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Manaus vive explosão de Covid um ano após colapso do sistema de saúde

Número de novos casos subiu mais de 4.300% na comparação entre 1º e 13 de janeiro

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Manaus

Manaus registra nova explosão de casos de Covid, com tendência de continuidade da aceleração de infecções, na semana em que completa um ano do drama causado pelo colapso do sistema de saúde e das mortes de doentes por asfixia em hospitais.

A doença voltou a impactar a capital do Amazonas e rapidamente lota unidades de pronto atendimento. A terceira onda chega em meio a relatos de esgotamento mental e físico por parte dos profissionais da saúde, além de afastamentos por reinfecção.

O número de novos casos confirmados com exames saltou de 37, em 1º de janeiro, para 1.659 nesta quarta-feira (12), um aumento de mais de 4.300%.

No dia anterior, o Amazonas registrou 1.219 casos novos, marca que não alcançava desde 31 de março de 2021, quando o estado ainda vivia sob o efeito da segunda onda, de acordo com dados da FVS (Fundação de Vigilância em Saúde).

Pessoas em camas e em cadeiras aguardando atendimento em uma sala com parede azul
Pacientes com suspeita de Covid em atendimento na UPA José Rodrigues, em Manaus, nesta quinta-feira (13) - Edmar Barros/Folhapress

Nesta quarta, farmácias e postos de saúde que oferecem testes para Covid ficaram lotados o dia todo. As portas das unidades de urgência e emergência, há cerca de uma semana, repetem o cenário de aumento da procura. As duas situações provocam aglomeração em ambientes fechados e riscos de infecção de quem não está com o coronavírus.

Governo e prefeitura suspenderam licenças e férias do setor da saúde e a SES (Secretaria de Estado de Saúde) se prepara para reativar leitos.

Os números de óbitos e a de ocupação de leitos clínicos e de UTIs, no entanto, não sofreram, neste momento, pressão como a do ano passado —no primeiro trimestre de 2021, foram 6.600 mortes no Amazonas, um dos índices per capita mais elevados do mundo.

No pico do ano passado, redes pública e privada chegaram a ter 753 leitos de UTIs e 1.977 leitos clínicos ocupados, com uma fila de espera de mais de 500 pacientes. Esses números foram registrados no dia 31 de janeiro, quando já estava em funcionamento o plano de transferência de pacientes para outros estados por causa do colapso do sistema e da falta de oxigênio.

Os dados atuais apontam para 35 leitos de UTI e 96 leitos clínicos ocupados com pacientes com Covid, em hospitais públicos e privados. Jessen Orellana, epidemiologista da Fiocruz Amazonas, pondera que é preciso observar o aumento diário médio de ocupação de leitos por Covid-19 nos últimos 14 dias: a subida foi de 76% em leitos clínicos e de 60% em UTI.

"Medidas urgentes e mais agressivas são necessárias. Logo aumentarão as mortes evitáveis", diz.

Para a enfermeira Glenda Nascimento de Freitas, diretora da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) José Rodrigues, na zona norte de Manaus, a vacina "segura" o agravamento em relação ao que ocorreu com a variante gama no ano passado, mas não evita por completo nova pressão do sistema nem a sobrecarga para os profissionais.

O período chuvoso também é marcado pelo aumento da disseminação de outros vírus e a SES registra casos de coinfecção de Covid e influenza H3N2.

"A vacinação dá muita resposta. Mas não temos todas que queríamos. Diminuiu a gravidade, mas há um impacto de muita lotação de doentes. Temos tido condições de atender e mandar para casa. Ontem [dia 11], fizemos 202 testes, 138 positivos. As infecções sobem numa cadeia exponencial. Estamos muito temerosos", diz.

A diretora da UPA afirma que estruturalmente a condição é melhor do que em 2021: a unidade tem hoje um tanque com a capacidade dobrada de oxigênio e mais equipamentos. "Tem até mais profissionais. Mas tem o peso dos dois anos, que não foram fáceis. Tem o medo, a insegurança. Como gestora fico muito preocupada. A equipe não estava preparada para uma nova onda."

