DNA antecipa diagnóstico de câncer em dez anos e já substituiu Papanicolau no interior de SP

Política pública adotada por Indaiatuba tem apoio da Unicamp e de farmacêutica; Inca, ligado ao Ministério da Saúde, avalia adoção de exame no SUS

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O exame de Papanicolau já é passado em Indaiatuba, no interior de São Paulo. Em seu lugar, as mulheres que buscam os postos de saúde do município, a 98 km de SP, passaram a ser analisadas por meio de um teste de DNA mais preciso no rastreamento do HPV, vírus responsável por provocar câncer do colo do útero. O método também permite adiantar um diagnóstico mais grave de doença em anos, segundo especialistas.

O chamado DNA-HPV é aplicado na cidade desde 2017 —em parceria entre a Unicamp, a farmacêutica Roche e a Prefeitura de Indaiatuba. O resultado da iniciativa foi publicado na revista científica The Lancet.

A Unicamp entrou com o conhecimento de seus pesquisadores para implementar o programa e para analisar as amostras. A prefeitura, por sua vez, passou a aplicá-lo em suas pacientes. O teste já é aprovado no Brasi, assim como nos Estados Unidos, Austrália, Inglaterra e Suécia e outros países.

A Roche forneceu insumos, a máquina para análise do material e, ainda, desenvolveu o software que está ligado ao sistema público para emissão de alertas ao médico quando o resultado do exame estiver pronto.

Quem recebe diagnóstico negativo para HPV (86,8% das pacientes de Indaiatuba, apontou a pesquisa da Unicamp entre 2017 e 2020, com teste de DNA) pode repetir o teste em cinco anos já que, neste período, o vírus não se desenvolve, segundo os médicos.

Aquelas que têm resultado positivo passam por acompanhamento até terem alta. O público-alvo são mulheres entre 25 e 64 anos.

Duas mulheres, ambas com máscaras, estão sentadas em uma mesa, sendo que à esquerda a paciente e à direita a médica, vestida de branco, em ambulatório em Indaiatuba, no interior de São Paulo
A empresária Tania Albertini, 48 anos, em consulta com a ginecologista Ana Paula Spadella, em ambulatório de Indaiatuba, no interior de São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

O câncer cervical, como também é chamado, pode ser devastador. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 604.127 mulheres no mundo foram diagnosticadas com a doença em 2020. No mesmo período, 341.831 morreram, a maioria em países pobres.

Segundo o Atlas da Mortalidade do Inca (Instituto Nacional de Câncer), órgão auxiliar do Ministério da Saúde, foram registradas 6.596 mortes pela doença em 2019 no Brasil. Só no Sudeste foram 2.100.

Mas esse tipo de câncer é evitável e pode ser erradicado com políticas públicas organizadas, segundo Júlio Cesar Teixeira, principal pesquisador do estudo do DNA-HPV e diretor da oncologia do Hospital da Mulher da Unicamp.

"Isso pode acontecer com a combinação de ações de vacinação até os 15 anos e o rastreamento adequado", afirma Teixeira.

Em Indaiatuba, única cidade na América Latina a substituir o Papanicolau pelo novo teste na rede pública, 18.700 mulheres já passaram pelo DNA-HPV até dezembro de 2021, segundo a prefeitura.

"Com o início do programa, não foi mais coletado Papanicolau", declara Túlio José Tomass do Couto, ginecologista responsável pelos programas de atendimento à saúde da mulher e vice-prefeito do município.

A empresária Tania Albertini, 48, teve o diagnóstico positivo por meio do novo teste. Ela conta que fazia o Papanicolau a cada seis meses pelo plano de saúde e o resultado sempre foi negativo.

Com a pandemia, em 2020, ela perdeu o emprego e buscou atendimento na rede pública. Foi aí que ela descobriu o DNA-HPV que, então, acusou lesão.

"É uma consequência da vida ter HPV. Tratei no próprio consultório." No mesmo ano em que recebeu o diagnóstico, Tania levou sua filha, então com 14 anos, a um posto de saúde para tomar a vacina do HPV.

