Pacientes de Covid podem ter risco maior de problemas de saúde mental

Estudo nos EUA analisou registros de quase 154 mil pacientes de Covid no sistema da Administração de Saúde dos Veteranos

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Pam Belluck
The New York Times

O isolamento social, a tensão econômica, a perda de pessoas queridas e outras dificuldades durante a pandemia contribuíram para o aumento dos problemas de saúde mental como ansiedade e depressão.

Mas ter Covid-19 pode aumentar o risco de desenvolver doenças mentais? Um novo estudo diz que sim.

Publicado na quarta-feira (16) na revista BMJ, o amplo estudo analisou registros de quase 154 mil pacientes de Covid no sistema da Administração de Saúde dos Veteranos e comparou suas experiências no ano seguinte à sua recuperação da infecção inicial com as experiências de um grupo semelhante de pessoas que não contraíram o vírus.

De uma janela, se vê o interior de uma sala de UTI com dois profissionais da saúde em pé.
UTI de atendimento exclusivo a crianças com Covid do Hospital Cândido Fontoura, o maior do estado de São Paulo - Adriano Vizoni - 4.fev.2022/Folhapress

O estudo incluiu só pacientes que não tiveram diagnóstico ou tratamento de doença mental durante pelo menos dois anos antes de se infectarem com o coronavírus, permitindo que os pesquisadores se concentrassem em diagnósticos e tratamentos psiquiátricos que ocorreram depois da infecção pelo vírus.

As pessoas que tiveram Covid eram 39% mais propensas a ser diagnosticadas com depressão e 35% mais inclinadas a ter diagnóstico de ansiedade nos meses seguintes à infecção do que as pessoas sem Covid durante o mesmo período, concluiu o estudo. Os pacientes de Covid tinham 38% maior probabilidade de ser diagnosticados com estresse e transtornos de adaptação e 41% maior probabilidade de apresentar sintomas de distúrbios do sono do que as pessoas não infectadas.

"Parece haver um claro excesso de diagnósticos mentais nos meses após a Covid", disse Paul Harrison, professor de psiquiatria na Universidade de Oxford, que não participou do estudo. Ele disse que os resultados refletem a imagem que surge de outras pesquisas, incluindo um estudo de 2021 do qual ele foi um dos autores, e "reforça a tese de que há algo na Covid que está deixando as pessoas sob maior risco de condições comuns de saúde mental".

Os dados não sugerem que a maioria dos pacientes de Covid irão desenvolver sintomas de saúde mental. No estudo, somente entre 4,4% e 5,6% deles receberam diagnósticos de depressão, ansiedade ou estresse e distúrbios de adaptação.

"Não é uma epidemia de ansiedade e depressão, felizmente", disse o doutor Harrison. "Mas não é trivial."
Os pesquisadores também descobriram que os pacientes com Covid eram 80% mais propensos a desenvolver problemas cognitivos como névoa cerebral, confusão e esquecimento do que aqueles que não tiveram Covid. Eles eram 34% mais inclinados a desenvolver transtornos por uso de opioides, possivelmente dos medicamentos prescritos para dor, e 20% mais propensos a desenvolver transtornos por uso de substâncias não opioides, incluindo alcoolismo, relatou o estudo.

Depois de ter Covid, as pessoas mostravam tendência 55% maior a tomar antidepressivos prescritos e 65% maior a ingerir medicamentos contra ansiedade prescritos do que as que não tiveram Covid, segundo o estudo.

No cômputo geral, mais de 18% dos pacientes de Covid receberam um diagnóstico ou prescrição para um problema neuropsiquiátrico no ano seguinte, em comparação com menos de 12% do grupo não-Covid. Os pacientes de Covid eram 60% mais propensos a se enquadrar nessas categorias do que as pessoas que não tiveram Covid, segundo o estudo.

