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Coronavírus

Quanto terá custado o atraso de 30 dias para o início da vacinação de crianças contra a Covid-19?

Autoridades do governo federal deflagraram uma série de medidas protelatórias para tentar impedir a introdução de um esquema vacinal para este grupo etário

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Eduardo Massad

Professor titular na Universidade de São Paulo e na Fundação Getulio Vargas

Vinícius Albani

Professor assistente e líder do Laboratório de Análise e Modelagem Matemática em Ciências Aplicadas da Universidade Federal de Santa Catarina

Francisco Antonio Bezerra Coutinho

Professor sênior da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e da Academia Brasileira de Ciências

Dimas Tadeu Covas

Presidente do Instituto Butantan e do Conselho Curador da Fundação Butantan

No dia 16 de dezembro de 2021, a Anvisa aprovou a vacina da Pfizer contra a Covid-19 para crianças entre 5 e 11 anos. Surpreendentemente, autoridades do governo federal deflagraram uma série de medidas protelatórias para tentar impedir a introdução de um esquema vacinal para esse grupo etário.

As medidas desnecessárias e absurdas foram propostas pelo Ministério da Saúde. Incluíam a necessidade de um estudo mais detalhado do que o feito pela Anvisa e que seria feito por técnicos do Ministério da Saúde, a exigência de prescrição médica para a vacinação das crianças, e até uma inédita e absurda consulta pública sobre a conveniência da vacinação de crianças.

Esse processo culminou com uma manifestação da autoridade máxima do país minimizando a morte de crianças por Covid-19 e ignorando completamente os 308 óbitos de crianças entre 5 e 11 anos de idade registrados pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2021.

Além disso, o governo federal parece ignorar que as crianças infectadas pelo Sars-CoV-2 podem sofrer de efeitos gravíssimos, como a síndrome inflamatória multissistêmica aguda.

Criança sendo vacinada
O Governo de São Paulo iniciou na sexta-feira (14) a vacinação do público de 5 a 11 anos contra Covid-19 - Bruno Santos - 14.jan.2022/ Folhapress

O governo alega que encomendou a vacina assim que a Pfizer entrou com o pedido de autorização junto à Anvisa. Entretanto, é difícil acreditar nessa afirmação, pois, se assim fosse e houvesse vacinas disponíveis no fabricante, a vacinação das crianças poderia ter se iniciado no dia seguinte à autorização.

Quantos casos e mortes teriam sido evitados se o governo federal tivesse procedido imediatamente com a vacinação em vez de tentar protelar o seu início?

Para responder a essa pergunta, utilizamos um modelo matemático que consiste em simulação em ambiente computacional da dinâmica da Covid-19 na faixa etária de 5 a 11 anos. Os resultados são as estarrecedoras cifras de 23 mil casos e 37 mortes evitáveis nessa faixa de idade para esses 30 dias de atraso.

Esse mesmo modelo mostrou a sua utilidade quando previu, uma semana antes da Copa América de 2021, que ocorreriam 27 casos de Covid-19 entre os atletas participantes, um número muito próximo das 33 infecções registradas.

Com base nesse caso e em uma série de outros exemplos, pode-se afirmar que esse modelo tem confiabilidade e boa capacidade preditiva.

Esse mesmo tipo de modelo já demonstrou há muitos anos que, quando se vacinam as faixas etárias superiores à média de idade em que as pessoas adquirem a infecção, essa idade média diminui e, como é o caso, se a infecciosidade aumenta, eleva-se o risco para os indivíduos das faixas etárias mais baixas.

No Brasil, já circula a variante ômicron do Sars-CoV-2, que é muito mais infectante, podendo cada pessoa infectada contaminar outras dez, e o número de casos de Covid-19 em crianças pode aumentar significantemente, o que explica os 23 mil casos previstos pelo modelo.

Caso o Instituto Butantan tivesse a autorização para a aplicação da Coronavac na faixa etária de 3 a 11 anos, mais 5.000 casos teriam sido evitados e cinco vidas poupadas nesses 30 dias.

Embora a taxa de letalidade da variante ômicron seja inferior à das cepas anteriores, o número de casos esperados é tão grande que as mortes certamente se acumulariam, o que explica a mortalidade esperada, nesses 30 dias de procrastinação, ser de 12% do total de mortes registradas até dezembro de 2021.

Entretanto, deve-se entender que o modelo é sensível à taxa de contato entre as pessoas e isso muda de acordo com medidas tomadas por autoridades municipais e estaduais. Essas autoridades, diferentemente de certas autoridades federais, ouvem a opinião de grupos de especialistas para enfrentar a pandemia.

O ex-primeiro ministro britânico Harold Macmillan dizia: "Se você não acredita em Deus, acredite na decência". O presidente do Brasil diz que acredita em Deus (acima de tudo), mas é difícil imaginar indecência maior que tentar impedir a vacinação de nossas crianças contra a doença que mais mata dentre as infecções preveníveis pela vacinação.

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