O vice-prefeito explica que, normalmente, uma mulher faz o exame de Papanicolau a cada dois ou três anos na rede pública.

"É um exame ainda importante no Brasil e no mundo. A gente colhe o material em lâmina avaliada por profissionais. Os resultados demoram até seis meses e podem acontecer falsos negativos."

Já com o teste por DNA, o processo é mais preciso porque não depende da avaliação humana. "Com um cotonete, colhemos o material do colo do útero, dissolvido em um líquido que já sai com um código de barras, enviado para máquina moderna na Unicamp. O resultado sai, em média, em até 40 dias", diz Couto.

Outra paciente diagnosticada com esse método foi a pensionista Neuza Maria Jesus Ribeiro, 66. Ela conta que costumava fazer o Papanicolau anualmente desde os 45 anos e nunca teve um positivo. "Me sinto privilegiada, porque se demorasse, poderia ser fatal."

Resultados

De 16.384 mulheres testadas com o DNA-HPV em Indaiatuba, entre outubro de 2017 e março de 2020, segundo a Unicamp, 21 delas receberam diagnóstico de câncer de colo de útero, com idade média de 39,6 anos, sendo 67% em estágio inicial.

A universidade informou que, com o Papanicolau, apenas 12 pacientes tiveram o câncer cervical detectado com idade média mais elevada, 49,3 anos, e só um caso em estágio inicial, em pesquisa realizada entre outubro de 2014 e março de 2017, com 20.284 mulheres.

De acordo com a universidade, com o exame de DNA-HPV é possível antecipar o diagnóstico do câncer do colo do útero em dez anos, comparando-se com o método tradicional, o que explica mais casos iniciais.

Mas para o programa dar certo, de acordo com Teixeira, não basta implantar no SUS um teste moderno, se não houver gestão dos dados.

"É preciso interligar o sistema. Atualmente, não se tem controle de quem faz os exames na rede pública. Quem chega, faz. Há desperdício de recursos, porque a mulher vai fora da idade ou da janela do exame."

O pesquisador explica que dois terços das mulheres que terão os cânceres avançados um dia estão fora do sistema. "Não temos como convocá-las porque não sabemos quem são. Geralmente são mais pobres."

Flávia Miranda Corrêa, médica pesquisadora da Divisão de Detecção Precoce do Inca, concorda. "Apenas implementar no sistema um teste mais eficaz não muda em nada a mortalidade. Tem que se instituir um rastreamento organizado."

A médica do Inca afirma que desde 2019 existe um movimento que envolve especialistas e o governo para incorporar o teste no Sistema Único de Saúde. "Mas precisa ser feito de forma otimizada, avaliando o custo-benefício, para aproveitar que ele tem de bom. Não é um processo simples."

Carlos Martins, presidente da Roche Diagnóstica no Brasil, lembra que uma mulher morre de câncer cervical a cada 90 minutos. "É totalmente curável." O que uniu a farmacêutica ao projeto, segundo ele, foi fazer estudo representativo que chegue às autoridades sanitárias. "Temos como apostar nisso, porque sabemos que vai salvar muitas vidas."

De acordo com cálculos da Roche, que levam em conta custos dos exames e qualidade de vida, há economia em longo prazo. No grupo de mulheres que fizeram só o Papanicolau, diz a farmacêutica, os custos foram superiores e a qualidade de vida inferior aos mesmos parâmetros do grupo que utilizou a tecnologia DNA-HPV.

Isso se deve, segundo a Roche, à identificação precoce quando há lesão precursora do câncer, o que reduz a necessidade de procedimentos em estágio avançado.

Cada teste DNA-HPV tem valor de referência de US$ 30 (cerca de R$ 170). O Papanicolau, R$ 70, segundo Teixeira. "Quando se produzir o DNA em larga escala, o valor cai, e isso significa salvar vidas, o que é inestimável, sem preço."

Conheça a parceria Folha e Instituto República.org clicando aqui.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.