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Por que o café me leva a fazer cocô?

Não está claro por que o líquido pode estimular a evacuação, mas a velocidade desse efeito sugere que é mediado pelo cérebro

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Alice Callahan
The New York Times

Como abrir a cortina ou entrar no chuveiro, tomar uma xícara de café pela manhã ativa as pessoas –de mais de uma maneira. Essa bebida que tanto satisfaz eleva nosso nível de energia com uma dose de cafeína. Para muitas pessoas, ela rapidamente e quase sempre estimula a atividade intestinal, levando a uma necessidade urgente de evacuar.

Dada a popularidade do café, é surpreendente quão pouco sabemos sobre como ele afeta o trato gastrintestinal, disse o dr. Robert Martindale, professor de cirurgia e diretor médico de serviços de nutrição hospitalar da universidade Oregon Health and Science.

Alguns estudos sobre o tema –que tendem a ser pequenos, limitados e de algum tempo atrás– sugeriram que provavelmente não é a cafeína que provoca a vontade de ir ao banheiro. Por exemplo, um artigo publicado em 1998 concluiu que o café descafeinado exerce sobre o cólon um efeito estimulante semelhante ao café cafeinado, o que não ocorre com uma xícara de água.

Proprietário de uma cafeteria em Tóquio prepara o pedido de clientes - Kim Kyung-Hoon - 8.out.2021/Reuters

O café é uma bebida complexa que contém mais de mil compostos químicos, muitos dos quais possuem propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. E não é fácil determinar como eles afetam os intestinos.

Uma coisa que sabemos de fato é que o café não afeta a todos da mesma maneira. Em um estudo publicado em 1990 no periódico Gut, 92 adultos jovens preencheram um questionário sobre como o café afeta seus hábitos de evacuação. Apenas 29% deles disseram que a bebida "provoca vontade de evacuar", e a maioria, 63%, eram mulheres. Mas Martindale disse que a porcentagem de pessoas que apresentam reação intestinal depois de tomar café provavelmente é muito mais alta na população geral –ele estimou que esse é o caso de 60% de seus pacientes–, e ele não notou nenhuma diferença entre homens e mulheres.

Também sabemos que a reação intestinal ao café pode ser rápida. No mesmo estudo, alguns voluntários deixaram uma sonda detectora de pressão ser inserida em seu cólon para medir as contrações dos músculos intestinais antes e depois de beberem uma xícara de café. Entre os que disseram que o café geralmente estimulava a evacuação, a sonda indicou um aumento significativo na pressão em até quatro minutos após a ingestão de café, enquanto as pessoas não responsivas não apresentaram nenhuma modificação na atividade do cólon.

O fato de que tomar uma xícara de café pode estimular a extremidade oposta do trato gastrintestinal em questão de minutos significa, disse Martindale, que o estímulo "provavelmente passa pelo eixo entre intestino e cérebro". Ou seja, a chegada do café no estômago transmite uma mensagem ao cérebro, que então "estimula o cólon a dizer ‘é bom nos esvaziarmos, porque vem coisa por aí’", ele explicou. O próprio café se deslocaria pelos intestinos muito mais devagar, provavelmente levando pelo menos uma hora para percorrer o longo caminho partindo do estômago, passando pelo intestino delgado e então chegando ao cólon.

Essa comunicação entre estômago, cérebro e cólon, chamada de reflexo gastrocólico, é uma resposta normal à ingestão de alimentos. Mas o café parece ter um efeito desproporcional. Um estudo publicado em 1998 constatou que 230 ml de café estimulam contrações do cólon semelhantes às que são induzidas por uma refeição de mil calorias. Pesquisadores teorizam que a comunicação intestino-cérebro do café provavelmente é causada por um ou mais dos muitos compostos químicos contidos no café e possivelmente seja mediada por alguns de nossos hormônios que desempenham papéis importantes no processo digestivo, como a gastrina ou a colecistocinina, ambas as quais podem subir de nível após a ingestão de café.

Morador de Londres prepara café em uma cafeteira italiana - Niklas Halle'n - 10.out.2021/AFP

O mecanismo pode ainda não estar claro, mas os efeitos do café sobre o intestino podem ajudar algumas pessoas, incluindo pacientes em recuperação de certos tipos de cirurgias. O enfraquecimento da função intestinal é comum após cirurgias abdominais, por exemplo, o que pode provocar inchaço, dor e a incapacidade de expelir gases ou tolerar alimentos. Uma análise de 2020 combinou os resultados de sete ensaios clínicos e constatou que tomar café ajudou pacientes que haviam passado por cirurgia colorretal ou ginecológica a tolerar alimentos sólidos em média dez e 31 horas, respectivamente, antes do que teria sido o caso sem tomarem a bebida. O café também reduziu em uma média de 15 a 18 horas o tempo passado até sua primeira evacuação após a cirurgia.

"Um ou dois goles de café já podem ser o bastante. Não é preciso tomar muito", disse Martindale, que habitualmente oferece uma xícara de café a seus pacientes na manhã seguinte a uma cirurgia.

A seus pacientes que sofrem de prisão de ventre crônica, Martindale também sugere que tomem café, além de outras modificações na dieta. E ele disse que não é incomum que pacientes que abriram mão do café por uma razão ou outra lhe digam "Doutor, não consigo ir ao banheiro sem antes tomar um café".

A nutricionista Sonya Angelone, porta-voz da Academia de Nutrição e Dietética, diz que as pessoas não devem depender demais do café para manter uma função intestinal regular. Se a pessoa tem prisão de ventre, explicou, "não é por ter uma deficiência de café". Para evitar a prisão de ventre, ela recomenda o consumo de mais frutas e verduras, que têm alto teor de fibras, aumentar a ingestão de líquidos e praticar mais atividade física. "O que constato com muitas pessoas é que elas não começam o dia com uma boa dose de fibras", ela disse. O café coado contém uma quantidade pequena de fibra –cerca de um grama por xícara de 230 ml.

Privada tecnológica na Tailândia - zasabe - stock.adobe.com

Para algumas pessoas, o café provoca mal-estar do estômago e intestino solto, além de efeitos colaterais ligados ao excesso de cafeína, como insônia, taquicardia e dores de cabeça, disse Angelone.

A Food and Drug Administration diz que é seguro para a maioria das pessoas consumir 400 mg de cafeína por dia –a quantidade encontrada em quatro a cinco xícaras de café. Mas é preciso lembrar que as pessoas metabolizam o café de maneiras muito diferentes, de modo que esse limiar pode variar de uma pessoa a outra. "Diferentemente de outros alimentos, o café é uma dessas coisas que, se lhe fazem mal, você percebe", disse Angelone.

Para o resto de nós, porém, o café pode fazer parte de uma rotina matinal reconfortante, despertando-nos de diversas maneiras.

Tradução de Clara Allain

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