Descrição de chapéu The New York Times

Pandemia deixou os idosos mais sedentários

Pessoas mais velhas com Covid leve e até quem não teve a doença acabaram impactados pelo menor nível de atividade física

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Paula Span
The New York Times

Cindy Myers, executiva de uma organização sem fins lucrativos, disse que mesmo em tempos normais não é uma pessoa muito ativa. "Trabalho sentada diante de uma mesa. Não sou de fazer muito exercício físico."

Mesmo assim, antes da pandemia, ela, que tem 64 anos e um doutorado em desenvolvimento de organizações, se deslocava diariamente de sua casa em Petaluma, Califórnia, para o escritório em San Francisco. Encontrava amigos para um almoço ou café e frequentava restaurantes, teatros e palestras com sua esposa. "Havia muito mais variedade em minha vida, mais lugares, mais gente", ela disse. "Você nem toma consciência do quanto está se movimentando."

Como muitos funcionários de empresas, Myers agora trabalha à distância há dois anos, reduzindo os eventos sociais e culturais dos quais participa e evitando deslocamentos. Tudo isso, ela disse, possivelmente também exacerbado por uma fase de depressão que ela sofreu em 2020, teve consequências físicas. Seus braços e pernas estão enfraquecidos e seu equilíbrio piorou; Myers já sofreu várias quedas.

Senhora idosa sentada em cadeira
Cindy Myers - Bryan Meltz/The New York Times

"Alguns tipos de movimento muito básicos que você sempre achou naturais, como andar de uma ponta a outra da casa, agora são exaustivos", ela comentou. "Estou preocupada."

Muitos especialistas em saúde estão preocupados com a perda de condicionamento físico e mobilidade verificada entre adultos mais velhos desde que a Covid alterou profundamente a rotina das pessoas. Pesquisas recentes indicam que muitas pessoas que tiveram casos leves a moderados de Covid e até mesmo algumas que conseguiram evitar o coronavírus completamente podem estar sofrendo declínio funcional.

Boa parte da atenção voltada até agora aos efeitos da pandemia sobre a população de terceira idade tem enfocado o alto índice de mortalidade. Quase três quartos dos americanos que morreram de Covid tinham 65 anos ou mais.

Pesquisadores também informam que os adultos mais velhos cujos sintomas de Covid se agravaram a ponto de exigir internação hospitalar em muitos casos já apresentavam problemas anteriores de saúde física e mental.

"Quando a pessoa está hospitalizada e é idosa, leva muito tempo para se recuperar", comentou Marla Beauchamp, que estuda a mobilidade, envelhecimento e doenças crônicas na universidade McMaster, em Hamilton, Ontario. "A Covid continua a impactar os idosos de maneira significativa mesmo muitos meses mais tarde."

Mas a Covid mais branda também pode afetar a capacidade física das pessoas. Beauchamp liderou um estudo recente de canadenses de a partir de 50 anos que tiveram Covid confirmada, provável ou suspeita em 2020, quando ainda não havia ampla disponibilidade de testes. O estudo revelou uma deterioração da mobilidade entre os que tiveram sintomas leves a moderados —93% dos quais nem sequer chegaram a ser hospitalizados— quando comparados a pessoas sem Covid.

Quase metade das pessoas de 65 anos ou mais que contraíram Covid relataram ter menos capacidade de praticar atividades físicas como caminhadas e exercícios do que tinham antes da pandemia —mas um quarto das pessoas da mesma faixa etária que não contraíram o vírus relataram a mesma coisa. Uma parcela menor dos não infectados disse que sua capacidade de se movimentar em casa e realizar tarefas domésticas como tirar o pó dos móveis e lavar a louça também declinara.

Embora parte desse declínio possa refletir o envelhecimento normal, o estudo acompanhou as alterações ao longo de um período de apenas nove meses. Entre as pessoas que não tiveram Covid, "a razão mais plausível do declínio são as restrições sanitárias adotadas durante a pandemia", disse Beauchamp.