O trabalho descobriu que os pacientes hospitalizados por Covid tinham maior tendência a ser diagnosticados com problemas de saúde mental do que aqueles com infecções por coronavírus menos graves. Mas as pessoas com infecções iniciais leves ainda apresentavam maior risco do que as pessoas sem Covid.

"Algumas pessoas sempre argumentam que 'talvez as pessoas estejam deprimidas porque precisaram ir ao hospital e passaram uma semana na UTI'", disse o principal autor do estudo, doutor Ziyad Al-Aly, chefe de pesquisa e desenvolvimento do Sistema de Saúde St. Louis da Administração de Veteranos e pesquisador clínico em saúde pública na Universidade Washington em St. Louis (Missouri).

"Nas pessoas que não foram hospitalizadas por Covid-19, o risco foi menor, mas certamente significativo. E a maioria das pessoas não precisa ser hospitalizada, então esse é realmente o grupo que representa a maioria das pessoas com Covid-19."

A equipe também comparou os diagnósticos de saúde mental de pessoas internadas por Covid com aquelas hospitalizadas por qualquer outro motivo. "Quer as pessoas fossem hospitalizadas por infarto, quimioterapia ou qualquer outra condição, o grupo da Covid-19 apresentava um risco maior", disse Al-Aly.

O estudo envolveu registros médicos eletrônicos de 153.848 adultos que testaram positivo para o coronavírus entre 1º de março de 2020 e 15 de janeiro de 2021 e sobreviveram por pelo menos 30 dias. Por ser no início da pandemia, muito poucos haviam sido vacinados antes da infecção.

Os pacientes foram acompanhados até 30 de novembro de 2021. Al-Aly disse que sua equipe planejava analisar se a vacinação posterior modificava os sintomas de saúde mental das pessoas, bem como outros problemas médicos pós-Covid que o grupo estudou.

Os pacientes com Covid foram comparados com mais de 5,6 milhões de pacientes no sistema de Veteranos que não tiveram teste positivo para o coronavírus e mais de 5,8 milhões de pacientes antes da pandemia, no período de março de 2018 a janeiro de 2019.

Para tentar avaliar o efeito da Covid-19 na saúde em comparação com o de outros vírus, os pacientes também foram comparados com cerca de 72 mil pacientes que tiveram gripe durante os dois anos e meio anteriores à pandemia. (Al-Aly disse que houve muito poucos casos de gripe durante a pandemia para oferecer uma comparação adequada.)

Os pesquisadores tentaram minimizar as diferenças entre os grupos ajustando muitas características demográficas, condições de saúde pré-Covid, residência em lares de idosos e outras variáveis.
No ano após a infecção, os pacientes com Covid tiveram porcentagens mais altas de diagnósticos de saúde mental do que os outros grupos.

"Não é realmente surpreendente para mim, porque temos visto isso", disse a doutora Maura Boldrini, professora associada de psiquiatria no Centro Médico NewYork-Presbyterian da Universidade Columbia. "Eu acho impressionante quantas vezes vimos pessoas com esses novos sintomas sem um histórico psiquiátrico anterior."

A maioria dos veteranos no estudo eram homens, três quartos eram brancos e sua idade média era de 63 anos, então as descobertas podem não se aplicar a todos os americanos. Ainda assim, o estudo incluiu mais de 1,3 milhão de pacientes mulheres e 2,1 milhões de pessoas negras, e Al-Aly disse que "encontramos evidências de maior risco, independentemente da idade, raça ou sexo".

Existem várias razões possíveis para o aumento dos diagnósticos de saúde mental, segundo Al-Aly e outros especialistas. Boldrini disse acreditar que os sintomas provavelmente foram influenciados tanto por fatores biológicos quanto pelos estresses psicológicos associados a uma doença.

"Não há uma análise que conte toda a história", disse Al-Aly. "Talvez todos nós ou a maioria tenhamos experimentado algum tipo de distúrbio emocional, estresse de saúde mental ou algum problema de sono", acrescentou. "Mas para as pessoas com Covid foi pior."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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