Estudos para vacina contra Covid pelo nariz avançam

Imunização por via nasal pode ter papel importante em barrar a transmissão do vírus

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Hyderabad, Índia | The New York Times

Na periferia desta cidade indiana secular, a um mundo de distância de sua agitação e ruas congestionadas, os laboratórios modernos da Bharat Biotech estão produzindo uma vacina contra Covid que em lugar de ser injetada, terá a forma de um spray nasal.

Como vários estudos demonstraram recentemente, as vacinas hoje disponíveis oferecem imunidade forte e de longa duração contra sintomas graves da Covid. Mas a proteção que garantem contra o contágio pelo coronavírus é passageira e pode ser enfraquecida quando aparecem novas variantes do vírus, falha que tem levado a sugestões de que seriam necessárias doses regulares de reforço.

Mulher faz teste nasal de Covid em Nova York
Mulher faz teste nasal de Covid em Nova York - Angela Weiss 8.out.20/AFP

No longo prazo, é possível que as vacinas nasais sejam a melhor maneira de prevenir infecções, isso porque oferecem proteção exatamente onde ela é necessária para afastar o vírus: nas mucosas das vias aéreas, sempre o primeiro ponto de chegada do coronavírus.

A Bharat Biotech é uma das maiores fabricantes mundiais de vacinas. Seu produto mais conhecido, a Covaxin, foi autorizado para a prevenção da Covid na Índia e em muitos outros países. Mas é sua vacina nasal experimental que pode acabar sendo realmente revolucionária.

Numa situação de epidemia, imunizar populações inteiras com uma vacina nasal ou oral seria mais rápido que com uma vacina injetada, que requer habilidade e tempo para ser administrada. Para muitas pessoas, incluindo crianças, uma vacina nasal pode ser mais tolerável que injeções doloridas. E seriam evitadas faltas de agulhas, seringas e outros materiais.

Vacinas intranasais "podem ser administradas facilmente em campanhas de imunização em massa, reduzindo a transmissão", disse Krishna Ella, presidente e gerente diretor da Bharat Biotech.

Há pelo menos uma dúzia de outras vacinas nasais em desenvolvimento pelo mundo afora, algumas das quais já em ensaios clínicos de fase três. Mas é a da Bharat Biotech que pode ser a primeira a ser disponibilizada. Em janeiro a empresa conseguiu autorização para iniciar um ensaio de fase três do spray nasal na Índia como reforço para pessoas que já receberam duas injeções de uma vacina contra Covid.

A variante ômicron deixou muito claro que mesmo três doses de uma vacina, embora garantam proteção forte contra sintomas graves, podem não prevenir o contágio. Isso ocorre porque as vacinas injetadas produzem anticorpos no sangue, comparativamente poucos dos quais chegam ao nariz, que é a porta de entrada do vírus.

Idealmente, as chamadas vacinas de mucosa revestiriam as mucosas do nariz, boca e garganta com anticorpos de longa duração e seriam muito mais eficazes na prevenção da infecção e propagação do vírus. É a diferença entre colocar guardas diante dos portões para barrar intrusos e tentar expulsar os intrusos depois que já invadiram o castelo.

Para a imunologista Jennifer Gommerman, da Universidade de Toronto, as vacinas nasais "são a única maneira de realmente barrar a transmissão de pessoa a pessoa ". "Não podemos viver eternamente protegendo as pessoas vulneráveis e lhes aplicando doses de reforço para manter seus anticorpos em níveis artificialmente altos."

Já foi comprovado que vacinas nasais protegem camundongos, furões, hamsters e macacos contra o coronavírus. Um novo estudo noticiado na semana passada trouxe evidências fortes de seu poder como reforço.

Uma vacina de reforço intranasal induziu células imunes de memória e anticorpos no nariz e garganta e reforçou a proteção dada pela vacina inicial, informaram os pesquisadores. O estudo ainda não foi publicado num periódico científico.

"Nossa proposta não é usar a vacina nasal para a vacinação primária, mas como reforço, porque com ela é possível aproveitar e intensificar a imunidade existente que já foi criada", disse Akiko Iwasaki, imunologista da Universidade Yale que encabeçou o estudo.

Quando ela e seus colegas usaram um misto de proteínas do novo coronavírus e também do vírus relacionado a Srag (síndrome respiratória aguda grave), sua vacina nasal experimental parece ter sido capaz de afastar uma gama grande de variantes do coronavírus.

"Há alguma flexibilidade, e pode haver mais resiliência contra o vírus", disse Gommerman, que não participou do trabalho. "E, como não sabemos o que o vírus vai fazer a seguir, isso é altamente atraente."

As vacinas atuais contra Covid são injetadas no músculo e têm desempenho excelente em treinar as células imunes a combater o vírus depois que ele penetra no corpo. Produzem anticorpos chamados IgG (de imunoglobulina tipo G) que circulam no sangue e podem ser convocados quando necessário.

Mas poucos desses anticorpos chegam ao nariz e garganta, e mesmo os que o fazem perdem força em pouco tempo.

Já as vacinas nasais produzem um conjunto especial de anticorpos chamados IgA (imunoglobulina tipo A) que se desenvolvem bem em superfícies mucosas, como o nariz e a garganta. E esses anticorpos podem levar mais tempo para enfraquecer.

Uma vacina aplicada com um nebulizador poderia revestir toda a via aérea, incluindo os pulmões, com anticorpos IgA. "Não é apenas a ponta do nariz que é protegida", disse Iwasaki.

"O local é realmente importante, e a imunidade das mucosas é realmente importante para a proteção contra infecção", disse Michal Tal, imunologista da Universidade de Stanford que participou do trabalho.

As pessoas que adquirem imunidade devido a uma infecção com o vírus, e não por terem recebido uma vacina injetada, tendem a apresentar imunidade forte da mucosa, pelo menos por algum tempo. Isso, segundo Tal, pode ajudar a explicar porque parecem ter resistido melhor à variante delta do que pessoas vacinadas.

Mas ela avisou que tentar se infectar para conseguir imunidade de mucosa é perigoso. "O jeito certo de as pessoas conseguirem esse tipo de proteção das mucosas deve realmente ser com uma vacina nasal", disse.

Ainda segundo a imunologista, as vacinas injetáveis são a abordagem correta para gerar a imunidade sistêmica necessária para prevenir mortes e sintomas graves, o objetivo urgente no início da pandemia. E a administração Trump promoveu várias candidatas através de sua operação Warp Speed.

"Foi um bom primeiro passo, mas precisávamos ter vacinas intranasais prontas para serem usadas de reforço logo depois disso", ela acrescentou. "Eu queria realmente que tivéssemos uma operação Warp Speed 2.0 para vacinas nasais."

Tradução de Clara Allain.

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