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Crianças com síndrome grave em razão da Covid ficam com sequela cardíaca

Alterações foram observadas 6 meses após infecção, segundo estudo do HC; alerta é para necessidade de acompanhamento

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São Paulo

Crianças que desenvolveram a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) em razão da Covid-19 continuam com alterações nos vasos sanguíneos que nutrem o músculo do coração seis meses após a alta hospitalar. Mas não apresentam sintomas, como cansaço, o que pode deixar o quadro passar despercebido pela família e pelos médicos.

O alerta vem de um novo estudo do ICr (Instituto da Criança e do Adolescente) do Hospital das Clínicas de São Paulo e reforça a necessidade de acompanhamento a longo prazo das crianças que tiveram a síndrome após a Covid. Essas alterações, se persistirem, levam a um aumento do risco de infarto e insuficiência cardíaca na vida adulta.

A pesquisadora e médica Gabriela Leal, coordenadora do serviço de ecocardiograma do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de SP - Assessoria de imprensa do ICr

A síndrome é uma condição rara. Atinge uma a cada 3.000 crianças e jovens abaixo de 21 anos que contraem Covid. Ocorre devido a uma reação intensa do sistema imunológico para tentar combater o coronavírus e pode acometer vários órgãos vitais, como o coração. A taxa de mortalidade no Brasil é de 6%, quatro vezes inferior à dos Estados Unidos.

O estudo do ICr é o primeiro a apontar a persistência dessas alterações seis meses, em média, após a alta da criança. Uma outra pesquisa publicada no mês passado no Journal of the American Heart Association sugeriu que o coração das crianças afetadas pela SIM-P se recupera no período de uma semana a três meses.

O Instituto da Criança acompanha o impacto da Covid nas crianças desde a primeira onda da doença, em 2020. No estudo, já aceito na revista científica voltada à área cardiológica Microcirculation, foi avaliado um grupo de seis crianças (três meninas e três meninos) com idade média de nove anos, internadas no instituto entre julho de 2020 e fevereiro de 2021.

"São crianças que tiveram alta, foram para casa e têm um ecocardiograma de rotina normal. Ou seja, se passarem em qualquer serviço e forem avaliadas com o eco [cardiograma] básico, o resultado será normal. Mas, quando submetidas a um ecocardiograma especial, as alterações são visíveis", explica a cardiologista pediátrica Gabriela Leal, coordenadora do serviço de ecocardiograma do ICr.

A médica diz que o grupo decidiu publicar o estudo mesmo com um número pequeno de crianças como forma de alerta, para que outros especialistas passem a acompanhar as crianças que tiveram a SIM-P de forma mais rigorosa e com exames mais adequados.

"Pode ser que isso se resolva com crescimento da criança? Ótimo. Se resolver, acabou o problema. Mas isso pode se manter, e a gente só terá essa resposta acompanhando. A mensagem é: temos um problema e um problema que continua presente seis meses, na média, depois que a criança teve alta."

O alerta também é dirigido aos pais para que vacinem suas crianças e mantenham as medidas de prevenção, como uso de máscara e álcool em gel, contra a Covid. "Enquanto tivermos muitas crianças infectadas, uma ou outra vai desenvolver essa a resposta inflamatória exacerbada", diz ela.

No estudo do ICr foi utilizado um ecocardiograma especial, que tem uma técnica que mapeia o músculo cardíaco em 17 segmentos. "Eu olho o coração em pequenos pedaços e estudo o quanto o músculo cardíaco consegue se performar, ou seja, contrair, relaxar."

As crianças também foram avaliadas por um PET-CT com amônia marcada. Por meio da injeção dessa substância, radioativa, é possível observar o fluxo que chega aos microvasinhos do músculo cardíaco.

Ambos os exames encontraram as alterações nos mesmos segmentos. A boa notícia é que o ecocardiograma especial, muito mais acessível e menos invasivo do que o PET-CT, poderá ser usado como marcador de um futuro risco cardiovascular, segundo a médica.

Ainda na primeira onda da Covid, em 2020, o grupo do ICr percebeu que crianças internadas com a SIM-P que tinham uma disfunção ventricular, ou seja, perda da função de bomba do coração, eram também as que tinham um marcador (dedímero) mais alto de inflação e de trombose.

"Para o coração funcionar de forma adequada, o músculo cardíaco precisa estar bem irrigado. O fato de ter o dedímero aumentado alerta para a possibilidade de estar ocorrendo microtromboses também no território coronariano", explica a médica.

Um outro trabalho do instituto, em conjunto com o departamento de patologia da USP, analisou amostras de coração de oito crianças que morreram de SIM-P. Foi encontrado o vírus Sars-Cov-2 dentro do músculo cardíaco, causando a inflamação (miocardite).Também foi observada inflamação dos vasos que nutrem o músculo do coração (microcirculação coronariana) e pequenos coágulos no interior deles.

"Se essas crianças não melhorarem, podem correr mais risco de um infarto ou insuficiência na vida adulta, especialmente se estiverem submetidas a outros fatores de risco, como hipertensão, diabetes, obesidade, tabagismo."

O país teve uma explosão de novos casos de internações infantis por Covid em janeiro e registros de SIM-P são esperados nas próximas semanas, já que a manifestação é tardia.

"Dez, 15 dias depois de um aumento de casos de Covid aguda, começam a aparecer casos da SIM-P. Vimos isso no ano passado e estamos nos preparando para eventuais novos registros nos próximos dias", afirma o pediatra Mario Palumbo Neto, diretor técnico de saúde do Hospital Infantil Cândido Fontoura.

Em 2021, o hospital, a maior instituição pública pediátrica do estado de São Paulo, registrou 36 atendimentos de SIM-P.

Segundo o diretor, na maioria vezes, a criança precisou ser internada na UTI. "É uma doença grave, que muitas vezes afeta a coronária, a artéria que irriga o coração. A criança precisa de uma medicação específica, imunoglobulina, que necessita de monitoramento na terapia intensiva."

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