Para testes de coronavírus, o nariz talvez não seja o melhor lugar

Coletar saliva ou esfregar o interior da boca podem ajudar a identificar pessoas infectadas dias mais cedo que bastonetes nasais

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Emily Anthes
The New York Times

Nos últimos dois anos, diagnosticar uma infecção por coronavírus muitas vezes exigiu sondar o nariz. Os profissionais de saúde inserem cotonetes finos no fundo das cavidades nasais das pessoas, enquanto os testes caseiros nos pedem para dominar o giro raso nas duas narinas.

"A abordagem tradicional para diagnosticar infecções respiratórias tem sido pelo nariz", disse o doutor Donald Milton, especialista em vírus respiratórios na Universidade de Maryland.

Mas a rápida disseminação da variante ômicron e as perguntas sobre a sensibilidade dos testes caseiros reacenderam uma discussão sobre se a melhor maneira de detectar o vírus seria pegar a amostra em outro lugar: a boca.

Robô controlado remotamente esfrega bastonete no interior da boca de uma pessoa, em Tanta, no Egito - Khaled Desouki - 20.mar.2021/AFP

"O vírus aparece primeiro na boca e na garganta", disse Milton. "Isso significa que a abordagem que estamos adotando para testar tem problemas."

Coletar amostras de saliva ou esfregar o interior da boca podem ajudar a identificar pessoas infectadas com o vírus dias mais cedo que os bastonetes nasais, sugerem algumas pesquisas.

A ciência ainda está evoluindo, e os dados pintam um quadro complexo, sugerindo que os testes baseados em saliva têm suas limitações. Muitos laboratórios não estão equipados atualmente para processar saliva, nem os testes de antígeno caseiros disponíveis nos Estados Unidos são autorizados para isso.

Mas até mesmo os céticos da saliva reconhecem que as amostras orais têm algumas vantagens únicas. E com a ômicron em marcha alguns especialistas dizem que empresas de testes, laboratórios e autoridades federais devem trabalhar com mais urgência para determinar os melhores locais e tipos de amostras para o vírus.

"Precisamos ser adaptáveis", disse Anne Wyllie, microbiologista da Escola de Saúde Pública de Yale, que é uma das desenvolvedoras do SalivaDirect, um protocolo de teste não comercial de reação em cadeia da polimerase (ou PCR). "Eu vejo tantos laboratórios ou governos que estão fixados em um certo tipo de amostra ou de teste que, mesmo com a mudança de dados ou das preferências de teste, não fazem as adaptações necessárias em seus programas de testagem."

A tese da saliva

Os cientistas começaram a investigar os testes de saliva nos primeiros meses da pandemia. Eles estavam ansiosos para encontrar um método que fosse mais confortável do que os bastonetes nasofaríngeos profundos que eram o padrão na época e que não exigiam profissionais de saúde treinados ou os bastonetes nasais, ambos escassos. Com saliva, as pessoas podiam simplesmente cuspir em um tubo e entregá-lo para processamento.

Alguns profissionais de laboratório estavam céticos de que o teste de saliva seria uma maneira confiável de detectar a infecção.

"Inicialmente houve preocupações de que a saliva não fosse a amostra padrão ouro, que não fosse a amostra mais sensível", disse Glen Hansen, do laboratório de microbiologia clínica e diagnóstico molecular do Centro Médico do Condado de Hennepin, em Minnesota.

Profissional da saúde faz teste em pessoa em Pequim, na China - Noel Celis - 10.mar.2021/AFP

Mas no outono de 2020 dezenas de estudos sugeriram que a saliva era uma amostra adequada para testes.

"Tem havido um crescente corpo de evidências de que, no mínimo, a saliva funciona bem –é tão boa quanto, ou melhor, quando coletada e processada adequadamente", disse Wyllie.

Também surgiram evidências de que o vírus tendia a aparecer na saliva antes de se acumular no nariz, sugerindo que as amostras de saliva poderiam ser a melhor maneira de detectar precocemente a infecção.