Enterro em área reservada para vítimas de Covid em Manaus em 5 de janeiro de 2021 - AFP

Freitas conta que nesta semana três enfermeiros e um funcionário da limpeza tiveram de se afastar da linha de frente porque pegaram Covid. Um deles está internado em outro hospital.

A presidente do Sindicato dos Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem, Graciete Mouzinho, afirma que muitos profissionais adoeceram nos últimos dias, mas não há dados precisos.

A Secretaria Municipal de Saúde afirma que entre 1º de dezembro de 2021 e 7 de janeiro de 2022, 278 funcionários da saúde precisaram se afastar por "infecções do trato respiratório".

Num serviço de pronto atendimento da zona centro-sul de Manaus, uma funcionária que pediu para não ser identificada disse que voluntários tiveram de assumir o raio-X em razão do afastamento do operador, infectado com Covid.

Sala cheia de pessoas sentadas ou em pé
Recepção da UPA José Rodrigues, em Manaus, nesta quinta (13) - Edmar Barros/Folhapress

A presidente do sindicato reclama que muitos profissionais pegaram Covid na primeira e segunda ondas e permaneceram na linha de frente com sequelas.

"Estão sequelados. Apresentando trombose, que é uma doença grave e não têm recurso para fazer tratamento. Nem isso os governantes pensaram: uma equipe para cuidar desses profissionais, para eles se recuperarem e voltarem para linha de frente."

Mouzinho afirma que mesmo sem colapso o sistema é lento para exames básicos e de urgência e que os profissionais da saúde, que enfrentaram as ondas, se submetem à mesma espera na rede pública.

A presidente do sindicato afirma que o salário bruto dos técnicos de enfermagem é, em média, de R$ 1.400, sem benefícios como auxílio transporte ou alimentação. "Chamam de heróis. Palavras não são suficientes. Valorizem. Aplausos não pagam consultas, não dão alimentação. Alguns não têm dinheiro para se alimentar no plantão de 12 horas. Sabe o que é trabalhar num hospital e passar 12 horas sem comer?"

Questionada pela reportagem, a pasta respondeu não ter informações sobre sequelas dos profissionais da linha de frente.

Descontrole

No dia 8 de dezembro, a FVS emitiu alerta sobre aceleração da Covid no Amazonas e mudou a faixa de risco da doença no estado da fase amarela (baixo risco) para uma proximidade da fase laranja (risco moderado).

A explosão da variante ômicron em outros países e o aniversário de um ano de colapso pressionaram a Prefeitura de Manaus, que cancelou o Réveillon da cidade. Mas as aglomerações sem máscara e distanciamento foram registradas no comércio e em eventos de Natal durante todo o mês, além de festas particulares.

Para Orellana, os erros se repetem associados à falta de controle epidemiológico e laboratorial no Amazonas. Ele afirma que a sociedade foi informada no dia 4 de janeiro que a ômicron circulava na cidade, mas que o provável é que a variante já se propagava há mais tempo.

O epidemiologista afirma que, uma vez que a ômicron é mais contagiosa que a gama e a delta e chega à cidade quando os primeiros vacinados já tem mais de seis meses da imunização, a tendência é de crescimento de casos e possível aumento de internações. Para Orellana, é necessário que as autoridades do Amazonas, de forma urgente, adotem medidas para diminuir a circulação.

"É preciso levar a sério a restrição da circulação das pessoas e a condição do sistema de saúde após dois colapsos, se não vamos assistir de novo às autoridades cruzarem os braços, não adotarem nenhum tipo de controle e só tardiamente publicarem decretos. Com certeza, ocorrerão mortes plenamente evitáveis", afirma. "É uma combinação triste de negligência das autoridades sanitárias e da população. Uma combinação de morte".

De acordo com dados da FVS, 55,1% da população do Amazonas têm a cobertura vacinal completa. Em relação à população vacinável, acima de 12 anos, o percentual é de 71,7%.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, 98.868 pessoas com idade acima de 12 anos não tomaram nem uma dose da vacina. Outras 267.173 não voltaram para a segunda. Os dados foram atualizados na manhã desta quinta (13).

Também procurado, o governo estadual do Amazonas não respondeu à reportagem até a publicação.

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