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Projeto em São Bernardo leva atendimento de doulas para favelas

Iniciativa voltada ao parto humanizado surgiu durante a pandemia

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Jariza Rugiano
São Bernardo do Campo | Agência Mural

A educadora social Katarina Yalodê, 25, estava na fase final da gravidez quando começou a pandemia de Covid-19. Não foi um parto fácil. No HMU (Hospital Municipal Universitário) de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, ela teve que ficar sozinha por 18 horas na sala de atendimento.

O parto se alongou. Ela não pode contar com acompanhante ou qualquer tipo de apoio. "Só encontrei meu companheiro depois desse tempo, que precisou ir embora em seguida pelo contexto da pandemia", relembra.

Imagem mostra três mulheres de máscara sentadas no chão e com crianças no colo
Katarina Yalodê oferece informações e atendimento humanizado para grávidas e puéŽrperas das periferias da cidade por meio do Trilunar, projeto independente e gratuito que ela criou em junho de 2020 - Marlene Bargamo - 3.dez.2021/Folhapress

Desde então, Katarina tem atuado para fortalecer o protagonismo das pessoas grávidas durante a própria gestação, o parir e as fases do pós-parto. Ela é criadora do projeto Trilunar, no Jardim Limpão, periferia de São Bernardo.

Além de educadora social, Katarina também é doula, pessoa que auxilia para um parto mais humanizado. "É importante ter a doula nessas etapas, porque a equipe médica geralmente não tem profissionais o suficiente para manter um atendimento acolhedor", diz.

Durante a gestação, ela chegou a fazer parte do pré-natal na Casa Ângela, um centro de parto humanizado na zona sul da capital.

Katarina viu a importância de um serviço que levasse às periferias educação perinatal (conteúdo que se refere à saúde e fisiologia do processo de gerar), com informações sobre parto, pós-parto, maternidade, paternidade e responsabilidade parental.

E o Trilunar surgiu com essa proposta. O projeto independente foi criado em junho de 2020, com atividades aplicadas a partir de setembro do mesmo ano.

É focado em atender gestantes e puérperas (pessoas que estão passando pelo puerpério, período pós-parto) atendidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e que vivem em vulnerabilidade social.

A educadora social diz que o nome Trilunar relaciona as influências das fases da lua às fases de desenvolvimento do corpo da mulher. "A maternidade faz com que a gente se redescubra e se reconstrua. O Trilunar traz esse significado na essência, do sagrado feminino, das forças da gestação e do resgate ancestral."

Até o momento, o projeto abrange Jardim Limpão, Vila Esperança e Montanhão, bairros periféricos de São Bernardo do Campo. Cerca de dez mulheres já passaram pelo suporte do projeto que Katarina aplica sozinha, por enquanto, orientando e tirando dúvidas de um grupo fixo de cinco mães.

"Os diálogos no pós-parto ocorreram de forma online. A não ser as visitas presenciais que fiz para orientar sobre problemas como a de pega mal orientada [quando o bebê tem dificuldade de pegar no peito da mãe] na hora da amamentação, o que pode causar traumas físicos na mama e na saúde dos bebês", diz.

Nesse grupo que mantém em um aplicativo de mensagens, as mães também trocam dicas como o que fazer para reduzir as cólicas dos filhos, além de fortalecerem a rede de apoio que algumas não encontram em casa.

Uma das integrantes é a operadora de caixa Paloma Chaves Moura, 24.

"Procuro conselho com minha mãe, do que fazer, mas parece que ela vê mais como um 'ah, mas eu já passei por isso também, é normal'. Mas não sei se eu posso confiar mesmo se são normais algumas situações", diz Paloma, grávida de oito meses.

No caso de Sabrina Nascimento, 21, o apoio ajudou a passar pela fase de gestação do filho Nicolas, 1. "No começo da gravidez eu não tinha vontade de nada, nem de levantar", afirma. "A Katarina me ajudou bastante, do início ao fim, me ensinando a pega do bebê para conseguir amamentar, fez escalda-pés quando eu estava estressada."

A doulagem nas favelas

Para trazer o assunto da doulagem para as favelas da cidade, Katarina realiza rodas de conversa e atendimento personalizado a partir da necessidade da grávida, da parturiente (termo que indica a mulher em trabalho de parto ou que acabou de parir) e das que estão no puerpério.

"Numa perspectiva empática da maternidade, o puerpério não tem um tempo estipulado, porque é uma transição de hormônios, de emoções, de construções de identidade, do ser enquanto mulher e agora mãe", diz a doula, que ainda fornece informações nas páginas do Trilunar no Facebook e Instagram, para alcançar mais pessoas.

Com a redução dos casos de Covid-19, a doula do Jardim Limpão vem retornando com as atividades presenciais. Toda sexta-feira, às 16h, ela fortalece o acompanhamento por diversas atividades, como as oficinas de brinquedos sensoriais e de coordenação motora para os bebês.

Para isso, atualmente conta com a parceria da sede do Conselho Comunitário Jesus de Nazareth, no bairro Vila São José, em São Bernardo.

A educadora social também quer formar doulas a partir do segundo semestre de 2022. A ideia é que mães que passaram pelo Trilunar sejam futuras doulas.

Ela pretende contar com a colaboração da Coletiva Raízes do Parto, grupo multidisciplinar do ABCDMRR (São Bernardo do Campo, Santo André, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra) voltado às políticas públicas para a doulagem e para o atendimento humanizado.

A doula e placenteira Mariana Clara de Souza Neves, 31, moradora de Santo André, é uma das integrantes da coletiva. E ela aponta insuficiência no atendimento do HMU.

"Uma moradora da região pós-balsa [bairros que ficam após a travessia da balsa na represa Billings], por exemplo, corre o risco de levar até duas horas para chegar nesse hospital", diz.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde de São Bernardo do Campo afirma que o HMU realizou a média de 345 partos por mês entre janeiro e setembro de 2021. Do total, 67% (231) desses procedimentos obstétricos foram vaginais e 33% (114) cesáreas. Segundo a pasta, o pré-natal é oferecido nas 33 unidades básicas de saúde, com acompanhamento de equipe multiprofissional.

Quanto ao HMU, a prefeitura diz que o hospital traz assistência ao parto vaginal com ferramentas de humanização do trabalho de parto, como o espaldar (barra para alongamento), massagem e banheira, com suporte de enfermeiras obstetras. No momento, a Atenção Básica não oferece o serviço de doulas.

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