O declínio de função física também vem sendo notado em americanos mais velhos. No início de 2021 uma equipe da Universidade do Michigan estudou cerca de 2.000 adultos americanos de 50 a 80 anos, perguntando sobre seus níveis de atividade (mas não sobre Covid).

Quase 40% das pessoas de mais de 65 anos entrevistadas relataram que sua atividade física diminuiu desde o início da pandemia, em março de 2020, assim como o tempo que passavam em pé. Nessa amostra nacional representativa, esses fatores foram associados a uma deterioração do condicionamento físico e da mobilidade.

"É uma cascata de efeitos", disse Geoffrey Hoffman, pesquisador de serviços de saúde na Escola de Enfermagem da universidade e autor principal do estudo. "Tudo começa com alterações nos níveis de atividade. Isso leva a uma deterioração da função, o que, por sua vez, está associada a quedas e ao medo de cair."

Beauchamp acrescentou: "É realmente preocupante constatar essa redução na mobilidade. Isso nos diz que a pandemia, por si só, exerceu um impacto significativo sobre os adultos mais velhos."

Esses estudos observacionais feitos no Canadá e nos Estados Unidos não investigaram as razões do aumento autorrelatado de declínio físico. Mas os autores dos estudos sugeriram que as restrições ligadas à pandemia podem ter provocado descondicionamento físico, mesmo em pessoas que não contraíram Covid.

Não apenas as academias, estúdios de ioga, piscinas, centros comunitários e centros para a terceira idade fecharam as portas por longos períodos, como muitos idosos reduziram suas tarefas normais e podem ter evitado seus passatempos habituais.

"Se a pessoa passa a sair para o supermercado com menos frequência ou manda entregar as compras em casa, se ela deixa de visitar os netos ou ajudar a cuidar deles, se ela deixa de encontrar os amigos num café —todas essas coisas envolvem um certo nível de atividade física", disse Beauchamp.

Muitos idosos passaram a sair menos e evitaram fazer compras de modo presencial. Serviços religiosos, reuniões de família e consultas médicas também passaram a acontecer online. "Pense em quanta atividade física fazemos sem sequer pensar nisso", disse Hoffman. Quando isso muda muito "e essas alterações persistem por seis ou nove meses, o resultado é uma perda de equilíbrio e força muscular, o que leva a mais tropeços e quedas".

Disparidades de saúde e renda também parecem exercer um papel. A redução da mobilidade e do condicionamento físico foram relatados com mais frequência, tanto nos EUA quanto no Canadá, por entrevistados de renda mais baixa, quer tivessem saúde boa ou ruim ou sofressem vários problemas de saúde crônicos.

"Adultos mais velhos e relativamente saudáveis possuem reserva de saúde suficiente, mesmo que reduzam sua atividade", explicou o geriatra Neil Alexander, da Universidade do Michigan, que não participou do estudo. "Esses números podem refletir pessoas de alto risco."

Ele destacou também que no início da pandemia, pacientes mais velhos tinham menos acesso a reabilitação e outros serviços. "Era difícil levar fisioterapeutas ou terapeutas ocupacionais às residências dos pacientes", ele explicou. "Os serviços de apoio que ajudam a conservar as pessoas com mobilidade e funcionando bem foram interrompidos." Ele destacou que no momento, a escassez de profissionais pode estar tendo efeito semelhante.

A função física é crucial para viver de modo independente, o futuro ao qual aspira a grande maioria das pessoas mais velhas. Uma perda de mobilidade e função em uma porção considerável da população de terceira idade pode resultar num aumento da incapacidade, numa necessidade maior de assistência eventual de longo prazo e em custos médicos mais altos.

Mas isso não é inevitável, disse Hoffman. "O descondicionamento físico pode ser revertido. É possível recuperar a mobilidade."

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.