Descrição de chapéu Coronavírus

Com UTIs lotadas, profissionais de saúde revivem traumas em Rondônia

Taxa de ocupação de leitos chegou a atingir 92% neste mês

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Francisco Costa
Porto Velho

A enfermeira Raiana Almeida, 32, deixou a família em Porto Velho em janeiro de 2020 para se juntar por três meses ao mutirão de profissionais que reforçaram equipes de saúde no Amazonas. Foi o período mais crítico da pandemia, e muitos pacientes morreram sem oxigênio nas UTIs.

"Testemunhei muitos óbitos. Todo mundo que trabalhava com a Covid não ficou bem e não está bem ainda", conta. Quando a família contraiu o vírus, ela decidiu voltar para Rondônia, no mês seguinte.

Em Porto Velho, encontrou "hospitais cheios de gente, muitas viaturas circulando pela cidade e unidades de saúde cheias". Mesmo com alguma melhora, um ano depois a enfermeira conta ainda ver muitos internados, entre os quais boa parte se recusa a se vacinar ou não completou o ciclo de imunização.

Paciente coberto por lençol verde em leito de UTI
Paciente com Covid em UTI do Hospital de Campanha de Porto Velho, criado em 2021; estado tem taxas altas de ocupação de leitos para casos críticos - Divulgação

Rondônia é um dos estados brasileiros com a maior lotação nas UTIs para Covid neste ano. O estado já chegou a atingir neste mês 92% de ocupação dos leitos para os casos mais críticos.​

O número de casos diários manteve-se alto, com uma média de 2.247 entre 6 e 12 de fevereiro, segundo levantamento do grupo de pesquisa da Covid da Universidade Federal de Rondônia. Já são 6.972 mortes desde o início da pandemia.

Nas últimas semanas, a dona de casa Angela Jaiker Maia esteve com um dos seus quatro filhos no hospital de campanha. A estrutura, criada em janeiro de 2021 para atender o excesso de pacientes críticos, ainda não foi desmontada.

Maia é moradora da zona sul, no bairro Castanheira, área que teve muitos óbitos e casos de Covid no ano passado. O filho de 13 anos foi internado com pneumonia e influenza.

Ela conta que teve que recorrer ao Ministério Público para conseguir um leito para o filho. "Ele ficou na enfermaria, não precisou ir para UTI. Mas eu tive medo de ser Covid e perder meu filho. No hospital de campanha não tinha muita gente como no ano passado, pelo menos onde eu vi".

fachada de hospital
Centro de Medicina Tropical de Rondônia, principal unidade para pacientes críticos da Covid-19 que precisam de UTI no estado - Francisco Costa/Folhapress


O técnico de enfermagem Lucas Rodrigues, 27, trabalha no Cemetron (Centro de Medicina Tropical de Rondônia), onde funciona a maior estrutura de UTIs. Ele conta que trabalho durante a pandemia comprometeu sua saúde mental. Desde o começo da propagação da Covid, ele atua na linha de frente.

O profissional de saúde contraiu o vírus em março de 2021 e logo depois a mãe também foi infectada, no mesmo período, mas não foram hospitalizados. Ainda assim continuou trabalhando, mas passou a tomar medicação para dormir.

"Tive muita insônia, fiz tratamento com remédio controlado para dormir. Eu acordava no meio da noite, assustado. Tinha pesadelos com mortes", conta.

A sensação permanece. "Eu tinha um sono tranquilo, dormia tranquilo. Agora é diferente. Às vezes eu controlo um pouco, vou lá fora do apartamento, respiro e volto. Até me acalmar. A sensação é de desespero, mas tento me acalmar".

Lucas disse que o governo estadual oferece suporte psicológico para todos os profissionais de saúde. "Eu preciso de tratamento, mas não estou preparado ainda." Ele diz ter medo de enfrentar as terapias.

Gerente-médico do hospital de campanha de Rondônia, médico há dez anos, Flori Menezes contraiu Covid com a esposa em novembro do ano passado. Os dois tiveram que ficar isolados dos filhos, mas não houve necessidade de hospitalização. Ele também perdeu amigos para o vírus e viu muitos óbitos entre jovens e idosos.

"A gente trabalhava num cenário com muitas mortes, além do habitual. Era muito diferente de tudo que a gente costuma ver no dia a dia. A gente pede que essa pandemia nunca mais volte a ser como era antes".

O clínico-geral diz que ele e seus colegas não podiam parar de trabalhar, mesmo sabendo que a saúde mental não estava boa.

"A gente trabalhava porque era nossa missão salvar alguém que precisa, mas também com a cabeça preocupada, pensando: 'Será que eu não vou ser o próximo na lista de óbitos? E meus familiares?'", afirma Menezes.

"A gente estava trabalhando e no outro dia ficamos sabendo que seu colega se agravou e precisou ser entubado. Todos os profissionais ficaram abalados".

A situação atual, segundo ele, é de mais leitos disponíveis e insumos do que em 2021. O cansaço das equipes, porém, pesa após dois anos de pandemia.

O governador Marcos Rocha (PSL), aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), proibiu por meio de decreto a vacinação compulsória e obrigatoriedade do passaporte vacinal.

Com a alta lotação em UTIs, o comitê científico da Universidade de Rondônia recomenda cautela pela população. "O alto nível de contágio da população vem gerando demandas ambulatoriais e internações, que impactam nas estatísticas e previsões de casos".

"É urgente a necessidade de divulgação e adoção de estratégias efetivas para alcançar coberturas vacinais adequadas com dois objetivos: proteger a população da evolução para casos graves e óbitos pela Covid-19 e, em segundo lugar, impedir o surgimento de novas variantes, que, no caso, poderão perpetuar a situação pandêmica atualmente vivenciada", diz o relatório mais recente de análise de cenário do comitê.

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