células do feto se dividem constantemente, elevando o risco de mutações. Por isso mesmo, a MSD excluiu de seu ensaio clínico mulheres grávidas, lactantes e mulheres que tinham probabilidade de engravidar.

"O desenvolvimento humano no útero é uma sequência de eventos simplesmente espantosa", disse o especialista em doenças infecciosas Dr. John Mellors, do University of Pittsburgh Medical Center. "Se você começa a interferir com isso de alguma maneira, pode acabar provocando um desastre."

Mellors observou que, segundo informação da MSD, doses altas de molnupiravir dadas a ratazanas prenhes podiam provocar anormalidades de desenvolvimento ou a morte de fetos.

Cientistas disseram que pílulas antivirais mais antigas trazem lições para a prescrição segura de molnupiravir. Antes da chegada de medicamentos potentes contra hepatite C, nos últimos anos, os médicos frequentemente recorriam a uma droga conhecida como ribavirina como parte de um tratamento combinado de pacientes com hepatite C.

"Se você ler a bula, com certeza vai parar para pensar", disse o Dr. Ashwin Balagopal, pesquisador da Universidade Johns Hopkins que já tratou pacientes com hepatite C com ribavirina e agora dirige um estudo sobre o molnupiravir. "Fomos cuidadosos, mas não evitamos usar a droga porque pensamos ‘vamos esperar que chegue algo melhor’."

Como os cientistas estão pesando os benefícios e riscos do molnupiravir?

A Pfizer deve receber em questão de semanas a autorização do governo para sua própria pílula anti-Covid, que parece ser mais eficaz que a da MSD —e não encerra o risco de provocar mutações no DNA humano.

Mas a expectativa é que o molnupiravir seja mais facilmente disponível que o medicamento da Pfizer nos próximos meses, quando os Estados Unidos podem enfrentar um novo surto grande de casos provocados pela variante ômicron.

"Temos que fazer o que podemos com o que temos à mão neste momento", opinou Balagopal.

À medida que as pessoas envelhecem ou desenvolvem problemas de saúde que as colocam em risco maior de adoecer gravemente se forem infectadas com o coronavírus, os benefícios do molnupiravir podem superar os riscos, disseram cientistas. Barker notou que os adultos aceitam prontamente o risco aumentado de mutações decorrente de tomar sol, por exemplo.

"Nos indivíduos de risco especialmente alto se contraírem Covid, esse risco pode pesar mais que o de mutagênese", ela disse. "Mas uma pessoa mais jovem que pretende ter filhos ou que esteja grávida pode querer tomar um medicamento diferente."

Tradução de Clara Allain.

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