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Governo Bolsonaro indicou aos estados que deixaria vacinas de crianças na metade do caminho

Saúde tentou mudar o trajeto da entrega das doses e admite que houve desencontro

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Brasília

O Ministério da Saúde tentou mudar de última hora o padrão no processo de entrega de vacinas contra Covid-19 aos estados e indicou que a pasta deixaria doses pediátricas na metade do caminho. O comando provocou confusão em algumas cidades.

Em nota, a pasta admitiu à Folha que, na confusão, superintendências do ministério foram mobilizadas para o transporte e isso "acarretou um desencontro".

As vacinas para crianças estão sendo entregues por uma empresa recém-contratada e com pouca experiência na logística de imunizantes. Houve relatos de doses que chegaram com atraso ou em condições inadequadas de armazenamento e transporte.

Doses de vacinas pediátricas da Pfizer chegam a Santa Catarina em caixa de papelão com gelo
Doses de vacinas pediátricas da Pfizer chegam a Santa Catarina em caixa de papelão com gelo - Arquivo pessoal

Gestores do ministério avisaram estados que caberia às secretarias de Saúde prosseguir com a logística das doses até as redes de frios locais (geladeiras e freezers usados para armazenar o produto). A Folha confirmou a informação com representantes de três estados.

O aviso dado pela pasta contraria a prática adotada até então: a empresa que habitualmente transporta as vacinas tem a atribuição de concluir o deslocamento das doses dos aeroportos aos centros de armazenamento nas capitais, até pela necessidade de tratamento especial dos imunizantes.

Questionado pela reportagem, o Ministério da Saúde afirmou, em nota, porém, que algumas superintendências da pasta nos estados e secretarias estaduais de Saúde acabaram se mobilizando para fazer o transporte das doses dos aeroportos aos depósitos.

"A pasta ressalta que a orientação para as entregas dos imunizantes é a de praxe: a empresa contratada faz o transporte", disse o ministério.

Diante do aviso repassado por representante do ministério, logo no começo da distribuição das doses, autoridades locais de saúde, no entanto, fizeram contato imediato com a nova empresa contratada, a IBL (Intermodal Brasil Logística).

O temor dessas autoridades era que as vacinas pudessem se perder em razão da interrupção da cadeia de transporte.

O apelo surtiu efeito em pelo menos dois casos e os imunizantes foram transportados até as redes de frios de centrais de armazenamento.

"As vacinas chegam em Viracopos [aeroporto em Campinas] e são encaminhadas até o centro de distribuição em Guarulhos [aeroporto em São Paulo]. Lá são armazenadas e inicia-se o processo de preparação da carga para que a IBL envie às secretarias, até cada secretaria de Saúde", afirmou a IBL, em nota.

A empresa que até o momento entrega as demais vacinas contra a Covid-19, a VTCLog, é obrigada pelo Ministério da Saúde a entregar as doses dos imunizantes diretamente nos locais apontados pelas secretarias de Saúde de cada estado.

Reportagem publicada pela Folha no domingo (16) mostrou que a nova empresa contratada pela gestão do ministro Marcelo Queiroga (Saúde), com dispensa de licitação, não teve experiências de transporte de vacinas no serviço público.

A IBL ganhou dois contratos no fim de dezembro, no valor de R$ 62,2 milhões, para armazenar e distribuir a vacina da Pfizer destinada à imunização de crianças e adolescentes. Os contratos foram assinados pelo general Ridauto Lúcio Fernandes, diretor do DLOG (Departamento de Logística em Saúde) da pasta.

Além da dispensa de licitação, condições especiais foram estabelecidas na contratação: o prazo dos contratos poderá ser estendido de um para cinco anos, apesar do caráter de urgência, e a IBL ganhou 60 dias para que fizesse ajustes necessários à execução dos serviços, prazo que a empresa disse não ter sido necessário.

O início da distribuição das doses pediátricas foi marcado por problemas em várias regiões do país durante o fim de semana, quando foi iniciada a imunização de crianças.

Doses foram recebidas nos estados em condições inadequadas de armazenagem. Voos atrasaram, o que retardou o início da imunização. Em alguns aeroportos, não havia equipes da IBL para recepcionar e direcionar as vacinas aos destinos finais.

Um dos problemas de ausência de equipes da empresa no aeroporto, como a Folha mostrou, ocorreu em João Pessoa.

O secretário estadual de Saúde da Paraíba, Geraldo Antônio de Medeiros, relatou que a própria companhia aérea não estava ciente da mudança de diretriz na operação e por isso não queria liberar as doses para os agentes estaduais. Exigia a presença de representantes da empresa.

Apenas depois de vários telefonemas do secretário, que alertou para o risco de as vacinas serem perdidas, a empresa enviou veículos e transportou a carga até a unidade do governo local.

Nesta segunda-feira (17), Medeiros voltou a confirmar que as demais vacinas para a Covid-19 —que seguem sendo distribuídas, por outra empresa— adotam um sistema operacional diferente. A VTCLog, responsável pelo transporte e acondicionamento, entrega diretamente no local indicado pela secretaria.

Em Goiás, as autoridades locais foram avisadas que o transporte dos primeiros lotes da vacina para crianças só seria feito até o aeroporto.

A rede de frios do governo local fica a alguns quilômetros do aeroporto. Um pedido de transporte foi feito à empresa, o que surtiu efeito: a logística foi efetivada até a central de armazenamento.

O transporte das primeiras doses à capital goiana sofreu atrasos sucessivos, com quatro remarcações de horários. O avião acabou pousando em Brasília, e foi necessário transportar as doses por terra, uma distância de 220 quilômetros.

Antes de fazer o transporte de vacinas para crianças, a IBL prestou um único serviço relacionado à pandemia, conforme o Painel de Compras Covid-19 da União: coleta, separação e entrega de 100 mil máscaras para os hospitais universitários federais, dentro de um contrato de R$ 16 mil com a EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

Os contratos para as vacinas envolvem 16,6 milhões de frascos, que devem ser armazenados e transportados numa temperatura entre -90ºC e -60ºC.

A empresa relatou uma única experiência de transporte de vacina, com um laboratório privado, entre 2015 e 2018.

Sobre os imunizantes, a IBL afirmou que a carga recebida em Guarulhos é armazenada em ultrafreezers, dispostos em câmaras frias, quando começa a preparação para a distribuição até os estados.

"As vacinas são acomodadas em caixas isotérmicas, certificadas e validadas para até 72 horas com gelo seco", disse, em nota. "A IBL Logística atende rigorosamente o que está determinado em contrato. As demais prerrogativas são exclusivas do Ministério da saúde", afirmou.

A empresa disse ainda que é uma das maiores do ramo de logística do país e que foi qualificada por técnicos do ministério no processo de dispensa de licitação. As entregas das vacinas são feitas "em prazo recorde, antes até do limite exigido na maioria das praças".

O ministério disse que não houve prejuízo a nenhuma vacina pediátrica entregue aos estados e ao Distrito Federal. "A pasta prestou toda assistência aos entes federados no processo de envio das doses, realizado em tempo recorde para que a imunização infantil tivesse início. A empresa IBL compareceu em todas as capitais para o recebimento da carga."

A pasta afirmou ainda que houve um "processo seletivo" para a escolha da IBL, com "concorrência" entre diversas empresas do mercado.

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