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Entidades médicas agem para manter orientação contra kit Covid

Ministério da Saúde barrou diretriz que contraindicava uso de medicamentos sem eficácia contra a doença no SUS

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Brasília

Especialistas e sociedades médicas que participaram da elaboração da diretriz contra o uso do chamado kit Covid no SUS (Sistema Único de Saúde) vão apresentar um recurso ao Ministério da Saúde contra a decisão de arquivamento do texto.

A ideia é tentar reverter o veto sem passar pelo secretário de Ciência e Tecnologia da pasta, Hélio Angotti, responsável por brecar a publicação do documento. A diretriz havia sido aprovada pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS).

Profissional da saúde segura medicamentos que fazem parte do kit Covid - Ueslei Marcelino - 5.jun.2020/Reuters

Para isso, no lugar de apresentarem um recurso ao secretário, como tradicionalmente tem que ocorrer, irão mandar direto ao gabinete do ministro Marcelo Queiroga.

Caso não consigam reverter o veto, os especialistas já falam em recorrer à Justiça.

Devem assinar o recurso a Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), a SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), a SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia) e a AMB (Associação Médica Brasileira).

O presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), Carlos Lula, chamou de "absurdo sem tamanho" a rejeição do texto. "Um Ministério da Saúde contra a ciência. Inacreditável", afirmou.

O professor da USP Carlos Carvalho, responsável por coordenar os estudos que levaram à elaboração das diretrizes, também assinará o pedido de revisão.

Carlos Carvalho disse que irá entrar com um recurso pedindo a revisão da rejeição das diretrizes. O médico afirmou que o grupo de trabalho irá enviar esse documento direto para o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

Para ele, muitos dos argumentos de Angotti são "requentados", pois haviam sido apresentados e rebatidos em momentos anteriores. O secretário de Ciência e Tecnologia questionou a metodologia utilizada pelos especialistas, o rigor técnico dos estudos e até mesmo possíveis conflitos de interesse do grupo.

No entanto, esses pontos foram esclarecidos em abril, com a presença de Angotti, segundo técnicos que acompanharam as discussões. Em reuniões seguintes sobre o tema, representantes do secretário também estavam presentes.

"Enquanto não mexeu com áreas sensíveis, não teve problema. De uma hora para outra resolve dizer que as diretrizes não são boas. Se a gente não servia, era para avisar, porque trabalhamos voluntariamente", disse Carvalho.

"Estamos apresentando desde maio [as diretrizes], se o rigor e o documento não eram bons, por que deixou continuar?", avaliou ainda o coordenador do grupo de especialistas.

Angotti rejeitou três capítulos da diretriz hospitalar da Covid, todos aprovados por unanimidade na Conitec. Além disso, arquivou o texto sobre tratamento ambulatorial, aprovado por sete a seis no mesmo colegiado.

Como mostrou a Folha, a ala pró-cloroquina do Ministério da Saúde tentou boicotar a discussão na Conitec. Agora, o mesmo grupo quer retirar do comando da comissão a servidora Vania Canuto, que votou a favor do texto que contraindica a hidroxicloroquina, entre outros medicamentos.

A exoneração de Canuto, porém, se arrasta. O ministro Queiroga quer evitar este desgaste e tenta convencê-la a se demitir, o que não deve ocorrer.

Além deste impasse, o governo tem até 24 de janeiro para apresentar ao STF uma posição sobre as diretrizes de tratamentos da Covid. Por estas razões, Angotti publicou a rejeição dos pareceres aprovados na Conitec.

A postura do ministério foi classificada como "negacionista" pelo Conass, que manifestou "consternação" com a decisão.

"Mais uma ‘inovação’ negacionista da gestão federal. Diante do expressivo aumento de casos de Covid-19 em decorrência da variante Ômicron, é inaceitável que o Brasil ainda não tenha tais diretrizes em vigor", informou o conselho dos secretários de saúde.

Maicon Falavigna, co-coordenador das Diretrizes de Tratamento Ambulatorial e Hospitalar da Covid-19, disse ser inexplicável deixar profissionais de saúde sem uma orientação adequada, e os pacientes, por sua vez, à mercê de má prática clínico-assistencial.

"Vejo o posicionamento do Ministério da Saúde como bastante incongruente. Enquanto o discurso do ministro foi de sempre aguardar a decisão da Conitec, temos visto a Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos, cujo gestor por sinal é indiciado pela CPI [da Covid], indo contra a decisão da Conitec."

Publicadas no Diário Oficial, as decisões de Angotti foram pela não aprovação de três dos quatro capítulos da proposta das Diretrizes Brasileiras para Tratamento Hospitalar do Paciente com Covid-19. Também rejeitou o texto sobre o tratamento ambulatorial.

Além de rejeitar o tratamento com medicamentos sem eficácia, como a hidroxicloroquina, estes pareceres abordavam métodos de controle da dor e sedação de pacientes em ventilação mecânica, e tratavam da assistência hemodinâmica e medicamentos vasoativos.

Quase dois anos após o começo da pandemia, o ministério publicou apenas uma diretriz, em junho de 2021, sobre uso de oxigênio, intubação orotraqueal e ventilação mecânica de pacientes, elaborada pelo mesmo grupo de especialistas.

Há ainda alguns manuais da pasta sobre procedimentos médicos da Covid, além de nota publicada em 2020 que orienta o uso da hidroxicloroquina. Mas estes documentos não passaram pela Conitec, órgão que serve justamente para avaliar tratamentos ao SUS.

A diretriz, se aprovada, não teria poder de proibir médicos de utilizarem o kit Covid, mas representaria uma derrota às bandeiras negacionistas do governo Jair Bolsonaro (PL). Isso porque seria uma orientação da Saúde contrária ao uso de medicamentos sem eficácia.

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