Milton e seus colegas descobriram recentemente que, nos três dias antes do aparecimento dos sintomas e nos dois dias seguintes, as amostras de saliva continham cerca de três vezes mais vírus do que as amostras nasais e tinham 12 vezes mais chances de produzir um resultado positivo de PCR. Depois disso, porém, os vírus começavam a se acumular mais no nariz, segundo o estudo, que ainda não foi publicado em uma revista científica.

A Administração de Alimentos e Drogas (FDA) já autorizou vários testes de PCR baseados em saliva, que se mostraram populares para triagem de estudantes nas escolas.

"A saliva realmente se tornou um tipo de espécime valioso e que tem sido cada vez mais defendido como amostra básica para testes", disse Hansen.

As vantagens da saliva podem ser acentuadas com a ômicron, que parece se replicar mais rapidamente no trato respiratório superior e tem um período de incubação mais curto do que as variantes anteriores.

Qualquer método de teste que possa detectar o vírus com segurança mais cedo é particularmente valioso, disseram especialistas.

As complicações

A saliva também tem lados negativos. Embora o vírus pareça se acumular na saliva precocemente, o nariz pode ser um lugar melhor para detectá-lo mais tarde no curso da infecção.

Pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia descobriram que, embora o vírus geralmente atinja primeiro a saliva, ele finalmente sobe para níveis mais altos no nariz. Seus resultados sugerem que testes altamente sensíveis, como os de PCR, podem detectar infecções na saliva dias mais cedo do que com bastonetes nasais, mas testes menos sensíveis, como os de antígeno, não podem.

Os dados sobre a saliva ainda são mistos, observaram alguns especialistas.

"Existem esses poucos estudos que eu achei realmente muito interessantes", disse a doutora Mary K. Hayden, médica de doenças infecciosas e microbiologista clínica do Centro Médico da Universidade Rush, em Chicago.

Mas Hayden disse que estava interpretando os novos estudos com cautela porque "durante anos e anos" a pesquisa sugeriu que as amostras nasofaríngeas são melhores para detectar vírus respiratórios.

Alguns cientistas também têm preocupações práticas. A boca é "um ambiente um pouco mais descontrolado em comparação com as passagens nasais", disse Joseph DeRisi, bioquímico da Universidade da Califórnia em San Francisco, que é presidente da Chan Zuckerberg Biohub e autor do artigo sobre o bastonete de bochecha. "Você bebeu um refrigerante pouco antes de fazer o teste? O pH vai ser diferente. E essas coisas importam."

A saliva pode ser "viscosa e difícil de trabalhar", especialmente quando os pacientes estão doentes e desidratados, disse Marie-Louise Landry, diretora do laboratório de virologia clínica do Hospital Yale New Haven, por email.

Em última análise, diferentes abordagens podem ser necessárias em diferentes circunstâncias. Para pessoas que estão com sintomas há vários dias, os bastonetes nasais podem ser uma boa opção, enquanto a saliva pode ser mais adequada para a triagem em grande escala de pessoas assintomáticas, sugeriu Hansen. "Precisamos colocar o teste certo nos lugares certos", disse ele.

Na Grã-Bretanha, alguns testes caseiros exigem esfregar bastonetes tanto na garganta quanto no nariz, uma abordagem que pode valer a pena, disseram especialistas.

"A amostragem de vários lugares sempre dará uma vantagem", disse Hayden.

Mulher usa um cotonete para coletar amostra de sua boca em Londres, no Reino Unido - Adrian Dennis - 25.mai.2021/AFP

Mas, se os fabricantes de testes quiserem adicionar amostras de saliva ou bastonetes de garganta, eles precisarão validar seus testes com essas amostras e enviar os dados aos órgãos reguladores. Em uma audiência no Senado dos EUA na terça-feira (18), a doutora Janet Woodcock, comissária da FDA, observou que os fabricantes também podem ter que reconfigurar seus testes para acomodar os bastonetes maiores que são projetados para a garganta.

Ainda não está claro se alguma das principais empresas de testes domésticos tem planos de fazê-lo.

"Continuamos monitorando e avaliando", disse John M. Koval, porta-voz da Abbott Laboratories, que faz testes rápidos de antígenos. "Nosso teste é indicado atualmente apenas para uso nasal."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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